Leite derramado: milhares de litros do alimento são despejados em protesto ao possível fim de ajuda

O clima entre produtores europeus de leite está para lá de ruim e, ao que tudo indica, só tende a piorar. O setor passa por um dos mais críticos momentos de sua história, a começar pela pior média de preços pagos aos fornecedores nos últimos 50 anos.

No horizonte, em vez de melhoras, problemas. No ano passado, em reunião ocorrida entre os ministros da Agricultura de diversos países da União Europeia, ficou decidido que a taxa de subsídios pagos aos produtores de leite cairia 1% ao ano a partir de 2009 – sumindo completamente entre 2014 e 2015.

Cerca de 80% do volume total é destinado a subsidiar as exportações, numa clara distorção de mercado. A notícia pegou de assalto os produtores, que, sem a possibilidade de produzir de forma competitiva, ficam dependentes dos recursos governamentais para se manter na atividade.

Protestos, passeatas e todo tipo de pressão política se tornaram corriqueiros. No último dia 16, a comissária europeia para a Agricultura, Mariann Fischer Boel, disse que uma ajuda de 280 milhões de euros, algo em torno de R$ 730 milhões, seguramente será aprovada.

Contudo, alguns eurodeputados falam em valores bem superiores, podendo chegar a 600 milhões de euros, ou R$ 1,5 bilhão. Contudo, mesmo que aconteça, a ajuda não resolve os problemas no médio prazo. Os custos de produção são elevadíssimos, a começar pela mão de obra, e o pagamento de subsídios seria um “pedágio” recebido por produtores para que continuem alimentando a população.

Segundo o analista de mercado Rafael Lima Filho, da Scot Consultoria, há um claro posicionamento da Comissão Europeia pelo fim dos subsídios. “França e Alemanha, que respondem por 36,8% de toda a produção, são contra e vão lutar para que o dinheiro continue jorrando”, diz.

Porém, do outro lado da porteira, há outras potências, como Reino Unido, Itália, Dinamarca e Polônia, todos grandes produtores. Uma eventual baixa nas tarifas que subsidiam a produção leiteira na Europa poderia abrir um importante flanco para o produto brasileiro. Mas, na opinião de Jorge Rubez, presidente da Leite Brasil – associação que reúne os maiores produtores do Brasil -, a história não é tão simples assim.

“Acho difícil acreditar no fim desses subsídios”, pondera. “Sem eles, a atividade fica inviável e haverá um grave problema social, com muita gente quebrando”, avalia. Em outras palavras, a pressão política é muito forte e há grandes chances, segundo ele, de a medida ser revista. Com exportações na faixa de 3% da produção, o Brasil ainda não é importante mundialmente no setor.

“Se a guerra fosse da competência, teríamos chances, mas não há como brigar contra o tesouro de países ricos”, diz. Falta um mercado exportador para os produtores brasileiros. A formação de preços pagos aos pecuaristas é toda realizada pelo mercado interno. Contudo, a entrada de leite produzido por parceiros do Mercosul contamina os preços.

Até o começo deste ano, era possível encontrar o alimento vendido no mercado brasileiro abaixo do preço praticado nos países de origem, o que caracteriza a prática de dumping. Em setembro, o Brasil estabeleceu novas regras de importação com a Argentina e o Uruguai, que vendiam seus produtos abaixo do preço praticado em seus mercados domésticos.

A caracterização de dumping favoreceu o estabelecimento de cotas de três mil toneladas para a Argentina e de dez mil toneladas para os Uruguaios. “Com isso, conseguimos regular o mercado”, explica Rubez. Segundo o especialista, caso os subsídios realmente venham abaixo, será uma grande oportunidade.

“O Brasil produz um leite de altíssima qualidade e está pronto para atender outros mercado, só não consegue competir com o tesouro de países ricos”, diz.