Cuidar do pé de milho Que demora na semente Meu pai disse “meu filho, noite fria, tempo quente” Cacaso

Obra de arte: o livro de Renato Soares traz fotos, como a do menino diante do carro de boi e das espigas de milho, que mais parecem pinturas

Dois anos atrás, o fotógrafo mineiro Renato Soares, conhecido nacionalmente por trabalhos com tribos indígenas, ficou preso durante horas num engarrafamento em São Paulo. Para piorar, um motorista bateu na traseira do seu carro e amassou a lataria do veículo. Foi a gota d’água. No mesmo dia, ele reuniu a família e disse que não aguentava mais a vida na maior metrópole do País. Queria voltar para sua terra, a pequena Carmo do Rio Claro, no interior de Minas Gerais, às margens de Furnas. A decisão, que, à primeira vista, poderia limitar seus horizontes profissionais, acabou abrindo um oceano de possibilidades para um dos fotógrafos mais premiados do País. “Comecei a olhar para o que sempre esteve perto de mim”, disse ele à DINHEIRO RURAL. O resultado foi o livro Mar de Minas, publicado pela Empresa das Artes, que reúne algumas das mais belas imagens já produzidas sobre o universo rural brasileiro. E se há um lugar no mundo onde a terra e seus frutos estão entranhados na alma do povo, este lugar é Minas Gerais. Um planeta à parte, o coração do Brasil profundo.

Ao contrário de outras regiões do País, que acabaram se tornando quase monoculturas, Minas soube preservar uma imensa diversidade na sua produção agropecuária. Nas andanças que fez pelos 34 municípios banhados pelas águas de Furnas, Renato encontrou produtores de café, de milho, de batata, de leite, de tabaco para fumo de rolo e de cana sem nenhum tipo de agrotóxico – especial para a cachaça, a caninha pura de Minas. Mais do que simplesmente fotografar tais lavouras, ele saiu em busca da essência do lugar. E encontrou o homem. O lavrador que agradece pela colheita, a mulher que seca, pacientemente, as folhas de fumo, a quitandeira que faz arte com frutas cristalizadas. “O grande mérito do Renato foi captar o patrimônio imaterial do lugar”, avalia Fábio Ávila, editor da Empresa das Artes. Até mesmo carros de boi foram encontrados na viagem do fotógrafo pelas redondezas da usina hidrelétrica de Furnas, obra que foi um marco no governo do ex-presidente Juscelino Kubitschek. O curioso é que JK, quando lançou o binômio “energia e transportes”, dizia que era preciso construir estradas para que o País saísse das rodas do carro de boi. Hoje, 50 anos depois, é possível encontrar produtores que ainda transportam suas cargas de milho sobre esse tipo de transporte não por necessidade, mas sim por nostalgia.

Apenas para ouvir o tropel dos cascos dos animais sobre a terra. E há cidades, como Formiga, que ainda promovem festivais de carros de boi, a exemplo dos desfiles de automóveis antigos nas grandes capitais.

Além das 170 imagens incluídas nas 236 páginas do livro, Renato soube também identificar os mais belos textos já escritos sobre a maior carência do mineiro: o mar. O poeta Rubem Alves, por exemplo, escreveu que “o mar de Minas não é no mar, o mar de Minas é no céu, pro mundo inteiro olhar para cima e navegar sem nunca ter um porto onde chegar”.

Num outro poema, chamado Fazendeiro do Mar, do uberabense Antônio Carlos Ferreira de Brito, o Cacaso, um dos maiores letristas da música popular brasileira, morto precocemente, há versos que dizem que o “mar de mineiro é Marte” ou que o “mar de mineiro é frase”. Ele se esqueceu apenas de dizer que o verdadeiro mar de Minas é a terra, que, quando banhada pelas generosas águas de Furnas, tudo dá. Café, milho, feijão, fumo, cana de rapadura, cachaça e também imagens inesquecíveis.