30/09/2013 - 11:47
O executivo Ricardo Ometto, um dos diretores da Usina São João, de Araras, no interior paulista, raramente usa terno e gravata. Enquanto o presidente Hermínio Ometto Neto cuida dos rumos da empresa, que fatura R$ 656 milhões por ano com o processamento de oito milhões de toneladas de cana-de-açúcar por safra, Ricardo planta árvores. Nos últimos dez anos, ele já semeou mais de um milhão de mudas de espécies nativas da região. Hoje, na Usina São João, cujas plantações ocupam uma área de 15 mil hectares, não é apenas a cana que reina. Por causa das árvores, animais como a capivara, o lobo-guará, o guaxinim, o gato do mato e até a onça pintada convivem com a produção de etanol, açúcar e energia. “Sem contar a variedade de pássaros atraídos pelas árvores frutíferas”, diz Ricardo.
Com dez anos de trabalho, o serviço da Usina São João está chegando à metade. Já foram recuperados 530 hectares de matas e ainda faltam 750 hectares. Segundo o coordenador de gestão ambiental da usina, Sérgio Sotta, a meta, que vem sendo seguida à risca, é recuperar 40 hectares por ano. “Poderíamos apenas cercar as áreas e deixar que elas se recuperem naturalmente, mas isso levaria 50 anos”, diz ele. “Nós vamos fazer em 20, mesmo que o custo seja alto.” Segundo Sotta, o maior equívoco que pode ocorrer na recuperação de florestas é acreditar que basta plantar uma muda e o trabalho está concluído. “O que tem sustentado as áreas implantadas é a manutenção, com capinas regulares e controle de pragas”, diz. Somente por conta dessa atividade, são empregados 35 funcionários.
Para acelerar o processo de plantio de árvores, a São João começa a adotar o sistema desenvolvido pela Bioflora, de Piracicaba (SP), empresa de pesquisa que nasceu na Esalq/ USP e que é especializada em recuperação florestal. Nos últimos anos, a usina já vinha servindo de base de pesquisa para a Bioflora em vários experimentos. “A parceria tem nos ensinado a acertar mais que errar”, diz Ricardo. Fundada pelos agrônomos André Nave e Ricardo Ribeiro Rodrigues, a Bioflora nasceu há 15 anos. “No início dos processos de restauração, na década de 1980, muita gente não acreditava na viabilidade de uma floresta diversificada”, diz Nave. “Antes, plantar dez espécies era considerado um reflorestamento.” Segundo Nave, o atual conceito de restaurar o ambiente natural é muito mais amplo. Ele envolve não somente o ressurgimento das árvores em uma determinada área, mas também a presença de arbustos, plantas aéreas e cipós. Atualmente, nos viveiros de pesquisa da Bioflora, há 200 espécies de árvores nativas. A quantidade é quase três vezes superior à resolução da Secretaria de meio Ambiente do Estado de São Paulo, que determina que um viveiro comercial deve contar com um banco de até 80 espécies.
O atual foco de pesquisa da empresa, em pauta nos últimos três anos, é diminuir o custo do hectare restaurado.“É o maior entrave para recuperar mais rapidamente as áreas de preservação permanente e também as de reserva legal previstas em lei”, diz Nave. Segundo o pesquisador, esse custo pode chegar a R$ 16 mil por hectare. Com as pesquisas, a Bioflora está chegando a um modelo de restauração que pode cair a R$ 5 mil em áreas não mecanizáveis e em até R$ 3 mil por hectare em áreas mecanizáveis. “Mas achamos que é possível, com o tempo, descer para R$ 1,5 mil o hectare”, diz Rodrigues. Para afinar as contas levantadas pela Bioflora, a empresa fez uma parceria com o economista Bernardo Strassburg, professor da PUC do Rio de Janeiro. Strassburg começa a estudar o custo de implantação em contrapartida ao custo de oportunidade. “A pergunta é: restauraréumônusouum bônus”, diz Nave.
Os sócios da Bioflora já estudaram uma dezena de metodologias de restauração e chegaram a um modelo que consiste em duas etapas. Na primeira, são plantadas cerca de 12 espécies, entre elas a mutamba, o paucigarra e a sangra d’água. Essas espécies de crescimento rápido cobrem e sombreiam o solo e são plantadas em conjunto com a chamada adubação verde, um mix de espécies leguminosas, como a crotalária, o guandu e o tremoço. Dois anos após essa preparação, são introduzidas espécies nobres que podem até ser comercializadas, a depender do projeto de manejo, como peroba, cabreúva, angico, ipê e jatobá. “Nos últimos anos também começamos a entrar na era da clonagem de espécies nativas para a exploração comercial”, diz Nave. Com as espécies melhoradas será possível manter um banco genético de valor ainda não calculado. “Os novos modelos de restauração florestal estão apontando que ela pode ser, sim, uma atividade sustentável”, diz Nave. “O futuro vai confirmar nossa tese.”