04/07/2022 - 17:37
Dom Cláudio Hummes teve participação importante contra a violência. Em 2006, com as cidades paulistas ainda muito impactadas pelos ataques e mortes causados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), ele era cardeal arcebispo de São Paulo. E liderou uma grande mobilização pela paz.
Ao saber da iniciativa, pedi para acompanhá-lo num domingo, 27 de agosto, para uma reportagem no Estadão. Nesse dia ele celebraria uma grande missa contra a violência na Sé para 700 pessoas. Incluindo o então governador Cláudio Lembo e a cúpula da segurança pública paulista.
Encontrei dom Cláudio bem cedo na casa onde vivia, na Luz, vizinha dos batalhões da Rota, da Cavalaria e da Corregedoria da Polícia Militar.
Seu domingo começara como tantos outros. O franciscano que na época já era arcebispo havia 15 anos, bispo havia 31 e padre havia 48 acordou às 5h45, tomou o café com leite e mel feito por duas religiosas que o ajudavam, comeu pão com manteiga e frutas e engoliu algumas cápsulas de vitaminas. Depois pediu licença para fazer algumas orações e ler os jornais. Às 10h20, entramos no carro para seguir para a catedral e cruzamos as barreiras policiais em sua rua.
Dom Cláudio então contou que em maio de 2006, quando o PCC começou a atacar SP, estava na assembleia de bispos de Itaici. Ao voltar para casa, já encontrou a via cheia de cavaletes e espetos de ferro.
Durante a conversa a caminho da Sé, também relembrou alguns momentos de sua trajetória como arcebispo e comentou que primeiro pensou em fazer um ato ecumênico pela paz, mas depois preferiu concentrar a campanha nas dioceses. Temia que, como na época o Líbano estava em guerra, a mobilização se diluísse para um pedido de paz no mundo. E, diante de um problema concreto, era preciso ter foco para enfrentá-lo. Divertido, era um gaúcho bom de conversa.
E deu risada quando perguntei se as pessoas levavam mesmo a sério o ditado do “Não sabe? Vá perguntar ao bispo!”.
Foi dom Cláudio que, quando questionado dias antes, abriu uma exceção e permitiu ao Instituto Sou da Paz pendurar na frente da Catedral da Sé uma grande bandeira de 20 metros de comprimento por 12 de largura com a palavra PAZ e pinturas de crianças. E deixou de lado a ideia de reunir uma multidão na Praça da Sé naquele mesmo domingo. “Achamos que rezando pela paz em cada paróquia atingiríamos mais gente. O povo não precisa nesse momento ir para a rua ouvir discurso.”
Às 11 horas a missa começou. Sobre sua tradicional batina preta e vermelha, dom Cláudio vestia um cachecol branco. A mesma cor das centenas de lenços distribuídos a quem entrou na catedral naquele domingo. “Todos temos grande preocupação com a violência, mas não podemos ceder ao medo nem ficar sozinhos. Precisamos estar juntos”, ensinou o arcebispo.
Além da catedral, o mesmo discurso por paz, penas alternativas, segurança pública e justiça social foi proclamado na maioria das 1.980 paróquias católicas da época.
Mais tarde, dom Cláudio me disse que tinha ficado feliz com o resultado da mobilização. “As sementes foram jogadas. A ideia é que germinem cada uma à sua forma nas comunidades”, afirmou.
Após a missa, almoçou, tirou a sesta e recebeu um padre que o levou à missa da noite, na Vila Monumento. Vestia o mesmo cachecol branco. Na volta, enfrentaria de novo as barreiras policiais para chegar em casa.