A produção agrícola brasileira deu um salto entre 2010 e 2019. A taxa média anual de crescimento foi de 2,3%, quase o dobro da média mundial de 1,4% na mesma década, como mostrou relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Boa parte da performance se explica pelo alto investimento realizado em tecnologias de ponta para aumento da produtividade. Mas essa rápida modernização do campo tem cobrado um preço alto do setor: a falta de mão de obra qualificada.

Em dois anos faltarão 82% dos profissionais necessários para o mercado

De tratores e colheitadeiras autônomas a drones de alta definição, inúmeras ferramentas digitais estão disponíveis para os produtores rurais. O problema é que, para operá-los, são necessários profissionais com competências específicas. No agro, os desafios são ainda maiores já que além do conhecimento em tecnologia da informação (TI), são necessárias formações próprias do setor como fitotecnia e zootecnia. Essas são apenas algumas das condições essenciais para entender as peculiaridades da atividade, segundo o professor da Fundação Getúlio Vargas Agro, Felippe Serigati. “Tem algumas habilidades e conhecimentos técnicos que são demandados com atributos bastante heterogêneos, característicos do próprio setor”, disse. Por isso, o especialista acredita que o caminho para muitas empresas será formar seus próprios profissionais.

Essa foi a estratégia escolhida pelo Grupo Pivot. Uma das maiores concessionárias de maquinários agrícolas e sistemas de irrigação do País, a empresa goiana decidiu há três anos criar um programa de treinamento para profissionais interessados em trabalhar na área. O Pivot Training já formou mais de 100 profissionais especializados em manutenção de modernos tratores e maquinários. Segundo o diretor executivo da companhia, Cauê Campos, a estratégia deu resultados e de uma turma de estudantes, 30 profissionais foram contratados. “Após o treinamento que demos, eles se tornaram técnicos e montadores aqui na empresa, essenciais para o pós-venda de máquinas sofisticadas”, disse.

Tais profissionais já chamam atenção do mercado, o que motivou a Pivot a ir além e criar programas para reter seus talentos. “A capacitação transformou a vida dessas pessoas”, afirmou Campos. O ganho foi para as duas partes. “Nós conseguimos a mão de obra que precisávamos, e eles aumentaram sua empregabilidade”, afirmou. Somente neste projeto a empresa investe R$ 1,2 milhão por ano. Na outra ponta, conseguiu elevar em 30% seu faturamento, chegando a R$ 1 bilhão em 2022. Por isso, o plano é seguir com o programa de capacitação.

MODELOS Mas há companhias que, para a mesma questão, usam estratégias diferentes. Exemplo da Case IH que em vez de internalizar os cursos, fechou parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) para realizar os treinamentos dos seus mecânicos. Para Eduardo Penha, diretor de Marketing e Comunicação para a Case IH para América Latina, o investimento de cerca de R$ 36 milhões feito na área nos últimos três anos compensa com benefícios que chegam ao cliente. “Tudo para que o produtor tenha informação do campo em tempo real”, afirmou o executivo.

Além de conhecer a parte de tecnologia, o desafio dos profissionais é saber também sobre fitotecnia e zootecnia

Se para grandes propriedades rurais já é hercúlea a missão de atrair talentos, imagine para fornecedores que não estão diretamente relacionados à produção agrícola. Esse é o desafio enfrentado pela Yssi. A startup especializada em projetos voltados para Internet das Coisas (IoT) mantém projeto para instalação de torres que formam centros de comando da TIM. Os chamados klusters criam a estrutura necessária para que seja possível dirigir uma colheitadeira remotamente com alta precisão. Segundo Frederico Samartini, CEO da Yssi, ainda que haja serviço, faltam recursos humanos. “Não temos gente para manutenção de torres e nem para configurar máquinas em alguns locais mais remotos”.

“Decidimos treinar nossos profissionais para o pós-venda das máquinas” Cauê Campos grupo pivot (Crédito:Divulgação)

No caso da Yssi há ainda o diagnóstico de necessidade de aperfeiçoamento também na diretoria dos clientes. “Muitos não conseguem nem enxergar os ganhos e têm medo de gastar com algo que não entendem”, afirmou. Foi assim que a empresa lançou um curso de mestrado para executivos. Junto a 106 multinacionais eles apresentam novas tecnologias aos profissionais do agronegócio. “O Master Yssi não é para dar teoria. É aula prática para quem decide por um projeto saber como gerar retorno”. As aulas são híbridas e o plano da Yssi, além da formação, é servir como um “shopping center” onde os clientes poderão conhecer e contratar todo tipo de solução. Dois coelhos numa cajadada só.

TENDÊNCIA Mesmo com dificuldades, a mudança para o trabalhador é inexorável. De acordo com o levantamento Profissões Emergentes na Era Digital: Oportunidades e Desafios na Qualificação Profissional para uma Recuperação Verde mostra que, nos próximos 10 anos, oito novas profissões devem ganhar destaque na agricultura. Todas elas, com forte componente da tecnologia. São elas: técnico em agricultura digital, técnico em agronegócio digital, engenheiro agrônomo digital, operador de drones, agricultor urbano, engenheiro de automação agrícola, cientista de dados e designer de máquinas agrícolas.

A estimativa do estudo é que nos próximos dois anos, essas carreiras gerem 178,8 mil oportunidades de vagas, mas só 32,5 mil profissionais estarão disponíveis para preenchê-las, o que representa um gap de 82%. Em médio e longo prazo (10 anos), o número cai para 55%. Mesmo com a retração, a diferença é alta. E nela duas faces da mesma moeda. Para os contratantes, um grande desafio. Para trabalhadores, um oceano azul para crescer profissionalmente.

“Há executivos que nem entendem quais serão os ganhos com o uso da nova tecnologia” Frederico Samartini Yssi (Crédito:Divulgação)