Diferentemente de outros países, quando o assunto é a necessária jornada de descarbonização, o grande desafio do Brasil não está na matriz energética. As maiores fontes de emissão de gases de efeito estufa por aqui são o uso da terra e a agricultura com mais de 60% de participação. A boa notícia, do ponto de vista econômico para o agronegócio, é que uma alternativa para compensar o impacto negativo de ambas as frentes está dentro das próprias fazendas. Mais precisamente na transformação de resíduo de culturas agrícolas e dejetos de animais em biometano, um gás natural capaz de substituir o diesel no transporte; energia fóssil por limpa, e ainda usar como matéria-prima os resíduos que seriam descartados no meio ambiente. Mesmo com tantos benefícios, o Brasil produz somente 4 milhões de m3 diários. Situação que deve se reverter até 2030 quando a produção pode chegar a 30 milhões de m3 por dia.

APORTES Dados da Abiogás apontam para investimentos de R$ 60 bilhões em novas usinas até o fim da década (Crédito:U. J. Alexander)

O salto na produção será resultado de mais de R$ 60 bilhões em investimentos a serem consolidados até o fim da década em novas usinas, segundo projeções da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás). Como insumos, duas fontes: 5% devem vir de resíduos urbanos e os demais 95% virão do campo, segundo disse à RURAL Bruno Pascon, sócio-fundador e diretor da CBIE Advisory, braço de consultoria do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). “O potencial de produção de biogás no Brasil é de 121 milhões de m3 e a principal fonte será a agropecuária”, afirmou. Segundo ele, o volume seria suficiente para substituir 70% da frota de caminhões a diesel do País. “Estamos falando do pré-sal caipira”, disse. Do total de biometano produzido pelo agro, 47,7% vêm do setor sucroenergético, 32,2% de fazendas de criação de animais e 15,1% de restos de produção agrícola como palha de milho.

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Como vantagens para o produtor rural, além de estar em conformidade com os compromissos assumidos pelo Brasil de descarbonizar a economia chegando ao net zero em 2050, estão também o fato de que a energia produzida é limpa, barata, estocável e estável. Isso faz do biometano uma alternativa melhor do que o diesel ou do que a energia eólica ou solar. Então, por que demorou tanto para tracionar? Na opinião de Alexandre Candido, da ACP Bioenergia, “apesar de ser um setor muito promissor, ele era ainda pouco entendido por agentes financeiros e população”. A situação começa a mudar. Em 21 de dezembro de 2021, foi realizado o 1º leilão de reserva de capacidade e potência no Brasil, coordenado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Dentre as 17 usinas vencedoras, uma era de biomassa: o projeto Cidade do Livro, da IBS Energia.

“O Brasil passa por momento disruptivo que o levará à liderança em bioenergia” Murillo Galli Ibs Energy (Crédito:Divulgação)

O investimento previsto na usina de biomassa é de meio bilhão de reais, com geração de 1,5 mil empregos diretos e indiretos. O diretor de Operações da IBS Energy, Murillo Galli, justificou a decisão estratégica da companhia. “O Brasil passa por um momento disruptivo na jornada que o levará a ser protagonista na produção de alimentos e isso impulsionará seu papel como produtor de bioenergia”, afirmou. O ineditismo dessa usina recai no fato de que será exclusivamente para a geração de bioeletricidade. Localizada em Lençóis Paulista (SP), região com grande área de florestas plantadas e cana-de-açúcar, a unidade usará os resíduos de produtores de todos os tamanhos como insumo, inclusive dos independentes. A matéria-prima virá de área própria, contrato de longo prazo e contratos spots na proporção de um terço para cada. “Isso nos permitirá controlar a saúde financeira da empresa, com a administração de nossos custos”, afirmou o executivo.

Redução de custos foi sem dúvida um dos primeiros gatilhos que impulsionou a produção de biometano no Brasil. Muito do gás produzido pelas usinas, era usado para consumo próprio. O impacto positivo vinha na conta de energia e no reaproveitamento de resíduos. Mas o mercado está evoluindo rapidamente impulsionado por grandes players. Exemplo é a Raízen. Com todas as 35 unidades produtoras de bioenergia autossuficientes em energia graças à biomassa gerada internamente, em 2020 a empresa, por meio da Raízen Geo Biogás S.A., uma joint venture com a Geo Energética, lançou sua primeira planta de geração de energia exclusivamente por biogás. Localizada em Guariba, São Paulo, a unidade consumiu investimentos de R$ 153 milhões para a geração de 138 mil MWh.

“Nosso programa de ESG é prover soluções certas também para os clientes” Thais Fornicola Raízen (Crédito:Divulgação)

Neste ano, a Raízen Geo Biogás dobrou o aporte para a construção de sua segunda planta, mas a primeira dedicada à produção do biometano. Com investimentos de cerca de R$ 300 milhões, terá capacidade de produção de 26 milhões de m³ de gás natural renovável por ano, o suficiente para abastecer aproximadamente 200 mil clientes residenciais. Segundo Thais Fornicola, diretora Agroindustrial da Raízen, a nova unidade “consolida a empresa cada vez mais como protagonista na renovação energética” e reforça a estratégia ESG da companhia. “Nosso programa de ESG é prover essas soluções também para os clientes, permitindo que façam substituições para deixar uma pegada mais leve de carbono”, afirmou.

A pegada mais leve é dado objetivo. Segundo a calculadora do RenovaBio, o uso do biometano no lugar do diesel pode reduzir em 96% as emissões de CO2, além de gerar uma economia de 20% a 30% em relação ao gasto com óleo diesel. Para Alexandre Rangel, da EY, o “biocumbustível abre uma nova avenida de prosperidade para o agronegócio brasileiro”, disse o executivo que vê com especial apreço a célula de combustível baseada no etanol. “Temos aqui a oportunidade de um novo patamar para o setor bioenergético nacional.”

Energia e alimentos, uma combinação que pode transformar qualquer país em uma potência econômica global.

BAIXO CARBONO Biometano produzido pelo agro pode substituir 70% do combustível usado pela frota a diesel do País (Crédito:Divulgação)