No Pantanal sul-mato-grossense, o rebanho do pecuarista José Carlos Carrato pastava livremente nos 4,9 mil hectares da fazenda Santo Antônio do Caeté, em Rio Verde (MS). Tudo estaria nos conformes, não fosse por um detalhe. O modelo de pecuária extensiva, comum para o homem pantaneiro, tem um índice de produtividade baixo. A chance de modificar esse cenário surgiu há quatro anos, quando o empresário Cláudio Godoy apresentou a Carrato o Projeto Pecuária BR. A ideia surgiu a partir da iniciativa de Godoy, com os parceiros do Sistema Brasileiro do Agronegócio (SBA), grupo de tevê fundado por ele, em meados da década de 1990. A empresa é proprietária do Canal do Boi, do Agrocanal, do NovoCanal e do Conexão MS. Godoy tem alma de empreendedor. Ele criou o projeto Pecuária BR com o intuito de levar às fazendas do Pantanal um conjunto de ferramentas – a principal delas o conhecimento técnico -, para melhorar os índices de produtividade e evitar que os criadores abandonem a atividade. “Sem conseguir pagar a conta, muitos acabavam desistindo da pecuária”, afirma o empresário.

Qualidade: em pouco tempo, já é possível ver a melhora do rebanho das fazendas que integram o projeto

“Seu” Renato: se surpreendeu com a qualidade dos bezerros gerados

A trajetória de Godoy mostra que ele costuma aceitar como desafios as oportunidades que vê pela frente. Filho de pecuarista, ele tirou de sua vivência no campo a inspiração para fundar o SBA. Era 1996 e naquela época não havia canal de televisão com programação voltada para o campo 24 horas por dia. “O pecuarista do Pará demorava para saber o que estava ocorrendo na pecuária paulista e vice versa”, diz Godoy. A distância dificultava o acesso dos pecuaristas aos animais criados em outras regiões. A disparidade de preços entre os bovinos destinados ao abate, e também os de genética superior, era grande entre as regiões do País. “Isso dificultava a consolidação do padrão do que é um bom animal, independentemente da região onde ele é produzido”, relembra ele. Godoy decidiu arregaçar as mangas e colocar no ar o Canal do Boi, o primeiro dos quatro que abriu, com uma programação em que o eixo principal era a transmissão de leilões em tempo real, de gado comercial para recria e engorda, um negócio até então desconhecido no País. A programação também continha notícias e programas técnicos. “A principal ferramenta do produtor é a informação”, afirma Godoy. “Sem isso, ele não vai a lugar algum.” O sucesso foi tanto que no ano passado, os canais que integram o SBA transmitiram 1.287 leilões de bovinos de raças para produzir carne e leite, mais ovinos, caprinos e equinos. Os eventos também são transmitidos ao vivo pela internet. Juntos, os quatro canais geraram R$ 1,8 bilhão em negócios. “Nossa meta é chegar aos R$ 2 bilhões neste ano”, afirma Godoy. “O Canal é uma ferramenta importantíssima, fundamental para os nossos eventos”, diz Dante Ramenzoni, criador de guzerá que há oito anos transmite seus leilões pelo Canal do Boi. Ele explica que graças a essa parceria, pôde melhorar suas técnicas de venda.

O projeto Pecuária BR, uma espécie de reality show, juntou as duas pontas, ao levar não somente informação, mas fomento e orientação aos pecuaristas. O conjunto de ferramentas utilizadas na administração de fazendas se tornou objeto de um programa de tevê. Uma unidade móvel de transmissão acompanha o trabalho no campo e o material produzido é colocado no ar, semanalmente, no programa que leva o mesmo nome.

José Lima: viu o índice de prenhez saltar dos 42% para 75%

 

Dante Ramenzoni: a transmissão dos leilões ao vivo é parte essencial do trabalho de vendas

A fazenda de Carrato foi a primeira a participar do Pecuária BR e funcionou como laboratório. “Demos todo o respaldo técnico, com orientação sobre manejo, fornecemos vacinas, material genético, ração e um veterinário para acompanhar o rebanho”, diz Jacques Alexandre, coordenador do projeto. O foco é melhorar o rendimento do rebanho, aumentando o número de fêmeas prenhes e, em consequência, de animais destinados ao abate. Para isso é utilizada nas 16 fazendas participantes a inseminação artificial em tempo fixo, técnica conhecida como IATF. As fêmeas, que na natureza entram em cio cada uma a seu tempo, são levadas através de medicamentos a entrar no cio ao mesmo tempo, facilitando o trabalho de inseminação. O sêmen utilizado vem da CRV Lagoa, de Sertãozinho (SP), central genética, com material produzido por touros provados. As rações, o sal mineral e as vacinas são provenientes de outros parceiros, anunciantes dos canais do SBA.

