08/06/2020 - 9:30
Em tempos de dificuldade da indústria brasileira, provocada, principalmente, pelo isolamento social a partir do aumento significativo dos casos do novo coronavírus no Brasil, o agronegócio mostrou seu enorme potencial e cresceu ainda mais sua participação na balança comercial brasileira. O segmento registrou, em abril, recorde nas exportações. Pela primeira vez, o País superou a marca de 10 bilhões de dólares em um único mês. Em abril deste ano, os produtos agrícolas brasileiros vendidos para o exterior renderam, segundo o Ministério da Agricultura, US$ 10,2 bilhões (R$ 57 bilhões), alta de 25% em relação ao mesmo mês no ano passado. O melhor mês de abril havia sido o de 2013, quando o segmento rural obteve US$ 9,65 bilhões em vendas para os demais países.
Os números fazem com que a participação do agronegócio represente 55,8% das exportações brasileiras, ante 42,2% o mesmo mês de 2019.Em um cenário de ampliação de casos da Covid-19 e de risco de desabastecimento em países que registraram grande índice de pacientes por conta do vírus, há um grande protagonista nesse grupo de produtos do campo: a soja. Metade do valor obtido em abril vêm do grão amarelo brasileiro. Segundo dados do Ministério da Economia, embarques de soja renderam US$ 5,46 bilhões (R$ 30,5 bilhões) em abril de 2020, contra R$ 3,3 bilhões no mesmo mês de 2019, alta de 65%. E, deste total, 72,3% tiveram destino certo: os portos chineses, país que é o maior parceiro comercial do Brasil. Isso significa a entrada de US$ 4 bilhões oriundos de compradores da China. Em volume, também um recorde: 73,4% a mais do que o período do ano passado, quando foram enviados 9,4 milhões de toneladas. Em abril deste ano, foram 16,3 milhões de toneladas exportadas pelo Brasil. Neste ano já são, segundo o governo federal, 34,5 milhões de toneladas embarcadas, número histórico dos quatros primeiros meses do ano.
Dos 9,7 milhões de toneladas de cargas que partiram em abril do porto de Santos, maior complexo portuário da América Latina, 4,6 milhões foram de soja em grão, volume 68% acima do que foi embarcado do produto em abril do ano passado. Somente nos três primeiros meses deste ano saíram pelos terminais do porto 8,9 milhões de toneladas do complexo soja (grão e farelo).
Relatório de oferta e demanda elaborado pela Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) mostra que, no ano passado, o País colheu 120,7 milhões de toneladas de soja, com perspectiva para 123,7 milhões de toneladas para próxima safra, o que representaria acréscimo de 2,4%. No quesito exportações, os dados da associação mostram 74 milhões de toneladas do grão brasileiro com direção aos demais países em 2019. Na projeção realizada pela Abiove no início de março, espera-se 77 milhões de toneladas na próxima temporada, o que significa alta de 4%. O presidente da Abiove, André Nassar, afirmou que a crise do coronavírus não afetará as exportações de soja do Brasil. “Alguma mudança estrutural poderia levar os chineses a alocar menos frango e suíno, e isso poderia reduzir a demanda por farelo de soja.” Essa possibilidade, contudo, não se confirmou.
Somado à possibilidade de crescimento de mercado a partir da crise sanitária mundial está a enorme desvalorização do real frente ao dólar. Segundo relatório do Banco Central, a moeda americana começou o ano valendo
R$ 4,02. Na sexta-feira 22, o dólar custava R$ 5,58, uma desvalorização de 39% no período. Com dólar mais valorizado, aumenta a rentabilidade para o produtor rural brasileiro, que acelera a venda futura da produção para garantir o bom preço e a segurança da receita mesmo antes da colheita.
E é nesse cenário que as grandes companhias projetam um crescimento ainda maior nos números para esse ano. Maior player mundial de soja, a gigante americana Cargill demonstra no aumento de investimentos a expectativa de um crescimento de oportunidades mundo afora para a soja brasileira. No ano passado, a perspectiva inicial de investimentos da companhia em solo brasileiro era de R$ 500 milhões, mas alcançou a cifra de R$ 656 milhões, 31% acima da previsão.
O CEO da Cargill no Brasil, Paulo Souza, reconhece que a combinação dólar alto mais possível aumento de demanda pode, de fato, alavancar o resultado no País. “A desvalorização do real trouxe ao produtor a vontade de vender sua produção, justamente quando nossos clientes de exportação buscavam aumentar níveis de compra por conta da Covid-19”, diz. “A palavra da moda é resiliência na cadeia de suprimentos. E muitos países fizeram mais contratos para garantir a oferta”, afirma o executivo. Mas, claro, é necessário retomada do programa de concessão de infraestrutura em melhora no sistema de logística para facilitar o embarque e, com isso, diminuir parte do que se chama de custo-Brasil. Um dos exemplos de umas das últimas ações consideradas importantes para o setor, a partir de ação do Ministério da Infraestrutura, foi a pavimentação da BR-163, que liga o Centro-Oeste ao Pará. Clima favorável, sem chuva, também contribuiu para os embarques da carga dos navios brasileiros rumo ao exterior.
