Ivan Zurita, presidente da Nestlé Brasil, defende a tese de que o Brasil precisa de acordos bilaterais para se tornar uma potência no leite

Um dos maiores desafios do mercado foi lançado: o Brasil deveria deixar o Mercosul? Na opinião do presidente da Nestlé Brasil, sim, e rápido. Ivan Zurita afirma que o Brasil está amarrado comercialmente. “Liberem os mercados”, clama alto e bom som. Para o executivo, a liberação de mercado é o passo que falta para consolidar o setor leiteiro brasileiro como um grande fornecedor mundial, o único a ter capacidade para suprir demandas de mercados como Estados Unidos, Europa e China, que não têm mais como aumentar suas produções. Em entrevista à DINHEIRO RURAL, ele explica como o País pode se tornar um player mundial, seguindo o caminho de outros setores. Mesmo que o caminho seja solitário.

Dinheiro Rural – O Mercosul está, realmente, atravancando a expansão do setor leiteiro brasileiro?

Ivan Zurita – Sim, totalmente. Os países que operam no Mercosul só operam conjuntamente e para o setor leiteiro brasileiro, e isso é um grande problema. Somente o Brasil tem capacidade para atender à demanda mundial de leite. Nós temos aqui uma vantagem competitiva por nascimento, temos sol o ano inteiro, temos território, temos um terço da água do planeta, mas veja só os parceiros que nós fomos arranjar…

Rural – A solução seria a desvinculação total do bloco?

Zurita – A solução seria o governo liberar os mercados, fazer acordos bilaterais. É preciso parar de confundir geopolítica com mercado. Só isso. Nós temos tudo para sermos imbatíveis, e não apenas competitivos. Se o governo liberar o mercado, a leiteria vai ser encarada como um grande projeto nacional. Quem não souber operar vai ficar fora como em qualquer outro segmento. Quem souber sai ganhando.

Rural – Mas, ainda que o Brasil tenha essa vantagem competitiva, o setor leiteiro seria capaz de atender à demanda mundial?

Zurita – Claro que sim, nós só não investimos mais no setor porque não temos onde estocar o leite produzido. A partir do momento em que não existe acordo bilateral, eu não posso estimular a produção, não posso chegar para o meu fornecedor e pedir que ele aumente a sua produção, simplesmente porque não tenho mercado para pôr todo esse leite. Mas, se eu chegar para ele e disser aumente (a produção), ele aumenta sim. Hoje, temos uma cadeia produtiva muito eficiente. O perfil do produtor de leite mudou muito.

“Eu disse ao presidente Lula que o País não pode ser refém da ineficiência de seus parceiros”

Rural – Liberando o mercado, que papel caberia ao governo?

Zurita – A única coisa que queremos é que o governo libere os mercados e promova os acordos bilatedinheiro rural/067- maio 2010 23 rais. Só. Não queremos que o governo venda o nosso leite lá fora, queremos apenas a liberação. Os brasileiros são suficientemente empresários para saber o que fazer com tudo isso.

Rural – Esses mercados seriam…

Zurita – China, Estados Unidos, Europa, Chile… A China continua crescendo 17% ao ano e me responda: quem vai oferecer leite para a China? Somos nós. Nós estamos condenados a fornecer leite para a China. A Europa não tem mais onde produzir leite, os Estados Unidos não têm como aumentar a sua produção por causa das temperaturas e o que sobra eles vendem para o México. A China tem demanda e não tem como produzir, ou seja, sobrou mesmo para nós, que temos capacidade e condições naturais para isso.

Rural – Mas o produtor brasileiro tem qualificações para atender à exigência do mercado externo?

Zurita – Sim, embora o setor tenha que se organizar. Quem quiser exportar vai exportar, quem quiser fornecer apenas para o mercado interno pode ficar por aqui. No caso da Nestlé, especificamente, nós já temos esta busca pelo leite de valor agregado, de alta qualidade. O produtor brasileiro tem capacidade de oferecer um produto de valor agregado, de altíssima qualidade. Se eles (os produtores) não soubessem trabalhar este leite, nem nós teríamos entrado no mercado de alta qualidade (Zurita se refere ao lançamento do Leite Ninho).

