15/12/2015 - 11:37
N a língua inglesa, o ditado popular “this ship has sailed” significa que as oportunidades foram perdidas. Na tradução para o português a frase seria: “esse barco já partiu”. Muito utilizado por americanos, o lema também serve para explicar a sensação dos líderes do agronegócio brasileiro depois do anúncio da Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), no começo de outubro, em Atlanta, nos Estados Unidos. Negociado nos últimos cinco anos, o acordo de livre comércio promete redefinir o mercado global. No discurso de apresentação da TPP, o presidente Barack Obama disse que o novo bloco vai concentrar os países responsáveis por 40% do PIB mundial, movimentando US$ 223 bilhões, por ano, a partir de 2025. Juntas, essas nações, reúnem 793 milhões de consumidores, entre Estados Unidos, Japão, Canadá, Austrália, Chile, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura, Brunei e Vietnã. “O Brasil será prejudicado de muitas formas”, afirma Kátia Abreu, ministra da Agricultura. “É uma situação bastante preocupante para o agronegócio.”
“O acessoa esses mercados, será em condições inferiores” Rodrigo Lima, diretor geral do Agroicone
Entre todos os setores da economia, o Brasil exporta para o bloco de países da TPP cerca de US$ 54 bilhões por ano. Desse total, o agronegócio respondeu por US$ 15,2 bilhões em 2014, o equivalente a 15,7% das exportações do setor. Detalhe: no ano passado, o agronegócio faturou US$ 96,7 bilhões com vendas ao Exterior. Um cálculo preliminar, elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), estima que a TPP pode levar à redução de 2,7% das exportações brasileiras para os países-membros da parceria, a partir do momento em que ela entrar em vigor, o que deve ocorrer no início de 2016. O impacto poderá ser de 5%, caso a China venha a aderir à TPP. Embora a paceria tenha sido concebida para conter o domínio chinês no Pacífico, a adesão do país de Xi Jinping não está descartada.
MENOS TARIFAS
Entre os países do novo bloco, a tendência é que as tarifas alfandegárias sejam progressivamente reduzidas, e zeradas em alguns casos. Os setores do agronegócio brasileiro que podem ser mais impactados são os de carnes bovina e de aves, e bioenergia, principalmente o de açúcar, embora a pauta de exportações inclua 24 segmentos. No caso da carne bovina, um exemplo é o Japão, que nos próximos 16 anos reduzirá as tarifas de 38,5% para 9%. De acordo com Rodrigo Lima, diretor geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Agroicone), o planejamento do Brasil na busca de novos mercados deve ser revista. “Caso o País consiga acessar os mercados da TPP, será em uma condição absurdamente inferior”, afirma Lima. Um exemplo é o acesso ao mercado de carne bovina in natura dos Estados Unidos, no qual a participação do Brasil foi aprovada pelos americanos em junho, depois de 15 anos de negociação. Com a TPP deve ficar mais difícil vender o produto, pois os países do bloco podem ter preferência. A expectativa era vender 100 mil toneladas por ano, aos Estados Unidos. Mas, o início dos embarques já não deve ocorrer neste ano, pois ainda depende do aval do congresso americano.
” O país precisa rever a sua posição para que não fiquemos isolados do mundo ” Kátia Abreu,ministra da Agricultura
Para Lima, sem acesso em condições favoráveis aos países da TPP, cada vez mais o Brasil vai se consolidar como maior exportador para mercados marginais, como o Egito e a Venezuela, em detrimento daqueles nos quais é possível agregar maior valor. O Egito foi o terceiro maior mercado para a carne bovina brasileira no acumulado de janeiro a setembro, atrás de Hong Kong e União Europeia, com 146,7 mil toneladas negociadas a US$ 502,1 milhões. Na comparação de preços, uma tonelada de carne vendida ao Egito sai por US$ 3,6 mil, enquanto o Japão, cliente fiel dos americanos, paga US$ 4,3 mil. “Precisamos decidir se queremos permanecer como estamos, ou se vamos transformar a carne de qualidade no nosso produto de primeira linha.” No ano passado, o Brasil exportou 1,5 milhão de toneladas, por US$ 7,2 bilhões. Mas dentro da Cota Hilton, criada pela União Europeia para produtos de qualidade superior, o que pode dobrar o valor da tonelada, o País exportou, neste ano, oito mil toneladas das dez mil toneladas a que tem direito.
