A fazenda Reunidas do Espigão, em Espigão do Leste, um distrito de São Félix do Araguaia no município do Vale do Rio Araguaia, em Mato Grosso, todo início de ano se transforma em um mar de soja na primeira safra, até onde a vista alcança. Do total de 11 mil hectares, a área destinada à agricultura, de 5,6 mil hectares, é tomada pelo cultivo da oleaginosa. A foto que abre esta reportagem de DINHEIRO RURAL ainda é um sonho para o Grupo Schlatter, dono da fazenda. Na segunda safra, após a colheita da soja em janeiro, a fazenda cultiva mais mil hectares de milho, e só. No restante da propriedade é plantado milheto, uma cultura que serve como cobertura vegetal para que o solo descanse até a safra seguinte. Mas os dias de terras devolutas estão contados em Espigão do Leste. A empresa quer também fazer da propriedade um mar de algodão. Há três anos, o grupo vem testando o cultivo da fibra, na mesma época do plantio do milho, realizado a partir de janeiro. No ano passado, foram plantados cinco hectares e neste ano foram outros três hectares. “Vamos fazer mais alguns testes nas próximas duas safras e elevar a lavoura do algodão à escala comercial em 2015”, diz Walter Schlatter, diretor-financeiro do grupo. Schlatter considera como uma boa escala pelo menos dois mil hectares plantados.

O desafio de transformar o algodão em uma cultura de peso na região do Vale do Araguaia não é pequeno. Com seus chapadões entre os rios Xingu e Araguaia, o vale se tornou um grande produtor de gado, além de arroz, e mais recentemente, de soja. “Falta o algodão e não é por falta de inspiração, pois Mato Grosso já é o maior produtor do País”, diz Schlatter. “Então, nós vamos apostar que isso também pode acontecer com o vale.” Ele destaca os atrativos de Espigão do Leste, como solo fértil, água e altura propícia à cultura, em torno de 500 metros de altitude. Segundo o produtor, o município pode repetir o que vem ocorrendo em Nova Xavantina, também no Vale do Araguaia. O maior produtor de algodão na região está colhendo na safra 2011/2012 próximo de sete mil toneladas de pluma da fibra, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). “É uma beleza de exemplo”, diz Schlatter. Em todo o Mato Grosso, a safra atual é de um milhão de toneladas de pluma de algodão, mais da metade do 1,9 milhão de toneladas colhidas no País.

A aposta em uma área praticamente virgem para a plantação de algodão, como é o caso de Espigão do Leste, é encarada com naturalidade por Alberto Schlatter, presidente do grupo e pai de Walter. “Para mim, é mais um desafio em uma nova fronteira agrícola”, diz Alberto. “Faltam pesquisas sobre algodão no Vale do Araguaia”, afirma o produtor. “Não sabemos como a planta se comporta em relação ao clima e solo.” Por isso, para acelerar o processo de desenvolvimento da cultura do algodão nessa região de Mato Grosso, o grupo começa a contar com a ajuda de uma instituição de pesquisa, a Fundação Chapadão, em Chapadão do Sul, município de Mato Grosso do Sul, distante 1,1 mil quilômetros de Espigão do Leste.

 

 

TESTES: em Mato Grosso, área será experimental nas próximas safras

A razão de Alberto procurar ajuda no Estado vizinho é simples. O Grupo Schlatter, fundado por ele em 1959 no Paraná, hoje tem sede nesse município sul-matogrossense. “Convidamos a fundação para atuar em Mato Grosso porque ela sempre me ajudou a fazer uma agricultura melhor”, diz Alberto. “Não dá para abrir mão da experiência dos pesquisadores.” A fundação e o grupo terminam em agosto a construção de uma base de pesquisa na fazenda de Espigão do Leste, que contará com laboratório e pesquisadores em tempo integral. Segundo Edson Pereira Borges, diretor-executivo da fundação, agora será possível aumentar e monitorar a área destinada ao algodão na região.

Um dos focos de pesquisa será justamente encontrar para a cultura a sua janela ideal de plantio. Mas os pesquisadores não estudarão apenas a cultura do algodão. O projeto em Mato Grosso também inclui pesquisas com soja, milho e gado. O investimento inicial foi de R$ 1 milhão, divididos entre a fazenda e a fundação. Hoje, a instituição tem 60 agricultores asso ciados. “Com a abertura de outra sede, podemos aumentar a quantidade de associados”, diz Borges. “E se forem todos da estirpe de Schlatter vai ter muita coisa boa pela frente.”

