30/04/2019 - 11:46
Há 26 anos, o veterinário argentino Manuel Otero trabalha no Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). A entidade tem como principal função monitorar as políticas agrícolas nas Américas, do Sul, Central e do Norte. Há pouco mais de um ano, ele assumiu o cargo de diretor-geral da instituição, cuja sede fica na Costa Rica e que é o braço agrícola da Organização dos Estados Americanos (OEA). Otero é um grande especialista em políticas para o campo. Já foi adido agrícola em Washington, nos EUA, vice-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária da Argentina e representante do IICA no Brasil, entre 2011 e 2015. No mês passado, durante a Fruit Logística, na Alemanha, ele concedeu entrevista exclusiva à DINHEIRO RURAL.
Qual a sua visão sobre o que está acontecendo na Venezuela?
A Venezuela tem se transformado em um problema de todos. É um caso extremo, onde se tem quebrado a ordem institucional. Do ponto de vista agropecuário e rural, existe um problema muito sério de abastecimento. Pessoas e crianças não podem ser alimentadas e isso tudo representa uma ameaça para países vizinhos. Por exemplo, o caso da aftosa para um país como o Brasil, que tenta ser livre de aftosa sem vacinação. Temos trabalhado para ajudar na vacinação contra a aftosa no rebanho venezuelano e para que isso não afete o Brasil.
Como o senhor avalia uma possível saída do Brasil do Acordo de Paris, como tem ameaçado o presidente eleito Jair Bolsonaro?
O IICA tenta não ter opinião sobre as decisões políticas dos governos. Independentemente disso, o que está claro é que os eventos climáticos extremos são cada vez mais frequentes. No Sul da Argentina, perto do Polo Sul, já há registro de temperaturas acima dos 30 graus. Temos de reconhecer a gravidade desse assunto. Isso vai afetar o mapa produtivo e promover a chegada de novas pragas e doenças. Será necessário agir no âmbito dos países, das regiões e também nos acordos multilaterais.
O senhor tem acompanhado a catástrofe da barragem de Brumadinho. De que forma isso afeta a imagem da agricultura brasileira?
Evidentemente, haverá repercussão nas produções das regiões afetadas. Sobretudo com as toxinas que têm ido para os rios. Infelizmente, isso afeta a rentabilidade dos produtores, tem custado muitas vidas e muitos prejuízos econômicos. É preciso aprender as lições que vêm de Brumadinho, porque, definitivamente, afeta também a imagem do Brasil como produtor de alimentos.
Que medidas do IICA poderiam beneficiar a agricultura dos países em desenvolvimento?
O IICA já tem uma agenda internacional de cooperação técnica, com foco em negociações e na transformação das demandas dos ministros da Agricultura de vários países, em projetos concretos. No caso do Brasil, tentamos fazer com que o setor agropecuário tenha melhores instituições, com pessoas ainda mais capacitadas e com boas estratégias. Esse é o segredo da cooperação técnica. Para órgãos como o IICA, é fundamental ter sinais de que o que a gente propõe se transforma em projetos.
As cadeias do agronegócio estão realmente preocupadas em preservar o meio ambiente e ter uma produção mais sustentável?
Ao longo dos últimos 20 anos, têm acontecido mudanças significativas. Hoje, vejo uma preocupação crescente e a necessidade de gerar negócios agropecuários que sejam sustentáveis do ponto de vista social e ambiental. Os novos obstáculos no comércio internacional vão estar sempre ligados a novas técnicas ambientais.
Quais os desafios mais comuns para a América do Sul?
Os países têm de continuar fazendo investimentos nas áreas de tecnologia e inovação. No caso do Brasil, isso está bastante claro com o papel da Embrapa e das universidades. A Argentina também tem feito o mesmo. Mas há outros países nos quais os esforços e os investimentos em pesquisa são inexpressivos, quase nulos. Um país que não faz investimentos nessa área, depois terá de importar toda a tecnologia. E isso gera dependência.
No caso do Brasil, o que ainda precisa ser melhorado?
O Brasil tem um dos melhores modelos de agricultura tropical
do mundo e que não foi copiado de outros países. Isso está baseado no sucesso da Embrapa e de outras instituições. Mas, na agricultura familiar e de subsistência, ainda há algumas lições que devem ser aprendidas. Além disso, o País deve seguir insistindo com o tema da recuperação de solos.
Como o senhor analista a situação dos pequenos agricultores nos países latinos?
Nossos países têm um sério problema de produtividade. É aí que está o grande caminho do incremento da agricultura familiar. Por uma questão de sobrevivência, muitas vezes esses produtores não conseguem utilizar os poucos recursos dos quais dispõem para comprar melhores adubos e sementes, por exemplo. Mas não estamos falando de transferir recursos ou subsídios. Estamos falando de criar as condições certas para que os pequenos agricultores tenham acesso a crédito, tecnologia e programas de extensão. Para que eles possam ser treinados em boas práticas.
Como as nações podem compartilhar resultados e evitar doenças no campo?
O café e o cacau são exemplos de cadeias onde há muitos pequenos produtores. Para nós, é fundamental tentar ajudar a modernizar essas cadeias. Temos um grupo chamado Promecafé, uma rede de países liderada pelo setor privado, buscando avançar na modernização da cadeia do café. Se eu tenho um problema e você tem o mesmo problema, é preciso compartilhar
e trocar informações. Juntos, teremos muito mais possibilidades de enfrentar essa praga.
Em dezembro do ano passado, o IICA assinou uma parceria com Chile, Peru e México. Como o senhor pretende ajudar esses países?
A ideia é que as regiões dialoguem entre si, incentivando o comércio. O IICA está bem posicionado nesses países. Temos a Secretaria do Fórum dos Ministros do Conselho Agropecuário do Sul e, na América Central, a Secretaria do Conselho Agropecuário Centro-Americano. Faltava criar o Fórum de Ministros da Aliança do Pacífico, integrando Chile, México, Colômbia e Peru.