rede americana de fast food McDonald’s chegou ao Brasil há 37 anos, quando escolheu a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, para instalar a sua primeira loja. Quatorze anos depois, a marca adotou uma regra de ouro para nortear as suas ações sustentáveis: jamais adquirir carne bovina de animais criados na Amazônia, diretriz que foi seguida à risca como política para não estimular o desmatamento na região. Isso, até agora. Em junho, durante a Beef Expo, em São Paulo, Leonardo Lima, diretor de sustentabilidade do McDonald’s, que possui aqui 850 lojas e faturou no País US$ 1,36 bilhão em 2015, anunciou que em agosto a empresa fará a primeira compra de carne de bois criados no bioma Amazônico. “Não comprávamos, por acreditar que era a forma correta de contribuir para evitar a destruição da região”, afirma Lima. “Mudamos, ao perceber que é melhor caminhar ao lado de projetos de pecuária que promovam a recuperação das áreas degradadas nessa região.”

Além do Brasil, o Canadá, com 1,4 mil lojas, anunciou em junho que também comprará carne de sistemas sustentáveis. No mundo, o McDonald’s possui 36 mil lojas, em 119 países. “Hoje, essa carne é um produto de nicho, mas tende a ganhar escala global na preferência do consumidor”, afirma Lima. Estados Unidos e países da Europa devem ser os próximos a adotar essa prática.


Exemplo para o campo : Celso bevilaqua ampliou a produtividade de seis arrobas para 23 arrobas por hectare ao recuperar a pastagem degradada

Para alimentar o batalhão de 1,8 milhão de brasileiros que passam todos os dias pelo McDonald’s, a rede utiliza 33,6 mil toneladas de carne bovina por ano, basicamente de cortes de dianteiro transformados em hambúrgueres.  “A intenção é motivar os pecuaristas a produzir carne de forma sustentável, para que no médio e longo prazos esse seja o padrão dos fornecedores da rede”, diz Lima. “No futuro, a ideia é estender essa política para as demais regiões nas quais compramos carne.”

Os executivos do McDonald’s começaram a mudar de posição sobre a carne bovina da Amazônia depois de conhecer o trabalho coordenado na região pelo Instituto Centro da Vida (ICV). A entidade é uma organização não governamental, apoiada pelo grupo JBS, da família Batista, que por sua vez é fornecedor de carne à rede americana. No município de Alta Floresta, norte de Mato Grosso, onde está a divisa com o Estado do Amazonas, o ICV desenvolve há quatro anos o Programa Novo Campo, que tem por objetivo orientar a adoção de boas práticas agropecuárias, visando aumentar a produtividade, sem ampliar o desmatamento na região, além de aprimorar a gestão das propriedades. Até 2012, Alta Floresta fazia parte da lista suja do Ministério do Meio Ambiente, como um dos principais desmatadores do País. A região, de 3,6 milhões de hectares, possui um rebanho bovino de 4,1 milhões de animais.


Produção garantida : para Vando  oliveira, da PECSA,  EMPRESAS  só investem quando têm certeza sobre  a  procedência dos produtos  sustentáveis

Atualmente, 35 pecuristas fazem parte do projeto Novo Campo, donos de uma área de 25 mil hectares e de um rebanho de 40 mil cabeças. Com orientações agronômicas, eles iniciaram a divisão e adubação de pastos, instalaram bebedouros para o gado e passaram a recuperar as Áreas de Preservação Permanente. De acordo com Renato Farias, diretor do ICV, neste ano, os produtores estão conseguindo engordar 10 mil animais para o abate, mas, em 2017 já serão 35 mil. “Nossa escala de produção pode crescer, à medida que houver clientes que nos dêem segurança, como agora”, diz Farias.


