Analista mundial do RaboBank diz que, apesar dos problemas do setor, existe espaço para o crescimento das vendas de álcool e que agora o açúcar é a vedete da vez

ANDY DUFF

Há dois anos no Brasil, Andy Duff é o especialista global dos mercados de açúcar e etanol do Rabo- Bank, um dos principais financiadores de crédito de carbono e projetos agrícolas no mundo. Com 46 anos de idade e larga experiência no setor, ele acredita que 2009 será um ano em que o açúcar ganhará espaço dentro das usinas brasileiras. Para o futuro, ele projeta bons tempos para o etanol, que, apesar do momento complicado, continua sendo uma grande oportunidade.

DINHEIRO RURAL – Podemos dizer que chegou a vez do açúcar?

ANDY DUFF – Nos últimos dois anos, esse mercado passou por momentos complicados com uma superprodução no mundo e um grande excedente. Os estoques globais estavam muito altos e por isso os preços ficaram depreciados. Especialmente para o Brasil, o pior cenário veio de um câmbio muito valorizado, que não permitia uma competição internacional. A receita em moeda local ficou cada vez menor, com fertilizantes, aço e outras matérias-primas que afetam os custos do setor cada vez mais valorizados. Em paralelo, vimos altos investimentos no mercado de etanol, que passou por um momento de grande expansão. Hoje a situação se inverteu, com o açúcar em alta e o etanol em baixa. Por isso realmente o açúcar passa por um bom momento.

RURAL – O que mudou?

DUFF – A União Europeia, por exemplo, anunciou em 2005 a sua saída do mercado exportador. Com isso, abriu-se um buraco de quase cinco milhões de toneladas para ser coberto por outros países produtores. Isso gerou uma expectativa muito grande e impulsionou investimentos. Além disso, em 2006, havia um sentimento de euforia com novos projetos de bioenergia, o que também demandou investimentos. Alguns países colocaram no mercado quantidades absurdas de açúcar, iniciativa que derrubou os preços. Mas agora isso mudou e a demanda está acima da oferta, o que faz os preços subirem.

RURAL – Quem foram os grandes atores dessas viradas?

DUFF – A Índia com certeza teve um papel muito importante. Aquele país é um dos maiores produtores de açúcar do mundo e, por uma série de fatores, no ano passado, ele produziu muito, o que, somado à produção de outros países, resultou numa superoferta, e isso depreciou os preços. Mas hoje a situação se inverteu e a mesma Índia que exportava passou a importar este ano.

RURAL – É possível afirmar que a Índia, a exemplo do Brasil, também recebeu muitos investimentos no setor de açúcar e álcool?

DUFF – Sim. Podemos dizer que tudo o que aconteceu no Brasil, aconteceu em paralelo na Índia. Mas é interessante notar que a Índia possui um grande mercado interno e não estava tão preocupada com as exportações. Mas por uma questão de oportunidade acabou incorporando um papel de vendedora.

RURAL – A partir de agora o que acontece?

DUFF – Para o açúcar os fundamentos estão mais positivos quanto aos preços. Ao que tudo indica, temos um déficit no mercado internacional. Até porque a Índia está com uma produção muito abaixo da do ano passado, assim como o Paquistão, que é um outro player importante. Existe uma combinação de mudanças que favoreceu a indústria brasileira que passou a ter na venda do açúcar um importante item na composição de suas receitas, somando-se ao etano e à energia elétrica.

RURAL – O câmbio também teve um papel importante…

DUFF – Claro que um mercado apertado de oferta favorece o Brasil. E, com um câmbio melhor para o produtor, a situação fica mais interessante do ponto de vista comercial. No ano passado o mercado observou uma volatilidade muito grande, por causa da operação dos fundos, que atuaram fortemente em diversas commodities. Mas também temos que prestar atenção a certos movimentos de mercado. Por exemplo: não existe um monitoramento de consumo de açúcar e sim um controle de oferta e de estoques. Quando a crise começou, o mercado logo entendeu que haveria uma queda no consumo, o que não aconteceu. Hoje temos um câmbio favorável no Brasil e um mercado comprador.

RURAL – Mas não haveria uma tendência de baixa no consumo de açúcar por causa da crise econômica?

DUFF – Esse é o ponto. Acredito que não. Balas, chocolates e o açúcar que você coloca no cafezinho são itens de baixíssimo valor agregado e as pessoas não vão deixar de consumir por causa da crise. Nenhuma das fontes de mercado com as quais conversei acredita que a demanda de açúcar seja atingida, até porque 65% do consumo mundial está nos mercados emergentes. Nesses países, embora tenham tido o seu crescimento revisado para baixo, a expectativa ainda é positiva, o que é um bom sinal. Não dá para dizer que nada vai acontecer. Existe, porém, uma elasticidade importante que deve manter a demanda como está.

RURAL – Falando de etanol, como podemos pensar nesse mercado no médio prazo?

