01/04/2009 - 0:00
LULA E DONA MARISA:
programa da campanha de 2002 voltado ao agronegócio foi feito na fazenda de Bumlai
Na campanha presidencial de 2002, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva foi apresentado a um dos maiores pecuaristas do Brasil. Era José Carlos Bumlai, um engenheiro nascido em Corumbá, no Pantanal, que trabalhou durante 30 anos na construção pesada e que, em paralelo, desenvolveu uma atividade rural modelo em Mato Grosso do Sul: a Agropecuária JB. A empatia entre o candidato e o fazendeiro foi imediata. Lula passou quatro dias na fazenda e gravou ali, nas proximidades de Campo Grande, os programas sobre agronegócio que foram usados na campanha. “Foi um marco histórico”, recorda Bumlai, que concedeu à DINHEIRO RURAL uma de suas raríssimas entrevistas (leia mais abaixo). Nos vídeos, Lula assumiu um compromisso em defesa da propriedade e da produção, afugentando o fantasma de uma reforma agrária radical, que sempre pesou sobre os ombros do PT. Mas, mais do que um aceno ao eleitorado do grande Brasil central, Lula se mostrou de fato interessado em fomentar a produção agrícola. “Todos os dias nós ficávamos conversando até as três, quatro da manhã”, diz Bumlai. E o que mais impressionou o fazendeiro foi a visão apurada que Lula já tinha em relação ao tema agroenergia. “No futuro, assim como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek serão lembrados pela Petrobras e por Brasília, Lula terá como marca os biocombustíveis”, prevê o fazendeiro.
Enquanto estiveram juntos nas fazendas próximas a Campo Grande, Lula e Bumlai jogaram conversa fora, assaram churrascos, pescaram e se tornaram amigos de infância. A tal ponto que, segundo diz a lenda, Bumlai teria sido convidado para ser o primeiro ministro da Agricultura do governo petista – o que ele nega. “Eu sempre tive noção dos meus limites”, diz o fazendeiro. “Entendo um pouco de pecuária, entendo de cana, de pasto, mas não entendo, por exemplo, de café.” Bumlai não assumiu um cargo na Esplanada dos Ministérios, mas tem sido um dos mais ativos conselheiros do presidente e colaborador do governo quando o tema é agronegócio. Membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social desde sua criação, em 2003, ele participa dos grupos de trabalho de bioenergia, pecuária, infraestrutura, reforma tributária e reforma previdenciária. Dias atrás, o fazendeiro comemorou a decisão do governo de criar estoques regulatórios de etanol, o que deve reduzir as flutuações de preços para os agricultores. “Foi importantíssimo, pois o produtor precisa de estabilidade”, diz ele. Bumlai também foi um dos grandes incentivadores da decisão de reabrir as importações de sêmen bovino da Índia – um processo que estava parado desde 1962. “Vem aí um novo choque de produtividade no gado nelore”, afirma. O momento atual da pecuária, com 50 frigoríficos parados, e vários deles em Mato Grosso do Sul, também o preocupa. “Mas o governo está se mexendo”, garante. O BNDES, comandado por Luciano Coutinho, já anunciou que irá criar linhas especiais para capitalizar os frigoríficos.
“A salvação vem do campo”
José Carlos Bumlai prevê que 2009 será um grande ano para o agronegócio brasileiro
Amigo dileto (e discreto) do presidente Lula, o pecuarista José Carlos Bumlai falou com exclusividade à DINHEIRO RURAL sobre o momento atual do agronegócio e seus novos projetos. Leia a seguir.
Como o sr. avalia o atual momento do agronegócio?
Mesmo com a crise mundial, as pessoas não param de comer. E os preços das commodities agrícolas estão resistindo muito bem. A salvação virá do campo. O Brasil tem no agronegócio um grande amortecedor contra essa crise.
Como o sr. avalia o atual momento do agronegócio?
Mesmo com a crise mundial, as pessoas não param de comer. E os preços das commodities agrícolas estão resistindo muito bem. A salvação virá do campo. O Brasil tem no agronegócio um grande amortecedor contra essa crise.
Mas e a pecuária, que tem vários frigoríficos em dificuldade?
O governo está se mexendo e, ao que parece, o BNDES ajudará as empresas do setor. Há uma crise porque as exportações estão caindo e isso nos deixa uma lição. O Brasil tem que continuar fortalecendo o seu mercado de consumo interno. Aliás, essa é uma das marcas do governo Lula.
