18/02/2019 - 11:00
Tendências
Não vai demorar muito tempo para que o Brasil ultrapasse 300 milhões de toneladas de grãos colhidos por safra, 69 milhões de toneladas a mais do que o ciclo encerrado no primeiro semestre de 2018. Talvez nem demore os dez anos apontados pelo estudo Projeções do Agronegócio Brasil 2017/2018 a 2027/2028, atualizado todos os anos pelo Ministério da Agricultura. “O Brasil já definiu sua vocação como produtor global de alimentos”, diz Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas. “E vai continuar crescendo com produtores mais qualificados, com a entrada definitiva das mulheres como líderes no setor e com as novas gerações.” A meta pode ser batida antes data prevista porque é cada vez mais presente um arsenal de ferramentas à disposição do setor do agronegócio.
As agriculturas 4.0 e 5.0 darão respostas cada vez mais precisas na automação de processos, na inteligência artificial, na computação em nuvem e na robótica. Além disso, a biotecnologia será cada vez mais eficiente em insumos para as lavouras, como as moléculas de agroquímicos, a nanotecnologia e os fertilizantes. E mais: entra em cena a agricultura regenerativa, conceito que não servirá apenas para as pequenas propriedades dedicadas aos sistemas agroflorestais, mas a uma gama maior de propriedades acima de 500 hectares. Há pesquisas que apontam para esse caminho. Tudo embalado pela bioeconomia, definida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como um mundo onde a biotecnologia se funde ao conhecimento, à biomassa renovável e à integração entre aplicações.
A agricultura e a agroindústria vão produzir cada vez mais alimentos e fibras, e também bioenergia, biocombustíveis, bioplásticos, biorremédios, biocosméticos. A OCDE estima que, até 2030, a bioeconomia injetará na economia US$ 1 trilhão por ano, dos quais US$ 380 bilhões serão da produção primária. Para ganhar velocidade nesse processo, o Brasil precisa combater a burocracia, proporcionar segurança jurídica, manter um ambiente sadio para investimentos e aproximar suas cadeias produtivas do consumidor. “Chegou a hora do agronegócio assumir a dianteira no desenvolvimento da sociedade urbana”, diz José Luiz Tejon, consultor e doutor em ciência da educação. “Essa agrossociedade envolve tudo o que orbita e se conecta com os fundamentos econômicos do agronegócio.”
Um plano para entrar nos trilhos
As medidas imediatas que podem trazer mais competitividade ao campo passam pelo escoamento da produção
As filas de caminhões atolados na BR-163, a rodovia que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), são emblemáticas para mostrar como o Brasil ainda é frágil em sua estrutura logística. A estrada, de 1,7 mil quilômetros, dos quais 900 quilômetros estão em asfaltamento desde 2008, finalmente pode ficar pronta em 2019, no trecho que vai da capital mato-grossense até o porto de Miritituba (PA), no rio Tapajós. Na safra 2018/2019, o transporte de grãos por ali deve ficar próximo de 11 milhões de toneladas, 3 milhões acima da safra passada. O volume escoado poderia ser bem maior caso a Ferrogrão, uma ferrovia paralela à BR-163, também fosse uma realidade. Com os tilhos operando em sua capacidade plena poderão ser escoadas até 40 milhões de toneladas. Porém, a licitação da obra, prevista para ocorrer no segundo semestre deste ano, foi adiada para 2019.
O governo do presidente eleito Jair Bolsonaro, que toma posse em 1º de janeiro, tem uma agenda intensa de retomada de políticas destinadas a destravar a logística, incluindo no pacote também as hidrovias. “Não adianta sermos eficientes apenas dentro da porteira. Também temos de ser competitivos da porteira para fora”, diz João Martins, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
O Brasil é dono da quarta maior malha rodoviária do mundo, com 1,8 milhão de quilômetros de extensão, por onde passam 75% da produção geral do País. Em seguida vem o transporte marítimo (9,2%), o aéreo (5,8%), o ferroviário (5,4%), a cabotagem (3%) e, por fim, o hidroviário, com apenas 0,7%. Os dados fazem parte da pesquisa Custos Logísticos no Brasil, da Fundação Dom Cabral, e podem ser facilmente utilizados como exemplo do nó logístico também no agronegócio. Além da BR-163, há três outras com o mesmo peso para o setor, mas paradas em seus projetos de melhoria: a BRB-158, também ligando Mato-Grosso e Pará; a BR-153, em trecho do Pará; e a BR-364, ligando Comodoro (MT) a Porto Velho (RO). Já em ferrovias, o País possui 29,9 mil quilômetros, menos da metade do que tem a Índia. No caso das hidrovias, embora o Brasil conte com 42 mil quilômetros potencialmente navegáveis, só 19 mil são economicamente viáveis. E a participação desses três modais no transporte de produtos agropecuários é irrisória. Apenas 4% do volume de soja e de milho são movimentados em trilhos, o que significa 8 milhões de toneladas na safra passada, ciclo no qual foram colhidas 119,3 milhões de toneladas de soja e 80,7 milhões de toneladas de milho. O transporte por hidrovias segue a mesma métrica: apenas 4% de participação agrícola.