DUFF – O Brasil tem a vantagem de possuir uma frota de carros movidos a etanol. Então a pergunta que se faz é: Como esse momento de crise afeta o mercado potencial? Fiz uma série de simulações com os diversos cenários e o que se percebe é um aumento da frota de carros flex ainda que num ritmo menos acelerado. Isso vai puxar o consumo de etanol ano após ano. Mesmo trabalhando com uma redução de 50% nas vendas de carros, ainda assim teremos um crescimento de mercado muito respeitável.

RURAL – Por exemplo…

DUFF – Hoje o mercado de carros movidos a etanol no Brasil corresponde a 25% da frota, mas por outro lado são mais de 80% das vendas. Mesmo não sendo possível cravar cifras, dá para perceber que o potencial continua muito bom. No médio prazo, acredito que os Estados Unidos e a Europa vão abrir o mercado para o etanol brasileiro, o que será outro ganho importante. Mas primeiro eles têm de resolver alguns problemas internos, para depois partir para novas parcerias nesse setor.

RURAL – Nos Estados Unidos há a discussão de aumentar a mistura do etanol na gasolina, assim como fez o Brasil. Isso seria um caminho para uma commodity mundial?

DUFF – Sem dúvida. Mas não podemos perder de vista que no momento o preço do barril do petróleo despencou no mercado internacional e aquela necessidade de misturar álcool à gasolina como forma de baratear os custos do combustível diminuiu bastante. No ano passado, eles fizeram uma mistura acima do obrigatória e mesmo assim ainda possuem uma capacidade ociosa.

RURAL – Contudo, eles estão pressionados por causa da concorrência do etanol com os alimentos, o que não acontece no Brasil…

DUFF – Quando começaram esses primeiros projetos de biocombustíveis, acredito que não havia uma clara dimensão das consequências que estariam por vir. A alta do petróleo no ano passado forçou uma corrida por novas fontes de combustível, como milho e trigo. O aquecimento global também tem sido um elemento importante nessas discussões e, com o tempo, acredito que o mundo vai partir para fontes mais competitivas, mas que de alguma forma terão de sair do campo. No Brasil, você tem a cana-de-açúcar, que é uma fonte eficiente. Mas também teremos o etanol de celulose, ou etanol de segunda geração. Hoje, essa tecnologia ainda é muito cara e pouco viável economicamente. Mas com o tempo e com o seu custo baixando haverá uma seleção no mercado.

RURAL – No mesmo caminho da utilização da terra, falase da desconcentração da cana em São Paulo. Como o sr. observa os novos polos canavieiros?

DUFF – Sem dúvida há algumas regiões no Brasil que têm se destacado em investimentos. Nos últimos anos, Triângulo Mineiro, Mato Grosso do Sul e Goiás têm recebido um enorme número de novos projetos, deslocando o eixo do interior paulista. Mas existe também uma expansão dentro de São Paulo, que continuará crescendo. Alguns fatores como a logística em São Paulo e a mão de obra fazem uma diferença importante.

RURAL – Nesse sentido, há espaço para concentração de mercado, com empresas cada vez maiores, fruto de fusões ou aquisições?

DUFF – Claro que, diante do atual momento, existe um grande espaço para isso. Mas sinceramente não sei se, com as atuais circunstâncias econômicas, gastar dinheiro com investimentos tão vultosos seja um bom caminho. Mas que podemos assistir a uma concentração de mercado, isso podemos.

RURAL – Como o sr. enxerga o potencial energético no Brasil?

DUFF – Fizemos um estudo sobre isso e observamos que, sem dúvida, é um benefício para o setor. A grande vantagem da cogeração energética é a visibilidade de preços no longo prazo. Ao contrário do etanol ou do açúcar, cujos preços variam de acordo com o mercado, o usineiro sabe exatamente quanto ele vai ganhar pela eletricidade que produzir. Essa estabilidade faz muito bem para as empresas que sabem que podem contar com aquela receita fixa. Também é um grande benefício para o País, pois se coloca a geração de energia onde há demanda. Houve um esforço muito grande da indústria e do governo para levar essas linhas de transmissão e construir toda essa infraestrutura.

RURAL – Qual a visão do RaboBank sobre o Brasil no mercado agropecuário mundial?

DUFF – Nos últimos cinco anos percebemos um crescente interesse pelo Brasil. Existe um grande monitoramento sobre tudo o que acontece por aqui. Seja no mercado de soja, seja na produção de carne e frango. Nesse período, o Brasil se tornou um importante exportador em diversos setores, o que certamente desperta o interesse de investidores e a preocupação de concorrentes. Por isso, o País tem se colocado no centro das atenções do mercado agropecuário internacional, se posicionando como uma nova oportunidade para eventuais investidores estrangeiros. É claro que a crise econômica pôs um freio nos novos investimentos. Mas no longo prazo existem todas as condições para um novo ciclo de crescimento.