10/09/2018 - 10:00
No início de julho, enquanto os belgas mandavam a seleção brasileira de futebol de volta para casa, eliminada da Copa do Mundo de futebol na Rússia, um outro jogo muito mais acirrado acontecia no Brasil. Mas não em um campo de futebol. O jogo era de nervos e o campo, um volátil mercado financeiro em contraposição ao ideal de uma moeda estável. No dia 6 de julho, a cotação da moeda americana atingiu R$ 3,95 e fechou o dia em R$ 3,93. O valor foi o maior registrado pelo mercado desde o dia 1º de março de 2016, quando o dólar atingiu R$ 3,94. Essa cotação é 23% acima do valor da moeda no início do ano. Dólar alto é bom para quem vende e péssimo para quem compra. “A desvalorização do real beneficiou os produtores, principalmente os de soja, milho e algodão”, diz Enílson Nogueira, analista de mercado da consultoria Céleres, de Uberlândia (MG). “No caso da soja, o preço estava em R$ 75 por saca de 60 quilos, no início do ano. Hoje está em R$ 90 a saca.” Para Mauro Osaki, pesquisador do Centro de Pesquisas Econômicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea/USP), o cenário para os próximos anos pode ser de aperto para os produtores que não exportam. “Haverá um efeito negativo para as culturas de comércio doméstico, como a batata, o alho e o tomate, já que os fertilizantes e defensivos agrícolas estão indexados ao dólar”, diz Osaki. “A rentabilidade pode ser negativa ao produtor.”
O fato é que a valorização do dólar traz um incômodo outro lado da moeda: o encarecimento do custo de produção, por conta dos insumos, como fertilizantes importados, defensivos e sementes. “A safra 2018/2019 deve ser mais cara para produzir”, afirma Nogueira. Os produtores estão enfrentando os maiores custos dos últimos dois anos, embora os dados consolidados serão conhecidos no próximo mês, quando o total dos insumos já estarão comprados. Até agora, em Mato Groso, por exemplo, Estado que colheu 32,3 milhões de toneladas de soja na safra passada, o custeio da lavoura que começa a ser plantada em novembro subiu 2,7%, registrando R$ 2.031 por hectare.
Os insumos que mais subiram de preços foram os fertilizantes básicos, macronutrientes como potássio e fósforo, com alta de 18,3%. No Rio Grande do Sul, o cloreto de potássio subiu 34%. Por isso, para o setor, o que importa na dança do dólar é o momento quando as altas e baixas acontecem. Por exemplo, comprar insumos com o dólar perto de R$ 4, e no próximo ano vender a produção com a moeda americana valendo menos que R$ 3,50 é um cenário que ninguém quer ver. Esse medo vem desde safra 2003/2004, época da primeira eleição do ex-presidente Lula da Silva. Com o mercado receoso em relação a um possível governo do petista, o dólar atingiu R$ 3,95 na época da compra de insumos. No ano seguinte, além da moeda americana despencar para R$ 2,80, houve uma quebra de safra por conta de fortes secas. De acordo com Nogueira, o ambiente político deste ano lembra um pouco a safra 2003/2004. “Nesta eleição presidencial ninguém sabe quem irá para o segundo turno”, diz ele. “Isso traz insegurança ao mercado.”
Não por acaso, os produtores estão antecipando as vendas da safra 2018/2019 o máximo que conseguem. Isso porque o prêmio pago para a soja brasileira, acima da cotação da Bolsa de Chicago, está em US$ 2 por bushel, ante US$ 0,74 do mesmo período em 2017. Assim, o produtor pode ganhar cerca de R$ 290 por tonelada. Para a China, esse esforço na premiação tem compensado o negócio. Atualmente, a tonelada da soja nacional embarcada ao país asiático pelo porto de Paranaguá (PR) sai por US$ 390, enquanto a americana embarcada no Golfo do México custa US$ 413, já com a sobretaxa de 25%. De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), o Brasil deve produzir 119 milhões de toneladas neste ciclo, o que transformaria o País no maior produtor global do grão. A estimativa é de que pelo menos 25% desse volume já tenha sido vendido, o que equivaleria a quase 30 milhões de toneladas de soja. Só para comparação, a Argentina, que enfrentou intempéries na safra 2017/2018, produziu no ciclo 38 milhões de toneladas de soja.
Do lado da turma que vê com bons olhos um dólar valorizado, José Vicente Ferraz, diretor-técnico da consultoria Informa Economics IEG-FNP, diz que o impacto da moeda afeta o setor de duas maneiras. “Com a rentabilidade gerada pelas exportações, os agricultores podem aumentar a produção”, diz Ferraz. “E pode haver, também, um maior poder de barganha para conquistar novos mercados, oferecendo desconto no preço, embora a sua formação ocorra no mercado internacional.”
Entre os consultores é consenso a projeção para o dólar entre R$ 3,8 e R$ 4 no próximo período. Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da consultoria Treviso Corretora, acredita que o dólar deve chegar aos R$ 4 em curto prazo. “A partir desse valor o Banco Central deve intervir com maior contundência injetando dólar no mercado”, diz Galhardo. Mas isso depende de não ocorrer imprevistos, como aconteceu este ano. Como a mudança do presidente do Banco Central americano, a guerra comercial ainda indefinida entre os Estados Unidos e a China, e a crise geopolítica envolvendo o Irã, a Rússia e outros países, por causa da guerra na Síria. “Em 2017, quando avaliávamos como seria o ano de 2018, só entendíamos que o único impacto no câmbio seria a nossa eleição presidencial”, diz Galhardo.