PLANTIO Área de lavouras de cana chega a 1,3 milhão de hectares (Crédito:Divulgação)

Há algumas faixas da discografia da música popular brasileira que ostentam com perfeição o título de grandes clássicos. A explicação está no caráter atemporal de estética e conteúdo. Um exemplo é a música Querela do Tempo, a última faixa do álbum Transversal do Tempo gravado por Elis Regina em 1978. “O Brazil não conhece o Brasil”, dizem Aldir Blanc e Maurício Tapajós. Na grafia, uma crítica ao mercado internacional. Na sonoridade, uma crítica que serve aos brasileiros, há 44 anos. O Brasil não conhece o Brasil do agronegócio, da energia, da bioeconomia, da biotecnologia. E assim, muitos brasileiros nem sequer sabem que uma das maiores empresas de açúcar e etanol do mundo é nacional: a Raízen, que fechou o ano passado com receita líquida de R$ 196,2 bilhões — e que está transformando a cana-de-açúcar em uma viável alternativa mundial de combustível do futuro.

AÇÚCAR Com 6,2 milhões de tons produzidas, a empresa é a maior do mundo (Crédito:Valdemir Cunha)

Números superlativos são apenas alguns dos índices que mostram a robustez da companhia. Além da receita, coloque na conta R$ 10,7 bilhões de Ebitda, 1,3 milhão de hectares de área cultivada com os canaviais, 35 parques de bioenergia e 40 mil funcionários. Isso tudo em 2021. A se esperar o relatório de sustentabilidade deste ano. A parte financeira reflete uma estratégia que, na visão do CEO Ricardo Mussa, levará a Raízen à condição de “maior empresa em produção de energia renovável do mundo”. Esse posto ele garante que será ocupado usando como matéria-prima a cana, commodity renovável, limpa e cujo maior produtor global é o Brasil. “Estamos no País certo, na hora certa, com a planta certa e com a empresa certa”, afirmou Mussa.

TIME Mais de 40 mil pessoas trabalham na companhia (Crédito:Paulo Altafin)

Nos bioparques da brasileira, 76 milhões de toneladas da planta se transformam em 6,2 milhões de tons de açúcar e 3,5 bilhões de tons de etanol de primeira geração (E1G). Seus resíduos, em etanol de segunda geração (E2G). E os seus subprodutos, em bioenergia e biogás. Ainda assim, disse o executivo, de cada pé, somente algo entre um terço e 40% são aproveitados. O restante, como as folhas, se perde no processo com impacto negativo nos índices de produtividade. “A cana é a planta mais energética do mundo, hoje ainda subutilizada por desafios tecnológicos.” Outra preocupação da companhia é a sustentabilidade do planeta e dos negócios. Com maior produtividade na área plantada, a empresa já consegue expandir sua área de vegetação nativa. Dessa forma reduz as emissões de gases de efeito estufa (GEE) com a própria floresta e também em outras frentes, como quando usa o biogás em vez de biodiesel em sua frota — o que responde por 30% das emissões da companhia. “Com essa substituição, geramos adicional de redução de 90% das emissões”, disse.

“O programa Cultivar é essencial-mente cuidar da nossa cadeia” Paula Kovarsky VP DE ESTRATéGIA (Crédito:Divulgação)

Esse é só um dos ganhos do ciclo de economia circular adotado nos bioparques. Ao produzir etanol de primeira e segunda geração, a receita e os índices de descarbonização evoluem. Segundo o CFO da companhia, Carlos Alberto Bezerra de Moura, a comercialização de 54% a mais de E1G permitiu aumentar a receita de R$ 2,8 bilhões por trimestre para R$ 3,4 bilhões. Além disso, a pegada de carbono do E1G é de 24 gramas de CO2 por megajoule, a do E2G é de 2g a 16 gramas por megajoule, enquanto a do etanol de milho é 62. “Nossa visão de expandir o tamanho do mercado dando aplicações mais nobres aos produtos é fruto do poder da governança”, disse Moura. Desde 2011, já são mais de 30 milhões de toneladas de CO2e, evitadas.

MONITORAMENTO Tecnologia de informação integrada em todas as áreas (Crédito:Paulo Altafin)

Na frente da sustentabilidade do negócio, Mussa afirma que há uma conjuntura a favor da companhia. Em que pese os desastres sociais que provocaram e que todos prefeririam evitar, a pandemia e a Guerra da Ucrânia fizeram a demanda da Raízen aumentar.

Valdemir Cunha
PORTFÓLIO Empresa usa a cana para produzir biocombustíveis, biogás e bioenergia (Crédito:Divulgação)

De 2020 a 2021, o impulso veio pela busca de mercadorias mais responsáveis ambientalmente. Já com a guerra, a segurança de abastecimento energético se tornou um ponto importante. De acordo com o executivo, a Europa precisava de um país amigável e de uma empresa que desse garantia de abastecimento. “Encontraram isso no Brasil e na Raízen, e assim conseguimos firmar contratos de dez anos ou mais”, disse. Mas ainda há outra questão relevante que une ambas as frentes.