Rural – E como ficaria o consumidor interno, caso o Brasil se torne um grande exportador de leite?

Zurita – Não muda nada para o nosso consumidor, ele não vai sofrer com isso. Temos capacidade de sobra para abastecer o mercado interno. No ano passado, só nós produzimos dois bilhões de litros de leite e estamos acompanhando a crescente demanda interna. As classes sociais estão evoluindo e o consumo está aumentando. Se houver a liberação de mercado, o Brasil terá como abastecer o mercado interno e atender à demanda do mercado externo.

Rural – Qual foi a mudança no perfil do produtor de leite?

Zurita – Antigamente, o produtor de leite era aquele que colocava os tambores na porteira, embaixo de uma árvore. Depois, eles passaram muito tempo desestimulados porque não eram remunerados. Hoje, o mercado mudou. Os produtores têm infraestrutura, informações técnicas, buscam o gado ideal para a sua região e têm apoio. Eles se reúnem em pequenos grupos, investem em máquinas e equipamentos para oferecer o leite que o mercado demanda, e assim vão se fortalecendo. Hoje em dia, o leite é remunerado de acordo com seu valor analisado no momento da coleta, incluindo os sólidos do leite. Isso faz com que o produtor se profissionalize cada vez mais.

“Os produtores estão aptos a aumentar a produção. Mas se isso acontecer vai sobrar leite”

Rural – E a Nestlé segue investindo em infraestrutura…

Zurita – Sim. Na fábrica em Carazinho, por exemplo, temos hoje a captação diária de 500 mil litros e vamos chegar a um milhão de litros rapidamente, mas nosso objetivo é chegar a dois milhões de litros por dia. E sei que iremos atingir essa meta. Temos aqui famílias inteiras trabalhando na pecuária leiteira, a exemplo do que ocorre na Europa. No campeonato leiteiro da Expointer, no ano passado, tinha uma vaca que dava 70 litros de leite por dia e pertencia a um pequeno criador. Quem não quer ter uma vaca que dá 70 litros por dia?

Rural – O setor ainda é dominado por pequenos produtores?

Zurita – Temos tanto produtores de 40 mil litros por dia como de 400 litros por dia, mas não podemos esquecer que este de 40 mil um dia produziu quatro e assim por diante. E temos exemplos de grupos assentados que hoje produzem 400 litros por dia. O importante é que estes produtores estão buscando cada vez mais a profissionalização da cadeia, inclusive estudando cruzamentos industriais, genética, manejos mais adequados…

Rural – O perfil do consumidor brasileiro também mudou?

Zurita – Sim, e como mudou. O consumidor brasileiro mostrou que seu planejamento econômico familiar não é ditado pelo leite. Ele quer um leite de qualidade e não se importa de pagar alguns centavos a mais por esta qualidade.

Rural – Foi analisando este perfil do novo consumidor que a Nestlé lançou o leite Ninho em caixinha ou isso foi percebido depois do lançamento?

Zurita – As duas coisas. Nós sabíamos que estava havendo uma mudança no perfil do consumidor de leite. As classes sociais estão evoluindo. Havia uma tendência para traçar o perfil deste novo consumidor. Após o lançamento, percebemos que era exatamente isso. Então, definimos dois produtos de valor agregado: o leite integral, Ninho, e o leite desnatado, Molico. Foi uma grande responsabilidade porque tínhamos que atender à exigência do consumidor. Não podia ser algo mais ou menos. Hoje, as vendas destes leites crescem mês a mês e nos dão esta resposta.

Rural – Foi a demanda por estes leites de qualidade que levou a Nestlé a construir mais duas fábricas?

Zurita – Estamos com duas novas fábricas, uma em Carazinho (RS) e outra em Araraquara (SP), mas são unidades de multiprodutos lácteos. Elas não são restritas à produção de leite Ninho ou Molico. Nós descentralizamos a produção de Nescau, de tetra (envasados em caixinha) e alguns outros produtos, o que efetivamente reduziu os custos.