20/01/2020 - 15:59
Nesta segunda-feira (20), Frances Arnold, a quinta mulher a ganhar o prêmio Nobel de Química, em 2018, retornou ao Brasil para debater em evento com mulheres do agronegócio sobre inovação sustentável no setor.
Há 40 anos, Frances morou no Brasil quando era pesquisadora junto ao professor José Goldenberg. Naquela época ela percebeu a forte vocação para o agronegócio, mas identificou gargalos e ameaças. Uma delas é a Lagarta de Cartucho (Spodoptera frugiperda), que tem afetado plantações de milho e se proliferado para lavouras de algodão e soja.
Frances ganhou o prêmio Nobel de Química com a descoberta da “evolução dirigida”, que transformava enzimas para produzir sustâncias menos poluentes. Na mesma época criou também um novo método para produzir feromônios. Essas substâncias eram utilizadas no Brasil há 30 anos, mas em pequenos cultivos para eliminar pragas. O uso em grande escala sempre foi complexo, ineficiente e caro para o produtor. Com a descoberta de Frances, foi possível por meio da Provivi, startup da qual é fundadora, produzir feromônios para cultivos em grande escala com custo baixo.
Em entrevista à DINHEIRO, a ela revelou detalhes do seu trabalho e de que forma isso pode impactar o mundo agro.
Como a sua descoberta contribui para transformar a produção de feromônios?
Realizamos testes utilizando matéria prima barata — o óleo vegetal — e damos sequência a dois processos químicos, um por meio de biocatalizadores e outro por metátese. Logo ocorre a produção intermediária do feromônio até chegar ao processo químico convencional e ao produto final.
Com a descoberta que rendeu o prêmio Nobel, facilitamos o uso de enzimas catalizadoras. Isso reduziu o processo produtivo dos feromônios de sete etapas para três, tornando o custo de produção e venda mais barato.
Os feromônios tradicionais tinham uma produção complexa e eram muito caros para o uso em plantações de milho e soja. Com o novo processo foi possível começar a aplicar feromônios em grandes cultivos tais como soja, milhão, algodão e cana de açúcar.
Como o feromônio da Provivi atua?
Existem duas situações: a primeira é quando o feromônio é utilizado em frutas ou pequenos cultivos. Aqui utilizamos armadilhas para capturar os machos da espécie Lagarta de Cartucho. Então eles se sentem atraídos pelo odor, mas não conseguem encontrar a fêmea, desta forma reduzimos a possibilidade de produzir ovos e mais lagartas. Atualmente já atuamos no México com este método, que é conhecido pelo uso de sachês.
Para cultivos de grande escala como milho, algodão e soja, esta técnica seria inviável, então utilizamos o “confundimento sexual”. Jogamos o feromônio em sprays, que serão pulverizados por meio de aviões ou drones nos cultivos para evitar que o macho se reproduza.
Como pretendem controlar as pragas no Brasil?
Nos últimos dois anos, realizamos testes em plantações de milho com feromônios, para erradicar a praga Lagarta de Cartucho, na Bahia, em Mato Grosso, em Goiás, São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Este ano vamos registrar o nosso produto e chegaremos ao mercado brasileiro na safra de 2021/2022. Vamos ofertar um produto competitivo com bom custo benefício para os agricultores.
Estamos preocupados com as plantações que se tornaram resistentes ao uso de produtos tradicionais como inseticidas e transgênicos. Por este motivo trabalharemos com as safras de soja, arroz, algodão, milho e uva.
Qual é a função da Provivi no agronegócio sustentável?
Somos um exemplo de que a biologia pode ser a melhor química e uma ferramenta poderosa de transformação. Com a nossa produção de feromônios reduzimos o uso de pesticidas na agricultura, com métodos sustentáveis. O mercado dos feromônios tem um grande potencial porque trabalhamos de forma específica com cada praga e os produtos não são compostos tóxicos, não afetam espécies benéficas e nem geram resíduos. Então é bom para os agricultores, produtores e para o meio-ambiente.
No entanto, frente à resistência que alguns cultivos estão desenvolvendo para pesticidas e inseticidas, precisamos desenvolver tecnologias sustentáveis de forma integrada.
Como avalia o agronegócio brasileiro?
O agro brasileiro é um player importante para o planeta, em um contexto de destruição dos recursos naturais no mundo. O Brasil possui vantagens por fazer parte de um polo tropical da agricultura, podendo contribuir com a produção mundial de alimentos.
Mas, também existem desafios como pensar na construção de uma agricultura sustentável, que garanta a preservação do ecossistema rico que o país tem. Essa visão nunca pode ser deixada de lado.
O Brasil precisa cuidar muito dos seus recursos. O seu agronegócio tem uma dinâmica diferente de outros países, que precisa ser abordada com o objetivo de gerar soluções.
Entre as vantagens do agro brasileiro destaco: ser pioneiro na utilização de compostos biológicos, por exemplo, no controle de pestes de cana de açúcar. Ou na integração da agricultura, pecuária e floresta onde a Embrapa desenvolve um trabalho com maestria. Mas é urgente melhorar o uso do solo, reduzindo o uso de pesticidas de fertilizantes.
Porque escolheu o Brasil para falar de inovação sustentável no agronegócio?
A vida toda me dediquei a sustentabilidade, acredito que tecnologias inovadoras podem realmente fazer a diferença. Escolhi o Brasil por ser um grande player do agronegócio mundial e queria mostrar que é possível sim ser líderes de mercado e trabalhar ao mesmo tempo com sustentabilidade.
Adorei retornar ao país no qual trabalhei como pesquisadora em 1979.