01/02/2009 - 0:00
Parece mentira, mas é realidade. Foi nos EUA, país consagrado como a capital mundial dos restaurantes fast-food, que surgiu há 20 anos a Organic Valley, maior cooperativa do mundo no segmento de orgânicos. Era final dos anos 80, os fazendeiros ianques enfrentavam uma grave crise financeira. Para muitos, não restava outra opção a não ser deixar a atividade. Foi esse cenário hostil que propiciou a união de sete produtores. Eles estavam desiludidos com a forma como conduziam as suas fazendas. Um deles dizia: “Eu não tenho confiança em alimentar meus filhos com estes alimentos, porque tem muito veneno (referindo-se a agroquímicos) neles.” Outro fazendeiro dizia: “Meu pai morreu de câncer ainda jovem e estou certo de que foi por causa dos pesticidas.” Esta indignação em comum levou o grupo à decisão de experimentar o sistema orgânico. Eles pensavam: “Deve haver pessoas que pensam como a gente, talvez consigamos um melhor preço no mercado com este tipo de produto.”
A atividade principal dos sete amigos era a pecuária leiteira e por meio dela o leite se tornou o primeiro produto comercializado. Mas logo eles perceberam que poderiam agregar mais valor à sua produção. Montaram um laticínio e começaram a produzir tipos variados de queijos e outros derivados lácteos. A nova maneira de pensar não demorou a ganhar adeptos. Consequentemente, cresceu não só a demanda por produtos, mas também o número de cooperados da Organic Valley, apelidada carinhosamente de Organic Valley Família de Fazendas. Hoje, a cooperativa está presente em 32 dos 50 Estados dos EUA e reúne nada menos que 1.400 cooperados. Esta abrangência traduz a atenção que o setor tem ganhado no país. Embora represente entre 5% e 6% de todo o mercado, o segmento de orgânicos é hoje uma indústria que movimenta US$ 20 bilhões ao ano. A Organic Valley, por exemplo, fechou 2007 com mais de US$ 432 milhões só em vendas. “Não queremos acumular dividendos, mas remunerar bem os nossos fazendeiros”, diz Theresa Marquez, diretora de marketing da cooperativa Organic Valley. Segundo ela, o lucro da empresa foi de apenas 2%, mas é proposital e faz parte do modelo de gestão herdado dos fundadores. Para este ano, mesmo com a crise, a previsão é de que as vendas alcancem a cifra de US$ 500 milhões.
NOVIDADE: recentemente, a Organic Valley lançou a campanha Viva La Pasture, um incentivo para os cooperados produzirem boi a pasto e abandonarem o confinamento
Hoje, além de leite e derivados, o portfólio de produtos da cooperativa possui sucos, ovos, carne bovina, suína, de aves, leite de soja, etc. Mas a filosofia da Organic Valley contraria a lógica do mercado. “Quando eu nasci, em 1945, a cada dólar que se gastava, US$ 0,10 era para comida e menos que isso ia para o segurosaúde. Hoje, a comida continua sendo US$ 0,10 e o seguro-saúde, US$ 0,20. Como podem os fazendeiros receber o mesmo que recebiam anos atrás?”, questiona Theresa. Tanto que o diferencial da cooperativa e chamariz para converter produtores tradicionais, ainda não adeptos do sistema orgânico, é o fator preço. A empresa verde paga mais pelos produtos e consegue fazer isso pelo fato de vender por um preço superior. E por que o consumidor estaria disposto a pagar mais? Porque está preocupado com a saúde e acredita que os alimentos podem ajudar na prevenção de doenças. A prova disso é que a maioria das pessoas que adere ao setor de orgânicos são mulheres grávidas ou com filhos pequenos. E o que estaria levando estas mães a tal decisão, para Theresa, é óbvio: “Há uma nova expressão chamada disfunção endocrinológica. Significa que, se você tem alguma disfunção causada pela alimentação, suas glândulas não funcionam direito, você tem um desequilíbrio hormonal, o que pode prejudicar o crescimento e a fertilidade, entre outras coisas.” Outro argumento a favor dos orgânicos vem do meio científico: há mais de 200 estudos que comprovam que os alimentos orgânicos têm 45% mais nutrientes que os convencionais. O motivo para esta discrepância estaria no solo. “Se você não tem um solo saudável, você não tem plantas saudáveis e também não tem animais nem pessoas saudáveis”, completa Theresa.
