O Brasil já está a caminho de uma das mais profundas transformações no campo, e que se intensificará nos próximos anos. É a digitalização do agronegócio que vai elevar o País à categoria de produtor de alimento com alta tecnologia, baseado na eficiência e em uma larga margem de sustentabilidade econômica, social e ambiental. Isso porque as inteligências no entorno desse processo navegam por todos os setores do agronegócio, antes e depois da porteira. O papel das agtechs, nome dado às empresas de tecnologia aplicadas ao agronegócio, tem sido o de abrir fronteiras, alargar horizontes e mostrar que a tarefa de mudar é imediata. Não por acaso, o Brasil, que hoje é o segundo maior usuário de tecnologias digitais no campo, pode passar os Estados Unidos rapidamente. “Pela primeira vez, o mercado que definirá os líderes de tecnologia está fora do eixo Estados Unidos, Europa e Ásia”, diz Luiz Tangari, CEO da Strider, empresa criada em 2013 e especializada em plataformas digitais para o monitoramento e controle de pragas. Acompanhe:

 

O Brasil tem potencial de fato para liderar a revolução tecnológica digital que está invadindo o campo?

Sim. Nos sistemas de coletas de dados com tablet atingimos 3 milhões de hectares na safra 2016/2017. Nos Estados Unidos, que conta com uma enorme área agricultável, são cerca de 10 milhões de hectares. Nos demais países da América Latina ela é quase zero. Nós estamos crescendo rapidamente. Em 2014, a adoção no Brasil era praticamente nula, enquanto que nos Estados Unidos chegava à metade da atual. Pela primeira vez, o mercado que definirá os líderes em tecnologia está fora do eixo Estados Unidos, Europa e Ásia. No Brasil, os sinais são de uma taxa crescente de adoção de tecnologia, não somente de coleta, mas de rastreamento de máquinas e de uso de satélite para gerar diagnósticos. Outro ponto é a invasão das principais empresas mundiais de agtechs. A americana Climate e a canadense Farmers Edge vieram com forte investimento para o Brasil. O País deve ser a arena que definirá quais serão os atores desse setor.

 

Mas por que o País ainda não lidera essa revolução digital?

Porque ainda é recente o uso dessa tecnologia no País. Mas as empresas rurais que já utilizam estão no mesmo nível de desenvolvimento que as americanas. E não há muita diferença de maquinário, método operacional e processo produtivo entre fazendas no Brasil, nos Estados Unidos, na Ucrânia ou na Austrália.

 

O que esperar do governo?

Ele precisa auxiliar e incentivar a pesquisa. Deveria ter mais empresas como a Embrapa. Outro ponto seria uma política rural mais estável e sem modificações a cada ano.

 

E da iniciativa privada?

Ela tem o papel de disseminar a tecnologia. Precisamos de mais empresas trabalhando com o agronegócio. Existem polos de tecnologia em São Paulo e Belo Horizonte que não conhecem o potencial do setor agropecuário. É necessário mais oferta no campo. Com isso, o mercado caminhará mais rápido para liderar a revolução tecnológica no agronegócio.

O produtor já entende que o investimento em software é para melhorar a gestão na fazenda

Mais tecnologia: a área com sistemas de coleta de dados com tablet dobrou no País para 3 milhões de hectares em três anos

E o que cabe aos produtores?

Os produtores precisam adotar as tecnologias mais rapidamente. Mas tivemos avanços nesses três últimos anos. Em 2014, era preciso explicar o que é software e o termo agtech nem existia. Hoje, em 40% dos contatos que fazemos, os produtores já conhecem o nosso serviço.

 

Como o produtor entende o investimento em software?

O produtor já entende que o investimento em software é para melhorar a gestão na fazenda. Ele vê como um primeiro passo. Mas, para fixar a ideia da tecnologia digital, nós acompanhamos o processo produtivo da propriedade e mostramos ao produtor os ganhos com relação à safra anterior. Medimos os níveis de adoção da técnica, os controles dos processos, os indicadores de produtividade de mão de obra, os prazos de tomada de decisão, entre outros.

Além dos Estados Unidos e do Brasil, quais outros países estão avançados no uso de tecnologia digital no campo e o que o Brasil ainda pode aprender com eles?

Os Estados Unidos estão na frente, seguidos pelo Brasil. Em terceiro lugar está a Austrália e depois vem a Ucrânia. A China e a Índia possuem grandes produções, mas no geral são pouco automatizadas. O que esses países têm de melhor do que a gente é a capacidade de difusão de conhecimento.

Como as agtechs estão se posicionando frente às mudanças que elas mesmas estão provocando?

A mudança está no cliente querendo uma solução mais integrada. Hoje, os produtos oferecidos ao mercado já possibilitam a integração entre as startups. Além disso, o segmento começa a caminhar para oferecer plataformas e não somente um único produto.

 

Como a sua empresa tem captado recursos para investir?

Em 2014, a Strider recebeu uma primeira rodada de investimentos com o fundo brasileiro Barn Invest. No ano passado, eles vieram dos fundos Monashees, que também é brasileiro, e do americano Qualcomm. Somando tudo, o valor é de cerca de R$ 10 milhões. Já o nosso faturamento mensal deve atingir R$ 1 milhão neste mês, com uma receita prevista de R$ 15 milhões no ano. Em 2016, faturamos R$ 7 milhões. Atualmente, somos os maiores do País, com 60% do mercado. Nossa área monitorada é de 2 milhões de hectares, 96% da área monitorada no Brasil.

 

Como o sr. vê o futuro do negócio?

Nós somos uma empresa de plataforma, mas no médio prazo o plano é ser uma companhia de dados, que indicará tendências aos produtores, igual ao Google. Como os dados são de propriedade dos clientes, ainda vamos ver como gerenciar essas informações. Também cogitamos mais investimentos para uma expansão internacional depois de 2018. Estamos conversando com empresas americanas e vamos precisar de algo entre US$ 10 milhões e US$ 20 milhões.