21/08/2019 - 12:56
Quem vê o produtor rural Alexandre De Marco, 45 anos, utilizando um pulverizador para despejar bactérias e fungos em suas plantações de soja e algodão em Rondonópolis (MT), pode imaginar que ele ficou maluco. Nada disso. As bactérias e fungos, longe de destruir lavoura, podem ser a salvação dela. Tanto que De Marco não é o único fazer isso. A empresa gaúcha Rasip, grande produtora nacional de maçã, também usa bactérias em seus pomares. E até a maior produtora de açúcar e etanol do País, a Raízen – com faturamento de R$ 86 bilhões –, entrou nessa. A companhia, que tem 26 usinas espalhadas pelo Brasil, libera milhares de vespas em seus 860 mil hectares de canaviais. Essa turma não está jogando contra o próprio patrimônio. Eles são parte de um grupo cada vez maior de empresas e produtores rurais que fazem uso dos “biológicos do campo”. São bactérias, vírus, fungos e insetos que trabalham a favor da plantação, combatendo micro-organismos nocivos. Trata-se de uma batalha quase sempre invisível a olho nu, travada por soldados microscópicos ou minúsculos. “O controle biológico é uma volta às origens da agricultura, com a presença dos inimigos naturais das pragas”, diz De Marco, que é diretor do grupo BDM e utiliza os biológicos há dois anos.
Nessa guerra, os combatentes do bem têm uma missão clara: eliminar o exército inimigo, que são os insetos, fungos e bactérias causadores de danos à plantação e, consequentemente, de prejuízos ao produtor. Essa realidade já está mudando a agricultura e ganhando cada vez mais espaço. Sejam microbiológicos (bactérias, fungos e vírus) ou macrobiológicos (insetos, como abelhas e moscas), esses agentes atuam, hoje, em cerca de 10 milhões de hectares, 13% da área ocupada por lavouras e florestas plantadas no País — o equivalente a três vezes a Bélgica. Com o avanço da ciência, esse tipo de ação deixa de ser uma alternativa ou nicho de mercado para compor o manejo integrado de pragas e doenças das fazendas. “Precisamos encontrar um equilíbrio ecológico nas fazendas. Para isso, temos de estar atentos ao que está acontecendo e, principalmente, ao que pode vir”, diz De Marco.
Além de combater organismos danosos, o uso dos biológicos tem outra vantagem: permite a utilização dos mesmos produtos químicos e equipamentos normalmente empregados nas fazendas. De Marco, por exemplo, aplica os biológicos utilizando pulverizadores de agroquímicos. Essa integração de tecnologias é um dos fatores destacados pelo agrônomo José Roberto Parra, da Escola de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, no interior de São Paulo. A instituição é referência nacional no assunto. “O controle biológico não é uma substituição aos produtos químicos. Eles se complementam”, observa Parra. “Existe um espaço enorme para os biológicos no Brasil, devido às grandes áreas de produção agrícola do País”. Os bons resultados já são percebidos. O que Alexandre De Marco libera, na sua plantação de soja e algodão, é uma bactéria do gênero Bacillus. Assim, tem conseguido diminuir a população de nematoides, espécie de verme que se alimenta das raízes das plantas. No Brasil, só essa classe de praga causa perdas em torno dos R$ 35 bilhões por ano. “O nematoide é um dos nossos principais problemas”, afirma De Marco. “De duas safras para cá, estamos testando uma linha de produtos que prometem acabar com isso. Pelo pouco tempo de uso, já é possível perceber uma mudança na saúde do solo.” O curioso é que esse mesmo gênero de bactéria tornou mais fortes as lavouras de soja, milho e algodão, graças à engenharia genética, com a obtenção das primeiras variedades de soja transgênica. Foi com a inserção de um gene de Bacillus thuringiensis (mais conhecido por Bt) no DNA desses vegetais que a agricultura alcançou uma nova fase: a de plantas mais resistentes ao ataque de pragas. “Não é à toa que a venda de inseticidas caiu consideravelmente desde o surgimento dessa tecnologia”, diz o agrônomo Gustavo Herrmann, diretor comercial da Koppert do Brasil. “Agora, é a vez desses agentes criarem seu próprio espaço no mercado. Acredito que, nos próximos 10 anos, vamos assistir não apenas ao crescimento do uso de agentes de controle biológico, mas também ao incremento desse mercado, por meio da agricultura digital”.
MUNDO AFORA Com dados precisos, o produtor terá mais informações sobre as pragas e doenças que estão ocorrendo nos campos e, a partir disso, usará menos agroquímicos. Tanto é que companhias químicas tradicionais, como as alemãs Bayer e Basf, a suíça Syngenta e a nipo-brasileira Ihara já estão nesse mercado, ao lado de empresas ligadas exclusivamente à produção de agentes biológicos, como a holandesa Koppert e as brasileiras Promip, Ballagro e Biocontrole. “É ótimo termos grandes empresas nesse setor. Isso ajuda ainda mais no desenvolvimento do mercado”, analisa Herrmann.
