Recordes de preço, aumento de produção e vitória do País na Organização Mundial do Comércio (OMC) podem levar o País a ter uma maior participação no mercado mundial da pluma

Criado com um fundo do governo americano para compensar os produtores brasileiros de algodão devido aos subsídios pagos pelo governo dos EUA aos produtores daquele país, o recém-lançado Instituto Brasileiro do Algodão (IBA) está com muitos planos para o setor. Em entrevista à DINHEIRO RURAL , o presidente da entidade, Haroldo Rodrigues Cunha, fala dos projetos do IBA e faz uma análise das perspectivas da produção nacional.

Dinheiro Rural – A Organização Mundial do Comércio (OMC) condenou o governo dos Estados Unidos a compensar os produtores brasileiros prejudicados pelos subsídios pagos aos produtores americanos. Que período foi considerado para cálculo e qual o valor da indenização?

HAROL DO CUNHA – A regra na OMC é analisar o período a partir do qual o Brasil questionou a implementação de suas determinações pelo governo americano, a partir de 2006. Considerando a realidade de mercado distinta naquele momento, foi dado ao Brasil o direito de retaliar os Estados Unidos em US$ 147,5 milhões, anualmente, enquanto o programa de subsídios domésticos não for adequado ao entendimento da OMC. O programa de subsídios de crédito de exportação, por outro lado, deu ao Brasil o direito de retaliação em US$ 682 milhões, de acordo com o ano fiscal americano de 2008. Esse valor varia a cada ano, em função dos recursos destinados ao programa de garantia de crédito para exportação, chamado de GSM 102, que inclui outras culturas além do algodão.

Dinheiro Rural – Como serão repassados esses recursos ao Instituto Brasileiro do Algodão (IBA) pelos EUA?

CUNHA – Os recursos vêm de uma fonte do Tesouro americano e são depositados em uma conta bancária do instituto nos Estados Unidos, em parcelas mensais, enquanto o memorando de entendimento entre os dois países estiver vigente. Os primeiros repasses aconteceram em junho de 2010 e as parcelas são depositadas ao final de cada mês.

Dinheiro Rural – De que maneira o IBA vai aplicar essa verba?

CUNHA – A aplicação dos recursos vai obedecer ao planejamento estratégico do IBA, que está sendo trabalhado desde fevereiro. Os temas que originarão os projetos podem ser apresentados pela assembleia do instituto, representada pelas associações estaduais de produtores de algodão, pela Abrapa e por órgãos da administração pública federal, ficando a palavra final com o conselho gestor.

Dinheiro Rural – Em que setores o IBA vai atuar no mercado brasileiro de algodão?

CUNHA – O memorando de entendimento define as áreas de atuação do IBA. De acordo com as prioridades apresentadas pelas associações de produtores, os investimentos devem se concentrar em infraestrutura, projetos de sustentabilidade socioambiental, treinamento e capacitação de trabalhadores e produtores, promoção do uso do algodão e serviços de informação de mercado, entre outros. Também serão aplicados recursos na cooperação internacional, que deve se concentrar inicialmente nos países conhecidos como Cotton 4: Burkina Faso, Mali, Chade e Benin.

“O governo dos EUA pagará US$ 147,5 milhões por ano ao Brasil, se seus subsídios não forem adequados para a OMC”

Barack Obama, presidente dos EUA

Dinheiro Rural – Já existem projetos socioambientais em andamento?

CUNHA – O IBA só formalizará suas parcerias quando o trabalho de sua estruturação for concluído. É fundamental criar a estrutura de processos que vai reger o funcionamento do IBA antes de começar a operacionalizar projetos. Esse trabalho está sendo executado com o apoio da Fundação Dom Cabral e deve estar finalizado em maio.

Dinheiro Rural – Neste início de 2011, o preço do algodão registrou a maior cotação dos últimos 140 anos. Quais os fatores que levaram a esse recorde histórico?

