“As declarações sobre a suspensão da vacinação são descabidas para o momento”

Benedito Fortes de Arruda é médico veterinário e presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária, em Brasília

 

 

C ada vez mais pipocam declarações de representantes de governos, sindicatos e associações de produtores sobre a intenção de tornar os bovinos, suínos e bubalinos de seus Estados livres da febre aftosa, mas sem a vacinação dos rebanhos. A abertura de mercado nos Estados Unidos para a carne suína de Santa Catarina – o único Estado livre da enfermidade sem vacinação no País – e os interesses econômicos do setor produtivo motivam a busca pela mudança do status sanitár io do Brasi l na Organização Mundial de Saúde Animal (OIE, na sigla em inglês). Essa, porém, é uma conquista com um longo caminho pela frente. A mudança do status sanitário do Brasil passa por políticas públicas dos governos estaduais, mas depende da decisão do governo federal e somente torna-se efetiva após o reconhecimento da OIE. O processo não é simples e muito menos desejável para a atual condição sanitária dos rebanhos bovino e bubalinos, as duas espécies com vacinação obrigatória. Por isso, as declarações sobre a suspensão da vacinação contra o vírus da febre aftosa são descabidas para o momento.

Para que o Brasil obtenha mudança de status na OIE é preciso vontade política e um árduo trabalho pela frente, sob o comando de médicos veterinários, fiscais federais e estaduais. Seria uma temeridade o País partir para a retirada da exigência de vacina, sem antes ter um número adequado de profissionais para a vigilância do sistema de controle do vírus. A função de fiscalizar em benefício da saúde pública exige uma estrutura de trabalho com equipamentos, informatização e veículos para o deslocamento das equipes de fiscalização em todas as regiões do País, principalmente nas fronteiras. Além disso, o produtor deve ser conscientizado continuamente por meio de campanhas institucionais. Ou seja, para o País conquistar condição sanitária diferente da atual, que é de livre da aftosa com vacinação, na maior parte de seu território, é preciso mais gente e investimento.

 

Controle: em 2011, na segunda etapa de vacinação, 160 milhões de bovinos e bubalinos foram imunizados

Mas a infraestrutura para a fiscalização é só o início do processo de erradicação do vírus. Para cada pleito de região ou Estado que pretenda suspender a vacinação é necessária uma análise de impacto da mudança de nível sanitário. Sem a vacina, essas regiões ficam impedidas de receber carne in natura e animais de outros locais que pratiquem a vacinação. Qualquer descuido que permita a entrada de um vírus da febre aftosa através desses espaços desprotegidos pode ser catastrófico para a economia do País. Por isso, essas regiões devem ser demarcadas e autossuficientes da produção de bezerros ao abate dos animais. Recentemente, a Secretaria de Defesa Sanitária do Ministério da Agricultura (Mapa) criou um grupo de trabalho para mapear essas regiões com o objetivo de expandir a área sem vacinação, mas os primeiros resultados somente serão apresentados a partir de 2015.

Por ser um trabalho lento e minucioso, a expansão de possíveis áreas classificadas como livre de aftosa sem vacinação não será realizada no curto prazo. Assim, hoje, é preciso intensificar a proteção do rebanho através da vacina. Em 2011, na segunda etapa da campanha nacional de vacinação, cerca de 160 milhões de bovinos e bubalinos foram imunizados. Com a vacina, o nível de controle da doença melhorou e 15 Estados já são reconhecidos pela OIE como livres da febre aftosa, com vacinação. O governo federal tem como meta, até o próximo ano, declarar o Brasil como área livre da doença. O reconhecimento da OIE já abriria ao Brasil outros mercados para a carne produzida no País, além de intensificar o comércio com compradores mais exigentes, como europeus e americanos. E mais, sem a necessidade de deixar o País vulnerável ao vírus da febre aftosa, caso a decisão de suspender a vacinação ganhe força.