Apesar de o setor de químicos e de sementes melhoradas em laboratório ter garantido saltos de produtividade nas lavouras do mundo, desde a Revolução Verde, nos anos 1950, a opção do consumidor vai contra essa onda. A tendência, agora, é puxada por uma busca por alimentos mais saudáveis, livres de químicos, obtidos por processos naturais e que respeitem o meio ambiente. A Europa é a região do planeta na qual esse movimento é mais evidente. “O mercado europeu de biológicos tem crescido bastante”, diz Arnelo Nedel, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBio). “Isso tem refletido na busca por mais soluções para esse mercado. E a China também já entrou nessa”, afirma.
Os números são eloquentes. Em 2017, o mercado global de agroquímicos foi avaliado em US$ 61,4 bilhões, 2,6% a mais ante 2016, segundo a consultoria britânica Phillips McDougall. Já de acordo com a consultoria americana Dunham Trimmer, o mercado mundial de controle biológico saltou de US$ 3 bilhões, em 2016, para US$ 3,5 bilhões, em 2017, alta de 17%. Isso faz com que os biológicos representem 5,6% do segmento no planeta. E, segundo especialistas, seguirá crescendo. Para 2020, as estimativas são de que o setor passe dos US$ 5 bilhões. No Brasil, os dados são ainda mais animadores para o setor, que registra crescimento médio de 20% ao ano. Só de 2017 a 2018, o mercado nacional de biológicos saltou 77%, segundo a ABCBio. O faturamento cresceu de R$ 262,4 milhões, em 2017, para R$ 464,5 milhões no ano passado (uma participação de 1,5% no mercado nacional). Esse resultado pode ser ainda melhor. É que o Sindicato da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal ainda não apresentou seus números de 2018. No sentido oposto, a indústria de agroquímicos vem perdendo força. Em 2014, o setor faturou US$ 12,3 bilhões. Já em 2017, esse número foi de US$ 8,9 bilhões, um tombo de quase 28%.
OPORTUNIDADES Se, por um lado, o mercado de agroquímicos diminui, por outro, surgem oportunidades de novos negócios para quem está atento. É o que tem feito a Koppert, que faturou, só no ano passado, US$ 355 milhões com biológicos, cerca de 10% de todo o mercado global. No Brasil, a participação da companhia holandesa é ainda maior: 21,5% do segmento. Foram R$ 80 milhões em vendas em 2017 e R$ 100 milhões no ano passado, alta de 25% em apenas 1 ano. Com isso, o País responde por 7,4% dos negócios globais da companhia. A expectativa da empresa é chegar a R$ 120 milhões ainda este ano. Para os holandeses, a agricultura em larga escala é o grande atrativo brasileiro. “As plantações de soja e de cana-de-açúcar do Brasil foram muito importantes para o nosso crescimento”, diz Paul Koppert, CEO global e filho do fundador da empresa, Jan Koppert. “Antes, nossos produtos biológicos eram usados apenas em pequena escala”.
Presente no Brasil desde 2011 e com duas fábricas no interior paulista — em Piracicaba e na vizinha Charqueada —, a companhia está em busca de soluções que atendam à necessidade do produtor de larga escala. Um dos projetos em desenvolvimento visa a criação de um herbicida biológico. “Essa pesquisa faz parte de uma integração das equipes brasileiras
e holandesas”, diz Herrmann, da Koppert do Brasil. “Essa novidade pode chegar aos campos num prazo de 3 a 5 anos”.
Segundo o executivo, uma das razões pelas quais esse mercado deve seguir crescendo, no País e no mundo, é a busca por novos produtos. “Há grandes lacunas a ser preenchidas, como um elemento contra o bicudo do algodoeiro e outro para combater a ferrugem asiática”, destaca Herrmann.
Dos cerca de 300 produtos considerados agentes biológicos registrados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), apenas poucas dezenas formam a base do controle nas lavouras do Brasil (confira os principais no quadro da página 38). “Por isso, é importante que as pesquisas encontrem mais inimigos naturais de pragas e doenças, e resolvam os problemas dos agricultores”, analisa Herrmann. Ele destaca que, no ano passado, a Koppert evoluiu bastante nesse sentido, apresentando uma solução para o psilídeo, inseto considerado a pior praga para a produção de laranja. A novidade nasceu de um projeto de cooperação entre a empresa, a Esalq e o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), e fez surgir uma esperança para acabar – ou, ao menos, reduzir – a infestação de 18% dos 192 milhões de árvores de citros em São Paulo e em Minas Gerais.