“Nossa participação no mercado americano poderia ser bem maior” Eduardo leão,diretor executivo da Unica
Para o mercado de frangos, segundo Francisco Turra, presidente-executivo da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o Japão, o Canadá, o Chile, o Peru e a Malásia representam possíveis perdas de mercado. O Japão, por exemplo, é atualmente o segundo maior importador mundial de carne de frango, com 450 mil toneladas anuais. No ano passado, das 12,6 milhões de toneladas de carne de frango produzidas no Brasil, 4,1 milhões foram exportadas. Os japoneses, no radar da indústria local, compraram 415 mil toneladas por US$ 1,1 bilhão, pagando tarifas de 5% a 7%. “Com a TPP, por menores que sejam as nossas tarifas, elas serão sempre superiores”, diz Turra. “Hoje, já não temos muita margem de competição nos preços e o futuro nos preocupa.” Para todo o bloco de países, as exportações de aves atingiram 600 mil toneladas em 2014, o equivalente a US$ 1,4 bilhão.
“Por menores que sejam, as nossas tarifas sempre serão superiores” Francisco Turra,presidente da ABPA
No setor de bioenergia, especificamente para o comércio de açúcar – etanol é vendido apenas aos Estados Unidos – , o Brasil deve entrar numa queda de braços com a Austrália. Esse país contará com uma cota extra de 68 mil toneladas na TPP, destinadas aos americanos, além das 87,4 mil toneladas já embarcadas anualmente. De acordo com Eduardo Leão, diretor executivo da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), a cota dos australianos pode chegar a 400 mil toneladas até 2019. Esse volume é superior aos embarques brasileiros para os Estados Unidos, atualmente de 300 mil toneladas de açúcar, em média. “É um mercado no qual poderíamos ter uma participação muito maior”, diz Leão. Na safra 2014/2015, os Estados Unidos produziram 7,8 milhões de toneladas e estão importando, neste ano, 3,2 milhões.
“A competição é desafiadora, ainda mais com a OMC paralisada” Camila Sande, especialista em acesso a mercados da CNA
RELAÇÕES MUNDIAIS
De acordo com Camila Sande, especialista em acesso a mercados, da Superintendência de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), os termos do acordo tornam a competição desafiadora para os países que não são membros da TPP, já que as regras de comércio do bloco servirão de referência para todos os países. “Ainda mais com a Organização Mundial do Comércio (OMC) paralisada, especialmente nas questões agrícolas”, afirma Camila. Para a ministra Kátia Abreu, o tratado reforça a necessidade de o Brasil repensar as suas estratégias de comércio exterior. “O País precisa rever a sua posição para que nós não fiquemos isolados diante do mundo”, disse.
A observação de Kátia Abreu reflete a crítica que os empresários e os produtores têm feito ao governo da presidente Dilma Rousseff e também aos governos anteriores. O Brasil apostou suas fichas no Mercado Comum do Sul (Mercosul), bloco criado em 1991, em detrimento de acordos maiores, como a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), por exemplo, proposta pelos Estados Unidos em 1994. “O que no passado foi muito bom, hoje está restrito ao setor automotivo”, afirma a ministra. “Mas, nenhum acordo comercial está escrito em pedra ou na Bíblia, então acredito que ele possa ser modernizado.”
O Mercosul tenta um acordo com a União Europeia há 15 anos. As negociações foram retomadas a partir de 2012, mas avançaram pouco. Para este ano, o Brasil deve participar de reunião com os europeus. O movimento é necessário, já que Estados Unidos e União Europeia intensificaram as negociações da Parceria de Investimento e Comércio Transatlântica (TTIP). Caso o Brasil não aperte o passo, ficará para trás outra vez.
ACESSO MAIS DISTANTE: para atender seus consumidores (acima, à esq.) o Japão importa 450 mil toneladas anuais de frango. Para promover a carne americana, o presidente Barack Obama faz até churrasco na Casa Branca