24/10/2012 - 15:20
O Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais, a 650 quilômetros de Belo Horizonte, é uma das áreas mais pobres do Estado. A região contabiliza cerca de 300 mil pessoas em situação de miséria, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e é um poço de contradições. Tomado por pequenas propriedades, o Vale convive com secas constantes e poucos investimentos no campo. Mas tem solo fértil e um subsolo riquíssimo, com abundantes jazidas de lítio e granito. Foi nesse cenário que o pecuarista Osvaldo Miranda Murta Filho, dono da fazenda Jacutinga, no município de Joaima, conseguiu fazer de sua propriedade um modelo de gestão sanitária para o gado. A fazenda abriga um rebanho de 12 mil animais, entre nelore e guzerá. “Foi cuidando da saúde dos animais que consegui fazer uma pecuária moderna”, afirma Murta Filho.
Hoje, as fêmeas mais precoces estão prenhes aos 14 meses e a idade média para todo o rebanho é de 24 meses. No Brasil, a idade média para as fêmeas entrarem em reprodução varia de 30 a 36 meses. “Quando tratamos os animais corretamente o resultado é imediato”, diz Murta Filho.
Em sua propriedade de 5,4 mil hectares, Murta Filho faz o ciclo completo, que vai da cria à recria e à engorda do gado. No caminho que vai da entrada da fazenda até a sede é fácil entender por que a propriedade, explorada há 35 anos, é um brinco. O cuidado vai das cercas pintadas de branco que dividem os pastos até a organização do curral, que conta com um galpão para guardar os medicamentos aplicados no gado, entre eles os remédios destinados a combater parasitas, como carrapatos e verminoses. “A sanidade sempre foi uma preocupação acima da média para mim”, diz Murta Filho. Segundo ele, no Brasil é comum ver propriedades que dedicam boa parte dos cuidados com os pastos ou as instalações da fazenda e se esquecem da gestão sanitária do rebanho. Murta Filho dá tanta importância ao assunto que já fez, junto com os peões da fazenda, vários cursos de manejo sanitário oferecidos pelos técnicos do laboratório Merial, hoje controlado pelo grupo francês Sanofi.
A fazenda Jacutinga abate quatro mil animais por ano com 30 meses de idade, criados totalmente a pasto. Mas os mais precoces são abatidos aos 26 meses. O pecuarista calcula que o gasto com medicamento, por animal, é de R$ 11,42 ao ano. A quantia não representa nem 0,5% do que hoje ele consegue por boi gordo vendido ao frigorífico, de R$ 3,2 mil por animal (R$ 88 por arroba). “A parcela gasta com medicamento representa muito pouco na planilha de custo da fazenda”, diz Murta Filho. “Há 20 anos, o custo com medicamentos por animal ao ano era de R$ 64, em valores atualizados.” A queda dos gastos para tratar um animal foi de 82% no período. Murta Filho diz que há gastos muito mais elevados na fazenda, como o sal mineral, que pode chegar a 30% do preço da arroba. O pecuarista também lembra que há dez anos, com a venda de um boi, era possível medicar 50 animais. Hoje, com a venda de um boi, é possível tratar até 280 animais. “Consegui essa relação de custo porque aprendi a não descuidar do rebanho”, diz Murta Filho. “O negócio é prevenir.”
Filho de fazendeiro, Murta Filho, que é administrador de empresas, diz que em toda a sua história como pecuarista, quando os preços da arroba do boi foram para baixo, estreitando a margem de lucro, ele jamais pensou em cortar os gastos com o manejo sanitário do rebanho. “Fazer economia por aí é um retrocesso na engorda dos animais.” A depender do caso, como um ataque de carrapatos, por exemplo, um boi deixa de ganhar até 30% do peso em um mês. Para ele, a saída sempre foi eliminar ou diminuir os gastos pessoais, como viagens e compra de automóveis ou produtos de supérfluos. “Se o fazendeiro cortar os medicamentos dos animais, depois ter que gastar o dobro para recuperar o peso que o gado perdeu”, diz.
Na fazenda Jacutinga, há quatro retiros para o manejo do gado. Em dia de aplicação de medicamentos ou vacinas, o fluxo diário pode chegar a 500 animais tratados, por retiro. Mas, nem sempre os quatro retiros são usados simultaneamente. “Não tenho tanto pessoal para movimentar quatro retiros ao mesmo tempo e nem tenho essa necessidade”, diz. “Nossa atenção é para que não haja perda de tempo com animais com características diferentes. Por exemplo, misturar vacas velhas com as muito jovens.”
Para o médico veterinário Luiz Marcelo Soeiro Pinheiro, coordenador de território da Merial, não existe uma fórmula mágica na gestão sanitária do rebanho. Cada propriedade tem um calendário específico, criado com base nas suas necessidades. “Cada caso é um caso”, diz Pinheiro. “Não adianta copiar o que o outro pecuarista faz, é preciso entender qual a sua necessidade e a de sua fazenda.” A Merial oferece serviços que ajudam o fazendeiro a ter um plano de saúde personalizado para a propriedade, além de dar cursos nas fazendas e também pela internet. “Aplicar um produto certo, na hora e na quantidade corretas, não é uma tarefa simples”, diz Murta Filho. Segundo Pinheiro, erros na aplicação de medicamentos podem comprometer o lucro da fazenda porque, além de interferir no ganho de peso dos animais, afetam o estado corporal das fêmeas destinadas à reprodução. “Atualmente, fica sem assistência quem quer”, diz Murta Filho. No País, não há empresa da área de saúde animal, entre elas a MSD, a Pfizer, a Bayer e Dow AgroSciences, que não tenha algum tipo de apoio ao pecuarista na área de gestão sanitária.
De acordo com Pinheiro, toda planilha de gestão sanitária necessita de método e de anotações precisas de datas e quantidade utilizada. Ele dá como exemplo o uso de carrapaticidas e de ivermectinas, que são princípios ativos de medicamentos para combater as verminoses do gado. “É bom que o pecuarista use a época de vacinação contra a febre aftosa para ministrar esses medicamentos”, diz Pinheiro. “Fica mais fácil gerenciar o gado.” Isso parece um conselho óbvio, mas ainda hoje muitos pecuaristas não unificam o manejo sanitário em datas específicas, principalmente os pequenos e médios. Usar os remédios certos para verminoses pode ajudar um animal a ganhar pelo menos 20% a mais de peso. E não é de hoje”, diz Pinheiro. “Neste ano, os medicamentos à base de ivermectinas completam 30 anos e continuam uma unanimidade entre os pecuaristas que apostam em gestão sanitária.” Murta Filho diz que em sua fazenda cada animal é levado ao curral quatro vezes ao ano para a aplicação de medicamentos e vacinas. “Foi uma revolução nas últimas décadas.” Nos anos 1980, por ano cada animal ia pelo menos nove vezes ao curral. “Nada é mais estressante para um animal que sair da sua rotina”, diz Pinheiro. Quando o gado é levado ao curral, o estresse causado faz com que ele coma menos capim quando volta para o pasto. “Isso também significa mais tempo para que um boi gordo seja vendido ao frigorífico”, afirma Murta Filho.