O volume comercializado pela Cargill em 2019 passou de 36 milhões de toneladas em 2019, acréscimo de 12% sobre o ano anterior. A Cargill registrou, em 2019, receita líquida de R$ 46,8 bilhões em 2019 da divisão brasileira da companhia, aumento de 7% sobre o resultado de 2018.
Já os números globais de outra gigante do setor, a Bunge, mostram prejuízo de 184 milhões de dólares (R$ 1 bilhão) no resultado total do primeiro trimestre deste ano, contra lucro líquido de 45 milhões. Quanto aos negócios relacionados a grãos, os resultados foram diferentes. Em três meses, as vendas alcançaram lucro de 25 milhões de dólares (R$ 139,5 milhões), ainda assim menos do que os 34 milhões de dólares no primeiro trimestre de 2019. A receita total no período foi de 9,94 bilhões de dólares (R$ 55,5 bilhões), retração de 7,7%, ante os 9,17 bilhões do mesmo período em 2019. O agronegócio respondeu por 6,33 bilhões de dólares deste total, com queda de 8,5% sobre o período do ano passado.
O CEO da Bunge, Greg Heckman, afirmou que a diminuição da receita global da companhia nos primeiros meses de 2020 não teve forte impacto a partir da pandemia da Covid-19 no mundo, apesar de, alguma forma, ter refletido, ainda que em uma proporção menor. “Nossos negócios subjacentes tiveram um bom desempenho durante o trimestre e os ajustes de mercado em que incorremos deverão reverter nos próximos três meses. Sem dúvida, este continuará sendo um ano desafiador”, disse o chefe da companhia.
Desafiador e cheio de oportunidades. A China, com seus 1,4 bilhão de habitantes, registrou, nos primeiros dois meses de 2020, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia, aumento de 14% nas suas importações de soja. Do Brasil, no entanto, houve queda de 25% no bimestre, ainda que representando um grande volume. Foram, nos dois primeiros meses, enviados das fazendas brasileiras para China 4,7 milhões de toneladas, contra 6,3 milhões de toneladas das exportações de soja no mesmo período de 2019. O índice de 2020, ainda assim, é considerado bem acima do que foi enviado nestes mesmos meses em 2017 e 2018.
Um fator, além da retração óbvia provocada pela explosão de casos do novo coronavírus por lá — foi na cidade de Wuhan, em dezembro de 2019, em que surgiram os primeiros casos da doença que até agora já atingiu mais de 5 milhões de pessoas no mundo – foi um ponto final na guerra comercial entre China e Estados Unidos, a partir de acordo celebrado entre os presidentes Donald Trump e Xi Jinping. Os chineses, então, passaram a também comprar dos americanos. Historicamente, as vendas brasileiras para a China são muito fortes no primeiro semestre, quando perdem um pouco de espaço para os EUA.
A peste suína do ano passado, que afetou parte significativa do rebanho de porcos chineses, também prejudicou o envio do produto ao gigante asiático.
“O vírus dizimou parte do plantel suíno chinês à época e afetou demais a demanda por farelo de soja. Mas também foi uma grande oportunidade para indústria brasileira de carne para ajudar a repor a oferta para o público daquele país”, afirma o CEO da Cargill. Produtos ligados ao agronegócio, dependem, no entanto, de uma boa imagem do País em relação a cuidados sanitários e políticas públicas claras e de respeito ao mesmo ambiente. Para o presidente da Cargill no Brasil, há necessidade de melhorar as ações neste segmento. E mandar ao mundo esse recado sobre possíveis cuidados. Quando houver, de fato, os cuidados necessários e a mensagem de respeito. “Estamos desenvolvendo reputação muito ruim como destruidores da Amazônia e sem preocupação com aquecimento global. A responsabilidade de reverter essa visão precisa ser capitaneada pelo governo federal”, destaca Paulo Roberto de Souza.
Um episódio recente foi a forma desastrosa com que o governo federal lidou com as críticas de líderes mundiais, como Ângela Merkel, da Alemanha, e Emmanuel Macron, da França, em relação ao volume crescente de queimadas na Floresta Amazônica, com respostas sem muita diplomacia de políticos brasileiros, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, e que afetaram o envio de recursos para financiamentos de projetos ambientais, incluindo o Fundo Amazônia.
No já famoso vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a fazer declarações que foram mal recebidas por entidades ligadas à preservação, ao afirmar que o governo deveria aproveitar a “oportunidade” em que a imprensa tem dado mais espaço à crise da Covid-19 para “passar a boiada” e modificar normas e realizar reformas do segmento. A analista de mercado de grãos da consultoria FC Stone, Ana Luiza Lodi, acredita que o Brasil vive um grande momento em relação à produção e exportação, mesmo com o fim do conflito Estados Unidos-China. “Somos um dos únicos players do setor que ainda tem área para crescer, sem precisar ocupar espaço de outra cultura.” Com espaço físico para ampliar e perspectiva para suprir uma possível demanda maior por alimentos a partir da crise por conta do novo coronavírus, o grão brasileiro com resultado bilionário tem um terreno muito fértil – literalmente – pela frente. Para alimentar e render muito mais.