Abrindo portas :“O interesse de clientes grandes, como o MC Donal’s, deve estimular o aumento da escala de produção”, diz Renato Farias, do Icv

O meio de campo entre o grupo de pecuaristas e o JBS é realizado pela Pecuária Sustentável da Amazônia (Pecsa). A empresa, criada por Vando Telles de Oliveira, ex-integrante do ICV, organiza a venda do gado e busca por recursos financeiros para colocar em prática as ações propostas após um diagnóstico que detecta os gargalos produtivos e ambientais de cada propriedade. “Está claro que as grandes empresas só vão buscar produtos sustentáveis quando tiverem  segurança sobre a sua origem”, diz Oliveira. “Além disso, o mercado pede consistência da produção com foco sócio ambiental.” Do fundo europeu Althelia Climate Fund, por exemplo, a Pecsa conseguiu €12 milhões para recuperar 10 mil hectares de áreas degradadas em dez propriedades, sendo quatro neste ano e seis na safra 2016/2017.

Um dos fornecedores da carne que chegará ao McDonald’s, por meio da Pecsa, é Celso Crispim Bevilaqua, dono da fazenda Bevilaqua, em Alta Floresta. Ele foi um dos primeiros pecuarista a aderir ao Novo Campo em 2012, e o único produtor brasileiro a participar da convenção mundial do McDonald’s, realizada em abril deste ano, em Orlando, nos Estados Unidos. “Ter uma multinacional como essa, retirando as restrições para a carne da Amazônia, mostra que estamos fazendo o nosso dever de casa”, afirma Bevilaqua. “Isso agrega muito valor ao que produzimos.” O produtor, que manda para o abate 450 animais por ano, pretende ampliar a oferta para quatro mil cabeças no ano que vem. Bevilaqua está interessado na bonificação de até R$ 8  por arroba, para a carne destinada à rede de fast food. Dono de 3,3 mil hectares, o produtor quer capitalizar os ganhos de produtividade alcançados desde 2013, quando aderiu ao Campo Novo. Com 620 hectares recuperados, a produção passou de seis arrobas por hectare para 23 arrobas, quadruplicando a produção da fazenda que cria gado nelore e seus cruzados com angus.

Mas, para o McDonald’s têm valor maior as garantias ambientais dadas por Bevilaqua. A fazenda está, por exemplo, no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que funciona como um  atestado de conformidade. Está, também, em fase final o processo de rastreabilidade do gado inscrito na base de dados do Sistema Brasileiro de Certificação e Identificação de Bovinos (Sisbov), coordenado pelo Ministério da Agricultura.

Outra garantia de peso se refere à queda da emissão de gases de efeito estufa. Ao estimular os produtores a recuperar áreas degradadas e melhorar o manejo do gado, com técnicas como o pastejo rotacionado, o Novo Campo também promove a redução das emissões. Segundo Ciniro Costa Júnior, analista de clima e agricultura do Imaflora, entidade que também é parceira do projeto, as emissões recuaram 80% nas dez propriedades atendidas na primeira fase do programa, entre 2012 e 2014. Elas passaram de 0,40 toneladas de CO2 equivalente, para 0,32 toneladas de CO2 equivalente por hectare. “Ao recuperar as pastagens o pecuarista melhora também a qualidade da alimentação oferecida ao gado”, diz Costa Júnior. “Com isso, o gado digere melhor o alimento, engorda mais e fica menos tempo no sistema de criação.” 

A parcerida entre o McDonald’s e os produtores de Alta Floresta não é a primeira ação da rede para agregar valor à carne. Em 2011, ela se aliou à Associação Brasileira de Angus para vender hambúrgueres com o selo do Programa Carne Angus Certificada. Também não é a primeira ação focada em sustentabilidade. Na Europa, Austrália e Nova Zelândia, todo o café servido nos McCafés é adquirido de produtores certificados pela Rainforest Alliance, entidade internacional do setor. Já o peixe dos sanduíches McFish é certificado pela Marine Stewardship Concil (MSC) e as embalagens recebem o selo Forest Stewardship Concil (FSC), reconhecido em 75 países. Lima diz que, no longo prazo, a distinção entre produto sustentável, ou não, deixará de existir. “A regra, para tudo, será ser correto”, afirma.