Em pouco tempo vieram os resultados. Na Caeté, o índice de prenhez, que girava em torno de 50% passou para 87%, depois da adoção da IATF para as 1.300 fêmeas que formam a base da criação. Ou seja, o número de fêmeas prenhes quase dobrou, de 650 para 1.130, um adicional na conta da fazenda de 480 bezerros por safra. “Os bezerros nascem mais fortes, ganham peso rapidamente e vão mais cedo para o abate”, diz Carrato.

Rebanhos turbinados

Em quatro anos de estrada, o Pecuária BR deu suporte para o desenvolvimento de criatórios em três Estados e gerou o primeiro reality show do produtor rural:

Fêmeas em estação de monta: 80 mil

Fazendas participantes: 16 (13 em MS, 2 no Tocantins e 1 em Goiás)

Índice de prenhez: 86%

Técnica reprodutiva: IATF*

Ganho de peso na desmama: 30 quilos

Em tempo real

Com transmissão via antenas parabólicas, internet e TV a cabo, a rede SBA se consolidou como a parceira do campo

Canais: Canal do Boi, AgroCanal, Novo Canal e Conexão MS

Negócios gerados em 2010 – R$ 1,8 bilhão

Projeção de negócios 2011 – R$ 2 bilhões

Reality rural: o trabalho do Pecuária BR é transmitido semanalmente na TV

A poucos quilômetros da fazenda Caeté, na fazenda Aguaçu, o pecuarista José Coelho Lima Filho também está deslumbrado com os resultados obtidos. Ele aderiu ao projeto Pecuária BR no final de 2009, com certa desconfiança, mas confessa estar satisfeito com o desempenho de seu plantel de fêmeas. “Primeiro, meu cunhado entrou e eu esperei para ver se ele ia quebrar a cara ou não”, diz. Do plantel de 6,5 mil animais de sua propriedade, foram selecionadas as 500 melhores fêmeas para realizar a IATF e o repasse com touros provados nos programas de melhoramento genético, naquelas fêmeas que não emprenharam com a IATF. A combinação de técnicas, levou o índice de prenhez de 42% para 75%. “Isso sem contar a melhora genética do rebanho como um todo”, diz ele. No sistema produtivo da fazenda, os machos são abatidos e as melhores fêmeas desses acasalamentos são integradas ao rebanho como novas mães. Para Alexandre, coordenador do projeto, o maior ganho está no melhoramento genético dos animais. “Isso vai fazer toda a diferença nos rebanhos daqui a alguns anos”, diz.

Para obter esses resultados, o projeto firmou parceria com o Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Corte, a unidade da Embrapa em Campo Grande (MS). Os técnicos e pesquisadores dão suporte aos pecuaristas, acompanhando o desempenho dos animais e os cuidados com o manejo. São parceiros como esses, somados à vontade dos pecuaristas, que fizeram o Pecuária BR deslanchar. Que o diga “seu” Renato Alves Ribeiro, proprietário da Fazenda Querência, em Aquidauana (MS). Os 28 mil hectares são tocados pelo neto, Mauro Ribeiro Corrêa. A propriedade tem seis mil fêmeas em estação de monta. A meta do trabalho de manejo, nutrição e sanidade é aumentar o peso dos bezerros na desmama. “Estamos conseguindo desmamá-los com quase 300 quilos”, diz Corrêa, enquanto a média da região é de 170 quilos para os machos, segundo a Embrapa Pantanal. Durante a visita da equipe de DINHEIRO RURAL, Corrêa levou o avô pela primeira vez ao curral da Querência. “Nunca vi bezerros tão fortes e bem formados”, disse “seu” Renato.

O trabalho de melhoramento genético e otimização da produtividade nas fazendas é só o começo. Em quatro anos, a média geral de fêmeas prenhes do projeto chegou aos 86% do total de inseminadas. Com os resultados, Godoy parte para a segunda fase. Ele quer comercializar em conjunto os animais. Eles vão para um confinamento terceirizado, em Campo Grande, com capacidade de engorda de 50 mil animais por ano. “Por ser uma carne de melhor qualidade, de animais precoces, ela vale mais”, diz Godoy. Resta agora a negociação com frigoríficos para a comercialização. Godoy também planeja lançar o Agricultura BR e o Piscicultura BR, nos mesmos moldes do Pecuária BR.

Jacques Alexandre: o maior ganho do projeto é a genética

 

Todos juntos: o confinamento do projeto tem capacidade para 50 mil cabeças