22/12/2022 - 19:18
A equação do acesso ao crédito rural ainda passa por variáveis desafiadoras: recursos insuficientes, juros altos e excesso de burocracia. O Plano Safra 2022/23, lançado em junho pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) teve valor recorde de R$ 340,9 bilhões, 36% a mais do que no período anterior, mas não dá conta de todas as demandas do setor. E as taxas de juros cresceram – a do Moderfrota passou de 8,5% para 12,5%. No entanto, estão no ar alguns sinais de mudança nesse cenário. Soluções digitais apresentadas por startups prometem mais agilidade, transparência e segurança. As chamadas agfintechs estão cultivando uma revolução tecnológica nesse campo.
Segundo a diretora da Associação Brasileira de Fintechs (Abfintechs), Mariana Bonora, o agronegócio ainda engatinha nesse processo de digitalização, pois o crédito em si já é diferente para o setor e existe a questão cultural, a necessidade de um relacionamento tradicional. Até por isso as agfintechs vêm trabalhando junto a revendas e cooperativas, para se aproximarem dos produtores. “Vejo uma tendência de consolidação de serviços das agfintechs, de todo o processo, com uma solução muito fácil e prática com as revendas”, afirmou Mariana.
A Nagro, agfintech especializada em crédito rural, apostou na relação com os laticínios. Por meio de seu programa Mais Leite, capta recursos no mercado e os disponibiliza para as indústrias, que por sua vez os direciona aos produtores. “Nós vamos à Faria Lima captar esse dinheiro para distribuir ao pecuarista, e melhorar essa relação de risco do capital que sai de São Paulo para o interior do Brasil”, disse o CMO da startup, Mateus Carrijo. Na prática, o pecuarista faz a solicitação digitalmente em uma página disponibilizada pelo laticínio e, correndo tudo bem com a análise dos dados, recebe o recurso em menos de 24 horas. A cobrança é feita diretamente em seu pagamento pelo leite, o que evita inadimplência.
Esse capital vem de estruturas privadas como o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e o Fundo de Investimento em Cadeias Agroindustriais (Fiagro). “Temos linhas de crédito de até R$ 150 mil e outra de R$ 750 mil”, afirmou Carrijo. A empresa já atende mais de 250 mil pecuaristas nessas operações e a meta é chegar a 500 mil até o final de 2023.
O que a Nagro compra e vende, segundo Carrijo, é credibilidade, e o dinheiro é o meio para que isso aconteça. É aí que entra a importância da análise de risco, processo que a agfintech realiza de forma personalizada, com seu sistema AgRisk, o que ajuda a conseguir taxas de juros mais convidativas para a oferta de crédito.
CONFIANÇA A segurança digital é o principal ativo da Traive Finance, startup com sede nos Estados Unidos e operação no Brasil e especializada em análise de risco. Segundo o CEO da empresa, Fabrício Pezente, o grande diferencial está no padrão tecnológico, “envolvendo inteligência artificial e Big Data para dissecar e entender os riscos e oferecer crédito”. Como resultado dessa distinção, em agosto a agtech fechou a primeira operação de CRA Verde em dólar, injetando no agronegócio brasileiro US$ 11 milhões vindos de investidores externos. Para Pezente, há oportunidades de alcançar valores bem maiores. A estimativa é fechar 2022 com R$ 2,5 bilhões em operações.
Em outubro, a própria startup ganhou mais fôlego para bater suas metas ao receber um aporte de US$ 10 milhões, recebidos por meio de uma rodada de investimentos liderada pela Basf Venture Capital. A Traive não trabalha diretamente com os produtores, faz o meio de campo entre investidores e revendas para que os recursos cheguem às fazendas. Essa integração fortalece o processo de análise de risco, ajudando a diferenciar bons e maus pagadores, avaliação que impacta na questão de juros e tende a beneficiar quem está em dia com as contas. “Mas quem decide se haverá essa diferença é a revenda”, afirmou Pezente.
A expansão do crédito digital passa por outros fatores. Até mesmo pelo avanço da tecnologia 5G, que acelera a chegada do sinal de 4G a muito mais áreas Brasil. “Isso vai beneficiar a consolidação dos dados captados pelos sensores das máquinas agrícolas, ajudando também na questão do crédito”, disse Mariana, da Abfintechs. Outro ponto citado pela executiva é a aceitação do campo para testar novas soluções tecnológicas. “O cliente da fintech é também um parceiro. Tanto produtores quanto revendas precisam estar disponíveis para ouvir novas propostas.” Como em qualquer safra, não se pode pular etapas e tudo tem um tempo certo para acontecer. “Não estamos em uma corrida de 100 metros, estamos em uma maratona, conquistando para que seja duradouro”, afirmou Mateus Carrijo, da Nagro.