GIGANTES DO SETOR Os bons resultados vistos atualmente no mercado de agentes biológicos são fruto de um trabalho a longo prazo. Em meados da década de 1990, as empresas Basf, Bayer, Syngenta e Sumitomo Chemical já tinham em seu portfólio produtos de base biológica. À época, o setor ainda era pífio, mas já se mostrava bastante promissor. Os números atuais falam por si. Só este ano, a Basf investirá R$ 3,6 bilhões no segmento. E não pretende parar. “A pesquisa de biológicos é um dos focos da nossa companhia”, afirma o agrônomo Eduardo Leduc, vice-presidente sênior da Divisão de Soluções para Agricultura da Basf, na América Latina. “Vamos investir de forma constante nesse setor”.
MANEJO INTEGRADO A empresa, que em 2018 faturou cerca de R$ 270 bilhões em todo o mundo, se especializou em produtos de tratamento de sementes, que combatem ataques de fungos e auxiliam na nutrição do vegetal. Seguindo no mesmo compasso, a Basf lançou, no ano passado, um produto de controle da broca na cana-de-açúcar, praga que chega a causar perdas de R$ 5 bilhões por ano. “Sabemos que os agricultores estão cada vez mais atentos a outras formas de controle nas lavouras”, diz Leduc. “Os biológicos são aliados dos defensivos agrícolas químicos e se destacam no manejo integrado de pragas e doenças”, analisa o executivo.
A Ihara, que faturou R$ 1,5 bilhão no ano passado, é outra que também vem apostando alto nos agentes biológicos. Dentro de cinco anos, a fatia de ganhos com essa classe de produtos deve chegar a 10% da receita da empresa, segundo o seu diretor de Marketing e de Pesquisa e Desenvolvimento, Clayton Veiga. Esse crescimento na participação dos ganhos da companhia vem de um incremento de portfólio de produtos, saindo de dois para cinco itens nos próximos dois anos. Entre as novidades, estão o controle de nematoides, de fungos e de folhas, como a ferrugem asiática. “Esses elementos são extremamente necessários para uma agricultura cada vez mais moderna e saudável”, diz Veiga.
O executivo da Ihara fala de uma realidade atual que já era pensada por um cientista brasileiro há quase 40 anos. Pesquisador da Esalq e doutor em Entomologia pela Universidade de São Paulo (USP), José Roberto Parra, 74 anos, lembra que, nos anos 1980, quando estudava espécies de vespas, já imaginava um tipo de aeromodelo que faria a distribuição desses agentes pelo campo. “Hoje, os drones e os agentes biológicos são uma realidade”, destaca Parra. “Este ano, devemos ter 2 milhões de hectares de cana-de-açúcar tratados com vespas nas principais regiões do País.” Ele vislumbra um alcance ainda maior da agricultura digital aliada ao controle biológico. Nesse futuro não muito distante, drones estarão munidos de sensores avançados e de um sistema de inteligência artificial. Juntos, esses equipamentos poderão quantificar a população de pragas, sua localização exata numa plantação e o momento ideal para liberar os minúsculos soldados que irão combatê-las. “Com certeza, os agentes biológicos têm um futuro brilhante pela frente”, afirma o pesquisador. O microscópico exército do bem seguirá forte e invencível.
A China e o novo agro
Um fato curioso aconteceu há cerca de 1 mês, na maior cidade chinesa, Xangai, com 26 milhões de habitantes. Logo pela manhã, depois de um mau tempo, o céu se abriu ensolarado e limpo. Estava tudo azul (foto acima e à esq.). “Essa não é uma cena comum de se ver naquela cidade”, diz Roberto Fava Scare, sócio da consultoria Markestrat, de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. “Em geral, o tempo é fechado e mal dá para respirar.”
A novidade nos céus de Xangai ilustram a mudança que o país quer daqui para frente, com economia e indústria menos agressivas ao meio ambiente. A meta do gigante asiático para os próximos 10 anos é ultrapassar os Estados Unidos e se tornar a maior economia do planeta, alcançando um PIB estimado de US$ 33 trilhões, contra US$ 32 trilhões dos americanos – hoje, são US$ 13,5 trilhões dos chineses contra US$ 20,5 trilhões dos EUA.
Na onda do gigantismo econômico dos chineses, está também uma nova perspectiva de produção no campo. E ela não prevê crescimento no uso de produtos de base puramente química para o controle de pragas. O assunto foi debatido num dos painéis acompanhados por Scare, no início de março, em Xangai, durante a Feira Internacional de Agroquímicos e Proteção de Cultivos (foto). “Entre as ideias comentadas, estava a maior utilização de soluções biológicas no agronegócio”, conta Scare. “Esse movimento é liderado por instituições de pesquisa da China e dos Estados Unidos.” Segundo ele, o novo cenário que se desenha mudará a indústria chinesa de agroquímicos. Das 400 fábricas atualmente em atividade no país, apenas 20 devem permanecer. “Vamos ver uma série de fusões e aquisições desse mercado”, declara Scare. “Isso pode levar outras multinacionais a oferecer mais alternativas que gerem benefício ao produtor, como é o caso dos agentes biológicos.”