30/06/2016 - 12:48
O deputado federal pelo PCdoB (SP) Aldo Rebelo, reconhecido no mundo da política por suas posições nacionalistas exacerbadas, foi um dos mais árduos defensores do novo Código Florestal Brasileiro, que entrou em vigor em 2012 e que propõe amplo pacto social pela regularização da terra. Rebelo foi o relator do projeto, depois de percorrer 18 Estados e promover 64 audiências públicas, sem contar as inúmeras palestras e encontros com produtores rurais e entidades de classe. Ele queria ouvir desse público quais seriam as melhores regras de uma lei que colocasse o País, definitivamente, em uma rota ambientalmente correta e justa. Afinal, até aquela data, a legislação ambiental era da década de 1960. Ou seja, poucas pessoas no País conhecem tão bem como Rebelo as diretrizes do novo Código Florestal. No mês passado, porém, durante uma visita à Exposição Internacional de Zebu (Expozebu), em Uberaba (MG), Rebelo, que ainda ocupava o ministério da Defesa, relatou sua amarga história numa roda de pecuaristas. Dono de uma pequena propriedade rural em Alagoas, Estado onde nasceu, até agora ele não conseguiu fazer o Cadastro Ambiental Rural (CAR), um documento auto declaratório, proposto pelo Código, que deveria estar pronto em maio de 2015. Detalhe: Rebelo contava com a ajuda de um agrônomo da região. “Se eu não estou conseguindo, imagina o produtor menos esclarecido”, disse ele. “É preciso simplificar a burocracia para que o CAR se torne uma realidade.”
O grande desafio para a regularização das propriedades rurais no País, que terminaria no início do mês passado e que novamente foi prorrogado para maio de 2017 para os pequenos produtores, é cumprir o que manda a legislação: de acordo com cada região do País, de 20% a 80% da área da propriedade precisa ser preservada. O CAR, na verdade, é apenas o primeiro passo para identificar qual é o passivo ambiental do País e por isso deveria ser o de mais fácil execução. Depois dele, vem a elaboração e o cumprimento do Programa de Recuperação Ambiental (PRA), com a checagem de dados, o georreferenciamento e a documentação definitiva sobre a gestão ambiental de uma propriedade. O PRA será regulamento por cada Estado e sem ele o CAR é um documento inócuo para, por exemplo, obter futuramente um financiamento bancário. Para o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Gustavo Junqueira, é preciso dar esse primeiro passo com assertividade. “Porque ainda há muito por fazer”, afirma ele.
Complicacão: o relator do Código Florestal, deputado federal Aldo Rebelo, diz que é preciso simplicar a burocracia para que o CAR funcione
De acordo com dados do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), controlado pelo governo federal, e os sistemas Estaduais integrados, até o dia 5 de maio, de um total de 5,2 milhões de propriedades, 3,5 milhões estavam cadastradas em um sistema on-line. Ou seja, o atraso é de quase 28% de propriedades, a maior parte de pequenos produtores. Em área, porém, a maior parte está no sistema: são 324,9 milhões de hectares cadastrados, o equivalente a 81,7% (confira o quadro). Porém, um problema detectado pelos técnicos é que muitos formulários entregues não estão dentro dos padrões exigidos por lei. De acordo com Carlos Kato, secretário adjunto da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso (Sema), o sistema de análise do CAR tem apresentado problemas operacionais. Um deles é a dificuldade na checagem de dados, através de códigos que apenas os técnicos do governo federal conseguem acessar. Por exemplo, a área declarada por um proprietário de terra e o que de fato consta na escritura do imóvel rural. “Nós não estamos conseguindo fazer checagens confiáveis de dados”, afirma Kato. “E é justamente a adequação que nos trará rapidez e confiança nas análises dos documentos entregues pelos produtores.” O processo tem se tornado tão lento que, desde outubro, em um teste piloto com 102 mil imóveis cadastrados, os técnicos do Sema conseguiram verificar as informações constantes no sistema do CAR em cerca de mil propriedades, 1% dos cadastros.
Para o presidente da Sociedade Nacional da Agricultura (SNA), Antônio Alvarenga, os produtores precisam de ajuda. “Não só por se tratar de algo complicado de preencher, mas também pelos relatos de dificuldade de envio das informações e de acesso on line”, diz ele. “O produtor precisa, não apenas de tempo, mas de capacitação para executar esse processo. Não basta preencher e achar que está pronto.” Entre as propriedades cadastradas, 93% possuem até quatro módulos fiscais. No entanto, elas representam apenas 25% da área cadastrada.
Apoio: para o presidente da Sociedade Nacional da Agricutura, Antonio Alvarenga, o produtor precisa de capacitação para executar o CAR
Para os produtores que realizaram o CAR, a checagem dos dados de forma rápida tem uma razão. De acordo com o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, das propriedades inscritas no CAR, 1,6 milhão foram identificadas na etapa de análise e já solicitaram a adesão ao PRA, o programa de recuperação. Junqueira, da SRB, acredita que entre os principais desafios desses produtores está a obtenção de financiamentos para reflorestar as áreas exigidas por lei. A expectativa é de que esse passivo ambiental seja da ordem de 12 milhões de hectares. De acordo com a SRB, com base nas empresas de reflorestamento, o custo para recuperar um hectare varia de R$ 8 mil a R$ 15 mil. Assim, o investimento necessário seria da ordem R$ 120 bilhões. “Isso é apenas uma refência de valor, porque ainda não sabemos onde essas áreas serão recompostas, quantas mudas de árvores serão necessárias e qual será o preço de plantar e conservar esses espaços recuperados”, diz Junqueira. “Ao aprovar o novo Código Florestal, o Brasil não fez essa conta e mostrou para a sociedade.”
O diretor de fomento e inclusão florestal do SFB, Carlos Eduardo Portella Sturm, afirma que essa conta poderá ficar realmente ainda mais salgada, já que, a partir de maio do ano que vem, o financiamento bancário oficial somente será concedido mediante a apresentação da matrícula do CAR. “Quem não preencheu no prazo já perdeu esses benefícios”, diz ele. Esse deverá ser o tema de discussão dos próximos meses: o que fazer até lá?