Para Elisângela Pereira Lopes, assessora técnica da Comissão de Logística e Infraestrutura da CNA, algumas ações podem ser tomadas imediatamente, a partir do próximo semestre. “Acreditamos que o presidente Jair Bolsonaro fará um governo voltado à livre iniciativa e ao empreendedorismo”, diz Elisângela. “Isso significa destravar algumas amarras que estão em todos os modais de transporte, sendo que há medidas que não precisam de recursos à sua implantação.” No caso das ferrovias, a medida estaria nos novos contratos e na renovação daqueles em andamento.
Um mecanismo para aumentar a competitividade seria a adoção do direito de passagem a operadores ferroviários independentes, o que tiraria o monopólio das atuais linhas férreas. A proposta está num documento assinado por várias entidades do agronegócio, lideradas pela CNA. Entre as obras de longo prazo, a Ferrogrão é a menina dos olhos do setor. Seu traçado está em meio à produção de grãos, numa região de fronteira que vem sendo consolidada há duas décadas. A obra pode ajudar a reduzir os custos dos alimentos, ao promover a competição entre portos. Estima-se uma diminuição do preço de transporte de grãos de até 40%, juntando a BR-163 e a hidrovia dos rios Teles Pires e Tapajós. “Trabalhar para escoar grãos de forma mais barata e rápida não é um desejo. É uma tarefa que precisa ser feita”, diz o agrônomo Normando Corral, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato). “Precisamos promover uma corrida para viabilizar os projetos.”
Há outras duas ferrovias que podem entrar em um pacote de concessões imediatas. A Ferrovia de Integração Leste-Oeste, com 1,5 mil quilômetros, com trechos em construção e outros embargados, e a Ferrovia de Integração Centro-Oeste, de 1,6 mil quilômetros, que é um braço da ferrovia da Norte-Sul. As duas obras poderiam transportar 27 milhões de toneladas de grãos. Sem contar trechos que podem ser recuperados da atual malha ferroviária. Do total de linhas, cerca de 20 mil quilômetros concentrados nas regiões Sul e Sudeste estão sucateados ou paralisados, com trechos que servem apenas como material de ferro velho. “Esses trechos podem não ser interessantes para as grandes concessionárias, mas para o operador independente faz sentido”, diz Elisângela, da CNA. “Sem muito custo, também seria possível reativar essas linhas.” Está em fase de finalização, previsto para fevereiro, um mapeamento desses trechos pela Câmara Temática de Logística e Infraestrutura do Ministério da Agricultura.
No caso das hidrovias, a tarefa imediata é tornar os rios brasileiros de fato hidrovias. De acordo com Elisângela, isso significa dar condições de navegabilidade durante todo o ano nos trechos que já recebem cargas. “O Brasil não tem hidrovias, mas trechos navegáveis”, diz ela. “Ouvimos falar na hidrovia do Paraná-Tietê, do Madeira, mas na verdade elas não podem ser chamadas de hidrovias.” Basta lembrar que, em 2015, o leito Paraná-Tietê ficou 8 meses sem receber barcaças, em função de uma seca. Caso fosse uma hidrovia, assim como as rodovias, ela receberia reparos de dragagem e de sinalizações. O mesmo vale para rios como o Madeira e o Tocantins.
Fazenda mais saudável
Por que a saúde animal, que é a base da segurança alimentar, ainda precisa ganhar maior relevância no manejo dos rebanhos
Duas boas notícias tomaram as dependências do bloco D da Esplanada dos Ministérios, onde funciona a pasta da Agricultura e Pecuária, em Brasília, desde a eleição presidencial, já em meio aos trabalhos de transição de governo: uma veio da Rússia e a outra, da China. Os russos, depois de quase um ano sem comprar carne bovina e suína do Brasil, suspenderam os embargos. A China, que avança sobre tudo o que o País produz, quer retomar um protocolo assinado em 2004, e que não prosperou, sobre o comércio de pescados entre os países. Além das proteínas, está a caminho um protocolo para frutas. “É difícil abrir um mercado, mas é fácil perder. Mas é muito mais difícil reabrir um mercado”, disse Blairo Maggi, ministro da Agricultura e Pecuária, que dará lugar à sul-mato-grossense Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias, a partir de janeiro.