Outra marca é a bioenergia. Como o sr. enxerga as perspectivas do setor?
São muito promissoras. O governo acaba de definir que terá estoques reguladores de açúcar e álcool, como tem para outros produtos. O produtor agrícola precisa ter previsibilidade. Com isso e mais o seguro rural, ninguém segura o agronegócio brasileiro.
Por que o sr. está trazendo um adubo orgânico para o Brasil?
Porque o Brasil tem um problema sério nessa área e porque eu também nunca vi nada igual. Quando soube que eles eram capazes de produzir grãos e frutas no deserto, utilizando pouca água, fiquei interessado. O Brasil sempre foi acostumado com a abundância de recursos naturais, mas é preciso otimizá- los. O David Nasser, que foi um grande jornalista no passado, também foi um produtor rural. Quando lhe perguntavam por que comprava terras, ele respondia: “É a única coisa no mundo que Deus não fez mais.” A terra é um bem escasso, mas é possível e também necessário melhorar seu rendimento. É isso que nós pretendemos fazer, trazendo esse novo adubo para o Brasil.
O que representa para o sr. a amizade com o presidente Lula?
É um privilégio e um motivo de orgulho. Quando o conheci, apresentado pelo governador Zeca do PT, fiquei impressionado com a sua visão sobre todos os problemas brasileiros. E assim como Getúlio Vargas fez história com a Petrobras e JK com a construção de Brasília, Lula será lembrado pelo impulso que deu aos biocombustíveis.
Haverá mesmo um mercado mundial de etanol?
É uma questão de tempo. O mundo precisa de energia limpa e, ao mesmo tempo, tem como prioridade o combate ao aquecimento global. Se o setor sucroalcooleiro não fosse um mercado tão promissor, não teríamos aqui grandes grupos nacionais e internacionais investindo em etanol. Somos a bola da vez.
O que credencia Bumlai como interlocutor direto do presidente em temas rurais é algo que vai muito além da amizade – o que, por sinal, ele jamais alardeou ou utilizou em benefício próprio. Nas suas propriedades em Mato Grosso do Sul, como a Fazenda Cristo, na cidade de Miranda, ele criou os confinamentos mais produtivos do País. Utilizando pivôs irrigados e a técnica de integração lavoura-pecuária, ele produz várias safras de milho, que garantem a silagem do gado para a fase final de engorda e acabamento. Embora não revele o número de animais, estima- se algo ao redor de 100 mil bois. Ou, quem sabe, 99.999. Supersticioso, Bumlai tem fascínio pelo número nove. Representa, segundo ele, “a perfeição”. Seu número de celular tem vários noves e um único oito – este, o símbolo do dinheiro. E seu padrão de produção é admirado por vários produtores. “O Bumlai é um dos pecuaristas mais eficientes que eu já conheci”, aponta Jorge Picciani, dono da Agropecuária Monte Verde e um grande nelorista. “É um criador de vanguarda”, reforça Jonas Barcellos, da Mata Velha. Luiz Eduardo Batalha, sócio de Bumlai no Burger King, elogia o perfeccionismo e a discrição do criador. “Ele nunca chegou a uma reunião sem antes ter estudado a fundo o assunto e jamais mencionou a amizade com o presidente”, diz ele. Foi na fazenda de Bumlai, por exemplo, que se rastreou o primeiro boi brasileiro. “É algo de que meus netos poderão se orgulhar”, diz o fazendeiro.
PARCEIRO DE OLACYR DE MORAES:
Bumlai trabalhou 30 anos na Constran, ajudou a construir a Ferronorte e esteve com Olacyr nos primeiros plantios de soja
Nas terras de Bumlai, há também uma preocupação com a sustentabilidade e com aspectos sociais. Na Fazenda Cristo funciona a Escola Beatriz de Barros Bumlai, cujo nome presta homenagem a sua esposa, falecida precocemente. Lá, as crianças estudam em regime de internato e recebem ensino de qualidade. Além disso, todos os seus funcionários são registrados Outra marca de Bumlai é a religiosidade. Ele carrega sempre na lapela do paletó uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. “Ganhei do governador Blairo Maggi e nunca tirei”, diz ele.
