A hora do pulo: produzindo a todo vapor, Henrique agora quer parceiros para distribuir e comercializar seus produtos

Responda rápido: o que a profissão de músico e a de produtor rural têm em comum? Aparentemente, nada, não é? Não é o que pensa o mineiro Henrique Portugal. “São duas atividades de risco, cujas chances de fracasso são grandes”, diz Portugal. Repleta de sentido, essa afirmação, que pode ser constatada no dia a dia de milhares de artistas que não deram certo ou de empreendedores do campo descapitalizados, não vale, no caso de Portugal. Consagrado como tecladista da banda Skank, com 20 anos de estrada, 11 álbuns produzidos e mais de 5,5 milhões de cópias vendidas, entre um show e outro ele encontra tempo para se dedicar a uma nova atividade, o cultivo da exótica neem (pronuncia-se “nim”). Originária da Índia, a planta é considerada a árvore da vida para os indianos. Não por acaso. A azadiractina, princípio ativo da árvore, é capaz de combater mais de 400 pragas de culturas diversas. Pesquisas comprovam o poder do óleo extraído dos frutos, também como repelente natural e no combate a pulgas em cães e carrapatos em bovinos. Desde meados dos anos 1960, a Organização das Nações Unidas (ONU) estimula o uso do óleo de neem como bioinseticida, em substituição aos agrotóxicos. “O potencial dele e seus benefícios são fantásticos”, afirma Portugal, que também investe com outros sócios no cultivo de eucalipto e de pinus, em Santa Catarina (neste último, a parceria é com o baterista Haroldo Ferretti, seu companheiro de banda.)

O tecladista se encantou com os múltiplos usos do neem há oito anos. Na ocasião, encontrou nos amigos Victor Janot Pacheco Filho e Sueli Vieira Rodrigues, que já plantavam a árvore, os parceiros ideais para investir no plantio. Sueli conheceu o neem em Israel.

De volta ao Brasil, apostou no cultivo orgânico da planta, em sociedade com Victor, um engenheiro que decidiu se dedicar ao novo negócio. “Estudamos a fundo todas as características e potencialidades do neem”, diz Sueli. Nascia aí a marca Bioneem. O trio cultiva cerca de 80 mil árvores em dois mil hectares, na região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. São três fazendas, localizadas no município de Itinga, lugar de difícil acesso, mas com o microclima ideal para o cultivo da árvore. “Aqui temos altas temperaturas e muita luminosidade”, diz Sueli. Por causa do clima favorável, as árvores são precoces. Enquanto em outras regiões elas começam a produzir entre o 5º e 7º ano, no Vale do Jequitinhonha elas produzem entre o 2º e 3º ano. Para Portugal, o difícil acesso à região é um ponto positivo. “Com isso, não temos risco de contaminação com resíduos de propriedades vizinhas.” Por outro lado, a distância dos centros de produção agrícola do País dificulta a logística e distribuição.

É justamente nesse ponto que Portugal busca novas parcerias. Com a estrutura montada e funcionando a pleno vapor, o trio procura um parceiro para atuar na logística. Ao todo, ele calcula que os três já investiram cerca de R$ 3 milhões no negócio. Mas não revela os lucros. Adianta, apenas, que já trabalham com as contas “no verde” há quatro anos. “Estamos prontinhos, só precisamos de alguém que conheça a logística de distribuição e comercialização e assuma esse trabalho”, diz Portugal.

Atualmente, a Bioneem produz inseticidas, pesticidas e óleos especiais para combater carrapatos e moscas em bovinos. Também tem uma linha para uso doméstico. Tudo na própria fábrica, localizada em uma das propriedades. A capacidade de produção é de 20 mil litros de óleo ao mês. De lá saem embalagens pequenas, de 100 ml, para uso doméstico, por cerca de R$ 10, até as de uso extensivo, em galões de 20 litros, ao custo médio de R$ 600.

Para produzir um litro de óleo, são necessários entre 5 e 6 quilos do fruto. Quando atinge a maturidade, cada árvore pode render até 50 quilos de frutinhas por ano. Já as folhas são desidratadas e transformadas em um pó, que pode ser usado para fabricação da pasta de neem. Misturada ao sal mineral fornecido para bovinos, ela age como vermífugo. Os produtos, antes com o selo da Ecocert, passarão a ser certificados pelo IBD, principal certificadora para orgânicos no País.

 

 

A Bioneem conta com clientes em todas as regiões do Brasil e exporta para a Europa, Argentina e Chile. Agora, os sócios se preparam para lançar uma linha para controle de pulgas e carrapatos em animais domésticos, além de um óleo para avicultura. Segundo Sueli, o óleo controla ácaros em galinhas poedeiras, representa menor custo de produção e maior sanidade dos animais. Enquanto o intervalo de aplicação no produto convencional gira entre cinco e sete dias, o uso do neem permite intervalos de três semanas e faz com que o ácaro não desenvolva resistência ao produto. Além disso, é mais seguro para a saúde humana. “O pesticida comum deixa resíduos nos animais e nos ovos”, afirma. Para o produtor rural que optar pelos produtos derivados de neem, a economia no uso de pesticidas pode chegar a até 30%.

Multiúso: com Victor e Sueli, Henrique apostou nos benefícios do óleo de neem como biopesticida

As primeiras sementes de neem chegaram ao Brasil, em 1993, importadas pelo pesquisador Belmiro Pereira das Neves, da Embrapa Arroz e Feijão. Ele é autor de um dos raros estudos brasileiros sobre a planta. A escassez de publicações nacionais, aliás, é considerada uma das dificuldades para a expansão do mercado do neem. “Já importei muitos livros, porque não há nenhuma publicação por aqui”, diz Portugal. Na Índia, a Neem Foundation, organização sem fins lucrativos, se dedica a divulgar os benefícios do cultivo da árvore e uso dos subprodutos para a saúde humana e para o bem do planeta. Entre seus conselheiros, estão pesquisadores de diversas partes do mundo – nenhum brasileiro.

“Queremos popularizar as soluções sustentáveis para o planeta e o bemestar das pessoas”, diz o texto no site da instituição. Se depender do trio mineiro, o neem ganhará muito espaço. Portugal, que se considera um idealista, encara a produção de orgânico no Brasil um desafio. ” Já realizei um sonho, como músico”, diz. “Agora estou realizando outro: produzir a partir de uma árvore exótica. É ou não é muita sorte?”