CUNHA – Após a crise de 2008, os preços do algodão caíram intensa e rapidamente. O reflexo disso foi a redução da área de plantio do produto em todo o mundo. Quando a economia mundial começou a se recuperar, principalmente nos países em desenvolvimento, os estoques voltaram a ser consumidos. A situação se agravou em função da queda de produção em alguns importantes produtores, no ano passado. Essa combinação de aumento da demanda e redução de área plantada e da produtividade, por problemas climáticos, foi o estopim para que os estoques mundiais sofressem uma drástica diminuição, sinalizando ao mercado a iminente falta de algodão.

Dinheiro Rural – Qual o impacto da alta dos preços para a indústria têxtil no mercado interno e externo?

CUNHA – O algodão representa cerca de 30 % do custo da produção do fio. Nos processos subsequentes, a participação do algodão, como componente do custo de produção do produto acabado, vai sendo cada vez menor. O impacto maior é para a indústria de fiação. O repasse do custo é uma questão de mercado e está ligado ao preço dos fios sintéticos, que começam a ter sua utilização em maior proporção nos tecidos, para reduzir custos.

Dinheiro Rural – A alta de preços levou a indústria brasileira a aumentar a importação de fibras artificiais. A estimativa da Abit é de que estes produtos avancem 10% no mercado. O IBA pode adotar alguma medida para o algodão não perder espaço?

CUNHA – Não há medida a ser tomada. É questão de mercado, os fios sintéticos ganham espaço por estarem mais baratos. Entretanto, não podemos esquecer que os fios sintéticos detêm mais de 60% do market share mundial de fibras. No Brasil, o algodão ainda tem mais de 50% de participação no mercado. No médio e longo prazo, o IBA pretende desenvolver um programa de incentivo ao uso de algodão para reverter essa tendência de queda.

Dinheiro Rural – De quanto foi a produção nacional de algodão em pluma na safra 2009/2010 e qual a estimativa para a de 2010/2011?

CUNHA – Na safra 2009/10 foi produzido cerca de 1,1 milhão de toneladas. Para a atual, a estimativa é que seja colhido 1,9 milhão de toneladas, o que representa cerca de 73% de aumento.

Dinheiro Rural – Do volume estimado da produção da próxima safra, quanto já está comprometido com os mercados interno e externo?

CUNHA – Acredito que cerca de 60% da produção esperada já esteja vendida. Trata-se de alguma coisa entre 1,1 milhão e 1,2 milhão de toneladas.

“O alto custo de produção e o real muito valorizado comprometem a rentabilidade da cotonicultura”

Dinheiro Rural – Essa alta dos preços está estimulando os produtores brasileiros a destinar áreas maiores para o cultivo do algodão?

CUNHA – Sim. A previsão é de que o aumento da área plantada seja de cerca de 60%, passando dos 835 mil hectares da safra passada para cerca de 1,330 milhão de hectares nesta safra.

Dinheiro Rural – Quais são os fatores que comprometem a rentabilidade do setor?

CUNHA – São muitos. O alto custo de produção e o real muito valorizado em relação ao dólar têm sido os fatores que mais têm comprometido a rentabilidade da cotonicultura. Além, é claro, das deficiências da logística e da infraestrutura.

Dinheiro Rural – Qual a posição do Brasil no cenário mundial?

CUNHA – O Brasil ocupa hoje a posição de quarto maior produtor e exportador mundial. Na produção, estamos atrás de China, Índia e Estados Unidos, superando o Paquistão nesta safra 2010/11. Na exportação, o Brasil vem atrás de Estados Unidos, Índia e Usbequistão.

Dinheiro Rural – Como ficam as exportações com a variação cambial?

CUNHA – A variação cambial influencia na rentabilidade, sendo minimizada em momentos de preço alto como agora. O problema é quando voltarmos a níveis abaixo de US$ 1 por libra peso, o que deve acontecer em 2012. Se o real continuar a se valorizar, a rentabilidade fica ameaçada, podendo fazer com que haja uma redução de área, da produção e do volume exportado também.