A lei do cientista francês Antoine Lavoisier, aquela que diz que na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, foi levada a sério por Milton Martucelli Júnior, diretor- comercial da Casa Angelina, em Cambuí, no sul de Minas Gerais. A empresa, de propriedade da família Mauro, de São Paulo, fabrica charutos há 25 anos, e cachaça artesanal há sete. Martucelli Júnior, genro do empresário Antonio Mauro Netto, já falecido, é o responsável por gerenciar todos os negócios da família, que está hoje sob o comando das herdeiras de Antonio, suas filhas Alessandra Mauro Pasiani e Mônica Mauro Martucelli. Até 2007, além do charuto e da cachaça, os negócios incluíam uma fazenda de pecuária, de 350 alqueires, na Mata Atlântica, em Natividade da Serra, no Vale do Paraíba. Foi lá que Martucelli Júnior se inspirou, em meados de 2003 e 2004, na lei de conservação das massas, de Lavoisier, para transformar a fruta cambuci, que causava um verdadeiro transtorno na criação de gado nelore, em xarope para fazer blend na cachaça. “Tudo começou com uma diarreia desenfreada no rebanho. Os animais se fartavam da fruta e depois passavam mal. Alguns chegaram até a morrer”, diz Martucelli Júnior. “Não pensei duas vezes, mandei cortar os pés de cambuci, mas veio o Ibama e mandou replantar as árvores.” Bendita imposição do Ibama, verificou Martucelli Júnior, logo depois.

 

Meses após cumprir a ordem de replantar as árvores de cambuci, ele foi à casa de um peão da fazenda para fazer o pagamento do salário.

Ao chegar, Martucelli Júnior sentiu um cheiro, que definiu como delicioso. O aroma vinha de um geleia de cambuci que estava sendo feita pela mulher do empregado. “Na hora pensei: encontrei a solução, e para dois problemas, o do gado e o da cachaça.” Explica-se: até aquela época, uma de suas preocupações era encontrar um diferencial de mercado para a cachaça produzida pela Angelina. Com um saco de cambuci na mão e a ideia na cabeça, Martucelli Júnior correu para o fogão mais próximo, na sede da fazenda. O desafio, diante da panela, era elaborar uma receita, que levaria a química perfeita para o xarope do cambuci deixar a cachaça mais atraente. “No início fiz umas 20 garrafas”, diz Martucelli Júnior, que passou a oferecer a bebida aos amigos, em rodas de bate-papo. “A degustação começou harmoni zando com o charuto, e foi aprovada.”

Mas foi só depois de 2007 que o cambuci tomou o lugar da pecuária na fazenda dos Mauro. O rebanho foi todo vendido, junto com cerca de 320 alqueires. Hoje a família cultiva o cambucizeiro nos 30 alqueires que restaram da fazenda. Dos 2,5 mil pés plantados, 100 estão em plena produção. Essas 100 árvores, com idade entre seis e sete anos, são capazes de produzir em média 20 mil quilos da fruta. O que pode render até 3,5 mil litros de xarope, feito com a polpa e o suco do cambuci. Esse volume de xarope concentrado produz em média 15 mil litros de cachaça. “Eu não tinha como me livrar do cambuci, e até então precisava cuidar do gado.”

Com isso, segundo Martucelli Júnior, vieram os primeiros pedidos e o negócio começou a crescer. Até aí, o charuto era responsável por 85% do faturamento da Casa Angelina, ficando a cachaça com 15%. Com o cambuci, esse cenário inverteu-se: desde 2007 a cachaça com cambuci, que pode ser encontrada em redes de supermercado, como o Pão de Açúcar e o St. Marche, é o principal negócio da família. Nos alambiques da Casa Angelina são produzidos por mês cinco mil garrafas da bebida com cambuci, nas versões Série A Cambuci, vendida em torno de R$ 48, e Série A Mais Suave, com 700 mililitros, a R$ 44. Além de pelo menos mais oito mil garrafas de cachaça sem o xarope, nas versões com 750 mililitros: Angelina Série Prata e a Série Ouro. No sistema de produção da cachaça Angelina, todo o resíduo é reaproveitado: o bagaço da cana é utilizado para esquentar as caldeiras e o resíduo pastoso que sobra da destilação do caldo, conhecido como vinhoto, é transformado em adubo. “O processo é 100% ecologicamente correto”, afirma Martucelli Júnior.