PORTFÓLIO RECHEADO: a Organic Valley tem mais de 50 produtos, mas os carros-chefes são o leite e a carne
Apesar do porte da Organic Valley, a cooperativa ainda enfrenta o desafio de equilibrar oferta e demanda. Mas o diferencial da remuneração tem estimulado a adesão de novos fazendeiros. Tanto é que a empresa abriu caminho para centenas de indústrias que vieram depois. Os procedimentos da cooperativa em laticínios, por exemplo, se tornaram padrão de conduta para os que surgiram mais tarde, ajudando a regular o setor. O resultado foi que em 1990 este modelo tornou- se lei através de um decreto e o Departamento de Agricultura Norte-Americano, o Usda, criou o selo “Usda Organic” para quem produzir segundo as recomendações. Agora uma das recentes novidades da cooperativa é o lançamento da campanha Viva La Pasture, que incentiva os produtores de leite e de carne a criar o gado a pasto. A explicação está no alto preço do milho e da soja, que são a base da ração dos animais confinados. Quanto ao Brasil, Theresa vislumbra um potencial, mas dá alguns alertas: “Não façam como os EUA, não vivam o estilo de vida dos norte-americanos e não sucumbam à tentação de desmatar a Amazônia para produzir mais soja. Invistam em pesquisas com energias renováveis”, finaliza.
UM PASSEIO PELO MUNDO DOS ORGÂNICOS
Theresa Marquez, diretora de marketing da Organic Valley, explica as ferramentas utilizadas pela companhia para alavancar o mercado
DINHEIRO RURAL – Como explica o crescimento da Organic Valley em 20 anos?
THERESA MARQUEZ – Nós temos consumidores que querem nossos produtos e temos fazendeiros que querem produzir de forma diferente. Só unimos as pontas.
RURAL – O que leva os consumidores a pagarem mais pelos orgânicos?
THERESA – A razão número 1 da escolha é a saúde. Mas há pessoas que pensam no meio ambiente e escolhem alimentos orgânicos por eles serem procedentes de uma agricultura que não polui. Escolher orgânicos é decidir comer alimentos que são melhores para o corpo e para o meio ambiente.
RURAL – Qual é a estratégia para educar as pessoas em relação a isso?
THERESA – Esta é a parte mais difícil. A cada estudo que fazemos, vem a indústria dos convencionais e gasta o dobro para mostrar que o que dizemos é bobagem. Mas hoje a internet é uma forma de as pessoas encontrarem informações. Elas não precisam acreditar em tudo que lhes dizem. Nós usamos muito este meio e também usamos a publicidade, fazemos eventos e levamos pessoas até as fazendas.
THERESA: “O mercado de orgânicos tem tudo para ser forte no Brasil”
RURAL – Como vocês atingiram este número de cooperados?
THERESA – Conforme fomos aumentando os nossos pontos-de-venda, começamos a convencer mais fazendeiros. Temos coordenadores que ficam no interior batendo na porta dos fazendeiros e perguntando por que eles não fazem orgânicos. Oferecemos mais dinheiro pelos produtos e isso tem ajudado a converter vários hectares para orgânicos. O difícil é equilibrar demanda e oferta, porque demora três anos para converter uma propriedade do sistema tradicional para o orgânico.
RURAL – Na sua opinião, qual é o potencial brasileiro para orgânicos?
THERESA – No Brasil tem crescido o número de pessoas que passam da classe C para a classe média, então vocês têm tudo para ter um mercado forte de orgânicos. A razão para escolher orgânicos é educação. Você sabia que os latinos nos EUA são muito mais propensos a comprar orgânicos que qualquer outra etnia? Desconfio que seja pelo fato de serem doidos por crianças. Nos EUA, há coisas estranhas como “se você não tem certeza que isso pode envenenar você, então está bom”. Mas os adeptos de orgânicos dizem: “Se isso não é comprovadamente seguro, esqueça.”