Cuidar da sanidade animal dos principais rebanhos com peso nos mercados nacional e internacional de carne é um dos maiores desafios da agropecuária. Isso porque ambos são imensos. São 200 milhões de bovinos, 41 milhões de suínos e 6,2 bilhões de pintinhos de corte alojados por ano. Para Élcio Inhe, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal (Sindan), saúde animal não é só produto, mas também o manejo sanitário do rebanho. Ele também é diretor de relações institucionais da americana Zoetis, no Brasil, companhia que faturou no mundo US$ 5,3 bilhões no ano passado e que tem o País como seu segundo mercado global, com US$ 300 milhões. “Com produtos mais eficientes, o produtor pode utilizar menos antibióticos e antimicrobianos, por exemplo”, diz Inhe.
“Esse vai ser um tema dos mais relevantes no próximo período, porque é uma demanda global.” No ano passado, o setor de saúde animal movimentou R$ 5 bilhões, de acordo com o Sindan. Para este ano, o crescimento estimado é de até 7%. E a tendência permanece firme para 2019. “É esperado uma reação positiva da economia e isso se reflete no campo”, destaca. “Além disso, o que é mais prejudicial do que um ano sem exportar para a Rússia?”, questiona.
Detecção de resíduos nocivos usados para o maior crescimento da massa muscular dos animais foi o motivo alegado pelo Rosselkhoznadzor (Serviço Federal de Vigilância Veterinária e Sanitária, na tradução do russo) para que, em dezembro de 2017, o país fechasse as portas para o Brasil. Até aquele momento, o País havia enviado à Rússia 151,6 mil toneladas de carne bovina, por US$ 487 milhões, 8% do mercado exportador desse segmento, e 259 mil toneladas de carne suína, por US$ 693 milhões. Inhe diz que cabe também à indústria de saúde animal o papel de educação no campo. “Existe um arsenal grande de vacinas e de produtos inovadores que precisam se alastrar na base da criação animal”, afirma. “No caso da pecuária, acreditamos que apenas 30% das propriedades podem ser consideradas de alta tecnologia e utilizam todas as ferramentas disponíveis.” Inhe se refere, por exemplo, às vacinas contra uma série de doenças causadas por bactérias do gênero clostridium, como botulismo, carbúnculo sintomático, entre outras, e que podem ser evitadas e controladas. “Na área de bovinos, e também em suínos e aves, são as vacinas que dão peso à segurança alimentar”, afirma. “O produtor rural precisa se habituar a usar os produtos no tempo certo e na forma correta. Se são três doses recomendadas, é isso que deve ser feito”.
Para Luís Adriano Teixeira, presidente da central holandesa de genética CRV Lagoa, em Sertãozinho (SP), uma das maiores do setor na venda de sêmen bovino, há três áreas que precisam de atenção imediata nos próximos dois anos. “Tudo o que afeta a criação interfere no nosso negócio, porque os produtores deixam de investir”, diz Teixeira. “A saúde animal está cada vez mais em evidência. Não há como fugir que ela é um dos pilares, junto com a nutrição e a genética.” O País comercializa, por ano, cerca de 12 milhões de doses de sêmen, um mercado estimado em R$ 600 milhões. Teixeira diz que é preciso resolver a mão-de-obra para a fiscalização e controles sanitários, repensar como fazer a fiscalização sanitária e, por último, como será administrada a retirada da vacinação contra a febre aftosa. “São temas que interessam, porque afetam diretamente a sanidade animal”, destaca ele.
No caso da fiscalização sanitária, feita em cerca de 5 mil estabelecimentos com inspeção federal, está em discussão um novo modelo, no qual a iniciativa privada entra com parte do trabalho. Um exemplo que funciona no setor é o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação Bovina (Sisbov), destinado a rastrear os animais à exportação para a Europa, no qual as empresas fazem o controle do sistema e passam por auditorias periódicas do Governo. “O Sisbov controla um pequeno número de animais, mas é um modelo que poderia servir de inspiração.” Já a retirada da vacinação contra a febre aftosa começa no próximo ano para os 200 milhões de bovinos, em etapas da suspensão por região. “Erradicar a febre aftosa do País é uma necessidade. E, como já está decidida pelo Governo a retirada da vacina, essa administração precisa ser prioridade para o Poder Público”, afirma.