Tanto Bumlai quanto Maggi têm um ídolo comum: o empresário Olacyr de Moraes, que já foi chamado de “rei da soja”. Bumlai trabalhou por mais de 30 anos na Constran, de Olacyr, onde se tornou um dos principais diretores. Maggi diz a amigos que não terminará seu governo sem antes erguer uma estátua em homenagem a Olacyr, o grande desbravador do Cerrado. “Há mais de 30 anos, estávamos eu e o Olacyr lá em Barra do Bugre plantando os primeiros hectares de cana”, relembra Bumlai. Pioneiro, Olacyr desenvolveu variedades de soja, algodão e cana-de-açúcar adaptadas ao Cerrado. A Usina Itamarati, que ele criou, hoje é a maior do mundo, com capacidade para moer sete milhões de toneladas. Ao falar sobre Bumlai, Olacyr se emociona. “Foi um dos maiores talentos que eu já conheci”, disse ele à DINHEIRO RURAL. Bumlai ajudou a construir um grande sonho de Olacyr: a Ferronorte, que hoje transporta a maior parte da safra de grãos do Cerrado.
WALTER ITEN:
pesquisador suíço desenvolveu o adubo orgânico-mineral que Bumlai está tentando trazer para o Brasil
Um dos novos projetos do fazendeiro é a produção de açúcar e álcool. Neste ano, ele colocará em operação a usina São Fernando, no município de Dourados (MS). A cana virá das fazendas São Marcos e Santa Inês. Amigo do ex-governador Zeca do PT, Bumlai envolveu-se numa polêmica com a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, sobre a implantação de usinas sucroalcooleiras em regiões próximas ao Pantanal. Marina defendia o veto total, mas foi voto vencido. Outro grande sonho de Bumlai é trazer para o Brasil o adubo BioHumin. O produto é orgânico-mineral e foi desenvolvido pelo pesquisador suíço Walter Iten. Vendido de forma líquida ou granulada, o adubo penetra na terra e aumenta sua fertilidade de forma exponencial. A tal ponto que passou a ser usado até em regiões desérticas, como a Jordânia, ou vitimadas por secas constantes, como o Alentejo, em Portugal. “É um produto que reduz drasticamente o uso da água na agricultura”, disse à DINHEIRO RURAL o professor Iten, que veio ao Brasil para acertar os detalhes da parceria com Bumlai. O fazendeiro ficou fascinado quando viu lavouras produtivas no deserto do Oriente Médio. O segredo, segundo o pesquisador suíço, é a capacidade que o adubo dá aos solos de reter mínimas quantidades de umidade.
Dentro de 15 dias, as primeiras amostras do BioHumin chegarão ao Brasil e começarão a ser testadas pela Embrapa. É um produto que pode vir a ser usado no Nordeste e em toda a Bacia do São Francisco – em grande medida, a degradação do rio é fruto do uso indiscriminado da água na agricultura. Mas Bumlai vislumbra uma aplicação do BioHumin também em solos ricos, como o de Mato Grosso do Sul. Isso porque o adubo faz com que as plantas tenham raízes mais profundas. “Com ele, teremos capim de boa qualidade no verão e também no inverno”, prevê Bumlai. Isso reduziria o custo da pecuária em Mato Grosso do Sul, pois os bois seriam criados a pasto e passariam uma temporada bem mais curta nos confinamentos, apenas para que fosse dado o “acabamento” antes do abate.
Aos 64 anos, Bumlai é próximo a várias lideranças do agronegócio. Na infância, o menino pantaneiro foi “despachado” pelos pais para São Paulo, onde foi colega de classe de Luiz Fernando Furlan, presidente da Sadia, e Ivan Zurita, presidente da Nestlé, no Arquidiocesano. “Tocávamos na banda da escola e fomos tricampeões paulistas”, relembra Bumlai, cujo instrumento era a zabumba. Outro bom amigo é o senador pantaneiro Delcídio Amaral (PT-MS). “O Bumlai é um craque da pecuária”, disse o parlamentar à DINHEIRO RURAL. Hoje, esse fazendeiro discreto viaja pelo mundo em busca de novas tecnologias e diz que nunca viu nada parecido com o BioHumin. “Esse adubo vai multiplicar a nossa produtividade agrícola”, garante o fazendeiro. E como seu grande amigo, o presidente Lula, já pensa em criar um instituto depois de 2010 voltado para estudos relacionados ao combate à fome no mundo, com foco em regiões áridas, como a África, a parceria de Bumlai com os suíços tem tudo para ser bem-sucedida. “A biotecnologia, a serviço do homem, é capaz de gerar uma nova revolução verde no planeta”, diz ele.
Colaboraram: Adriana Nicacio e Ibiapaba Netto