 

“Para mim, é mais um desafio em uma nova fronteira agrícola” Alberto Schlatter, presidente do grupo

 

O Grupo Schlatter opera sete fazendas. Além de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, há áreas em Goiás e no Paraná, de onde o grupo se origina. A produção total de soja, milho e algodão soma 47,8 mil hectares por ano, em duas safras. Além da agricultura, em mais 6,5 mil hectares de pastos são engordados para o abate 13 mil reses da raça nelore. As atividades no campo têm rendido ao grupo R$ 100 milhões, em média, a cada ano. “Se tem uma coisa que não queremos é parar”, afirma Alberto. “A meta é aumentar o faturamento do grupo em 20% ao ano.”

Na fazenda de Espigão do Leste, Alberto espera repetir o que já fez em Chapadão do Sul. Ele chegou ao município em 1997, em uma época que só se produzia soja e milho na região. “Mas achava que o clima e a topografia também eram ideais para o algodão.” Na fazenda de 4,5 mil hectares adquirida no município, logo nos primeiros anos foram introduzidos 600 hectares de algodão como experimento. Quatro anos depois, Alberto teve a certeza de que o negócio era viável. Hoje, considerado o pai do algodão em Chapadão do Sul, ele planta dois mil hectares com algodão. A área total para a cultura é de oito mil hectares, incluindo uma fazenda em Chapadão do Céu (GO), com 2,5 mil hectares plantados, e mais uma em Mato Grosso do Sul, no município de Costa Rica, com 3,5 mil hectares da cultura.

Para beneficiar a produção de algodão – separar o caroço da pluma –, o grupo dispõe de três usinas de beneficiamento, uma em cada município das fazendas de produção. A capacidade é de quase 15 mil toneladas de pluma. Mas esse setor da produção também vem ganhando musculatura. Em Chapadão do Sul, a usina está em fase final de modernização, o que aumentará a capacidade de processamento dos atuais 15 fardos de algodão para 25 por hora.

Na safra 2011/2012, o grupo investiu em máquinas e infraestrutura R$ 20 milhões, dos quais R$ 7 milhões foram destinados exclusivamente para o algodão. “Importamos até uma máquina da Turquia que separa o caroço da pluma no momento da colheita”, diz Walter Schlatter. “Nos próximos anos, com a expansão da capacidade de processamento, poderemos ampliar a área de plantio ou aumentar o beneficiamento da produção de agricultores da região”, diz Walter. “Vai depender do mercado. Se o preço futuro apontar para cima, plantamos mais.” Hoje, além da pluma de algodão produzida pelo grupo, a usina beneficia outras cinco mil toneladas produzidas por agricultores vizinhos.

Da produção total, 50% da pluma é vendida às indústrias têxteis de Santa Catarina, do Paraná, de São Paulo e Minas Gerais. Entre elas estão Vicunha, Coteminas, Fiasul e Tavex, as maiores do setor. Mas pode ser que a pluma de algodão dos Schlatter não precise viajar tanto nos próximos anos, pois os clientes já começam a olhar para o Centro-Oeste. A Vicunha, que transporta a fibra do Centro-Oeste para uma de suas fábricas em São Paulo, vai construir neste ano uma unidade em Mato Grosso. No ano passado, a empresa controlada pela família do empresário Benjamin Steinbruch, dona da CNS, é uma das líderes na fabricação de tecidos como índigo e brim. “A decisão da Vicunha em abrir uma unidade no Centro-Oeste fortalece ainda mais o mercado interno e isso é bom para o produtor”, diz Walter.

Os outros 50% de pluma o Grupo Schlatter repassa às tradings que exportam para Europa, Japão e China. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDI C), a China é o principal destino do algodão brasileiro, com 63 mil toneladas de fibra. Coreia do Sul e Indonésia vêm na sequência, com 50 mil e 47 mil toneladas, respectivamente. “Com as tradings, conseguimos exportar e garantir contratos futuros de compra da nossa produção”, diz Walter.