A preocupação global com a insegurança alimentar está fazendo com que grandes companhias rechacem biocombustíveis que venham de áreas destinadas ao cultivo de alimentos. Com o E2G, produzido a partir de resíduos, a empresa tem a solução ideal. “Como produto especial, o etanol de segunda geração recebe uma classificação distinta e um prêmio maior”, disse Mussa. Não por um acaso, em maio deste ano a empresa anunciou investimentos de R$ 2 bilhões para a construção de duas novas plantas dedicadas à sua produção. Localizadas anexas aos Parques de Bioenergia Univalem, em Valparaíso (SP), e Barra, em Barra Bonita (SP), cada planta terá capacidade de produção de 82 mil m³ de E2G por ano, adicionando uma capacidade anual de aproximadamente 164 milhões de litros de biocombustível.

PESQUISA Melhoria de combustíveis é uma constante na empresa (Crédito:Divulgação)

Considerada a planta com maior eficiência energética, a cana ainda está longe de
atingir seu pleno potencial econômico

“ Nossa visão de expandir o mercado agregando valor é governança” Carlos A. Moura CFO (Crédito:Divulgação)

SOCIAL O respeito ao meio ambiente entra como fator condicional, afirmou o CFO: “Temos a mentalidade de dar sempre o melhor aproveitamento ao que a natureza nos confia”. Essa preocupação se estende à cadeia de valor. Paula Kovarsky, vice-presidente de Estratégia e Sustentabilidade na Raízen, cita como exemplo o Programa Cultivar, “que é essencialmente cuidar da cadeia de suprimento, um negócio que fazemos há mais de dez anos”, afirmou. São mais de 300 fornecedores envolvidos, o que representa 80% do total — ou 40% da cana moída nos bioparques da Raízen.

Outra iniciativa é a expansão da certificação do Bonsucro, que promove a cana-de-açúcar sustentável globalmente. Com 77% dos bioparques próprios já em conformidade, a meta agora é levar as boas práticas aos fornecedores. Como a metodologia original só certifica ou não os produtores, a Raízen criou uma jornada com um ranking que vai de um a quatro. Se a nota é um, diz a VP Paula Kovarsky, “a gente corta, porque as práticas são inadmissíveis”. A partir de dois pontos, a companhia entra para incentivar a melhoria. “Atuamos em pontos como práticas trabalhistas, de ética, de segurança e até incentivos financeiros para esse fornecedor”, afirmou. Uma visão integrada de quem sabe o papel que quer no futuro. “Hoje nós somos uma noiva com quem todo mundo quer se casar”, disse Mussa.

Tulio Vidal

A Visão do CEO

“Vejo a Raízen como a maior empresa do mundo em produção de renováveis. Falo de bioprodutos, biocombustíveis, bioenergia. Não falta demanda. Faltam fábricas. Estamos no País certo, na hora certa, com a planta certa e com a empresa certa”

Claudio Gatti

Cana como matéria-prima
“A cana é uma planta altamente energética. Falando em uso da terra, é uma commodity muito mais eficiente em capturar energia do sol e transformar em biomassa do que qualquer outra. Exemplos: com um hectare de soja se produz 3,5 toneladas de biomassa e com a mesma área de milho são 11 toneladas. Já com a cana-de-açúcar são mais de 90 toneladas. É a planta menos intensiva em uso da terra e é a que produz mais energia. Vale complemtar, ainda, que hoje aproveitamos menos de 40% do que ela oferecel. Seu potencial é imenso.”

Comparação entre energias limpas
“As energias solar e eólica são fontes limpas, mas com limitações pois são instáveis e com muita complexidade de armazenamento. A gente tem o etanol de primeira geração e o etanol de segunda geração que resolvem esses dois problemas. Para muitos mercados como o americano, o europeu e mesmo o asiático, somos uma grande alternativa.”

Segurança alimentar
“Quando falamos de biocombustível, a Europa logo pergunta a origem da matéria-prima porque eles já se negam a comprar produto caso ele concorra por áreas que deveriam ser para produção de alimentos. Como o etanol de segunda geração vem do resíduo da cana, ele recebe uma classificação distinta e um prêmio maior.”

Impacto das crises
“Quando veio a pandemia da Covid, a percepção da população mundial com o tema da sustentabilidade e a questão climática ficou mais forte. Ali nossa demanda já aumentou. Com a Guerra da Rússia, a segurança de abastecimento energético se tornou um ponto importante. Os europeus precisavam de um país amigável e de uma empresa que desse garantia de abastecimento. Encontraram isso no Brasil e na Raízen. Nosso modelo integrado nos permite fazer contratos de 20 anos.”

ROI da sustentabilidade
“Nossa primeira usina certificada Bonsucro foi a de Maracaí (SP) em 2011. No passado, certificávamos as plantas meio que por obrigação. Isso gerava por ano pouco menos de R$ 1 milhão de prêmio. O valor que recebemos multiplicou por 39. Ter uma cadeia sustentável é um bom negócio.”