A produção agrícola brasileira, que nesta safra pode chegar a 182 milhões de toneladas de grãos, o dobro da safra 1998/1999, tem crescido sem olhar para os lados há muitos anos. Em todas as partes do País, das lavouras de feijão no Rio Grande do Sul e dos milharais no Paraná às imensas áreas de soja em Mato Grosso e no oeste da Bahia, quem planta, geralmente colhe lucros. No entanto, essa vigorosa expansão das fronteiras agrícolas e da produtividade no campo tem criado gargalos que vão muito além da questão do transporte da colheita. Pelo contrário, o grande desafio, de uns tempos para cá, tem sido o que fazer com os produtos colhidos enquanto ainda não estão nas carretas dos caminhões rumo ao porto: a armazenagem.

Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a capacidade estática de estocagem agrícola no País é de 143,2 milhões de toneladas de grãos, 39,2 milhões de toneladas abaixo do que se produz. Isso representa um grande risco aos produtores, que podem perder uma fatia significativa da colheita ou ver suas margens de lucro achatadas, para não deixar mercadoria parada, perecendo no campo. Em Mato Grosso, por exemplo, da produção de soja prevista para este ano, de 38 milhões de toneladas, apenas 28 milhões poderão ser acomodadas nos silos e armazéns existentes no Estado, um volume 30% menor do que a produção. “Essa situação atual exige que os produtores mantenham a alta rotatividade da colheita e uma incrível eficiência nas negociações de venda futura”, afirma Carlos Favaro, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso, a Aprosoja/MT. “O ideal seria que a estrutura de armazenagem fosse de aproximadamente 46 milhões de toneladas, cerca de 20% acima da produção.”

Uma tentativa de eliminar de vez o gargalo da armazenagem no País já está em curso. Trata-se do Programa Nacional de Armazenagem (PNA), capitaneado pelo Ministério da Agricultura. A primeira etapa – e talvez a mais importante delas – é a destinação de uma linha de crédito de R$ 18 bilhões, via BNDES, para programas de modernização agrícola, com financiamento em condições especiais para a compra de máquinas e equipamentos, para irrigação, armazenagem, adequação ambiental da propriedade, estufas, galpões e instalações. A segunda etapa, que definirá todos os demais passos do PNA, é o mapeamento dos pontos mais críticos de armazenagem no País. A partir daí, as estratégias serão definidas regionalmente ou individualmente, elaboradas por representantes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Ministério dos Transportes, entidades do setor e ini ciativa privada. “Toda a crise que enfrentamos agora surgiu por falta de armazenamento de muitos e muitos anos”, diz o ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro. “Quero que, a partir da safra 2013, tenhamos menos dificuldades, porque talvez já tenhamos uma armazenagem mais adequada para as eternas carências brasileiras.” Entre as alternativas em estudo, o governo poderá também credenciar armazéns, em parceria público-privada, para atenuar o problema, além de lançar algumas licitações emergenciais de projetos para a construção de silos.

Todo esse planejamento tem razões de sobra de existir. Com maior capacidade de armazenagem, os produtores brasileiros poderão, por exemplo, segurar a produção à espera de melhores momentos do mercado para comercializar seus produtos. Além disso, os prejuízos causados pela exposição dos grãos ao tempo, em áreas a céu aberto, poderão ser evitados. “O problema é crónico porque a capacidade de armazenagem nunca acompanha, na mesma proporção, o aumento da produção”, diz o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), Rui Prado.

O desafio da armazenagem de grãos ganha proporções ainda maiores diante do sucateamento da infraestrutura logística do País. A ausência de ferrovias nas principais regiões produtoras brasileiras, as péssimas condições das estradas e o estrangulamento dos portos criam um ambiente em que, sem ter como transportar e sem locais para armazenar, o prejuízo está sempre à espreita. “O armazenamento não seria um problema se tivéssemos uma boa condição de escoamento”, afirma Prado. “Nossa logística é complicada, sempre com portos sucateados e filas de caminhões esperando para desembarcar. Os investimentos existem, mas são burocráticos.”

O problema da armazenagem não é uma questão exclusiva do Brasil. Os Estados Unidos viveram desafio semelhante nos anos 1960, mas o governo logo equacionou a questão com uma simples medida: determinou a cada produtor que tivesse recebido ajuda do governo – ou em linhas de financiamento ou em doação de terras – que instalasse galpões de armazenamento de grãos no entorno de cada estação de trem, para que dali pudessem ser recolhidos e levados com facilidade aos grandes centros urbanos, onde seriam processados e consumidos. “Desde então, ficou disseminada a cultura de armazenagem entre os produtores americanos”, afirma a economista Celina Dias, da Fundação Getulio Vargas, de São Paulo. Atualmente, os Estados Unidos têm condições de armazenar 50% mais do que é colhido. “Foi uma política definida pelos americanos que determinou o sucesso do país no campo da logística de alimentos”, diz.