30/03/2014 - 18:37
Baixa oferta mundial de trigo faz com que os moinhos Brasileiros tenham de desembolsar 20% a mais para comprar a matéria-prima. Com isso, vai soBrar para o consumidor
O pãozinho nosso de cada dia deve ficar mais caro a partir deste mês, garantem os maiores moinhos de trigo do País. Por conta dos estoques mundiais do cereal em baixa, somados às restrições das exportações da argentina pelo governo da presidente Cristina Kirchner e aos problemas climáticos nos Estados Unidos, o cereal ficou pelo menos 20% mais salgado de janeiro a março deste ano. Com isso, a expectativa é de que o consumidor sinta no bolso uma alta de pelo menos 5%, já que o trigo é responsável por 40% dos custos de produção das panificadoras. “Vamos repassar essa alta neste mês à indústria”, diz Christian Saigh, vice-presidente do Moinho Santa Clara, de São Caetano do Sul, no ABCD Paullista, e um dos destaques no prêmio AS MELORES DA DINHEIRO RURAL, na categoria MOINHOS, MASSAS E PÃES. “Nossos custos estão mais altos e precisamos recompor nosso capital de giro.” Neste ano, o Moinho Santa Clara prevê um faturamento de r$ 190 milhões, crescimento de 5% sobre as vendas de 2013.
Não foram apenas os custos que ficaram mais altos. desde o ano passado, a rotina de compra de matéria-prima no Moinho Santa Clara virou de cabeça para baixo. Isso porque o principal fornecedor da matéria-prima, a Argentina, vem dificultando as exportações do cereal para derrubar os preços internos e segurar a inflação. No ano passado, os hermanos venderam ao Brasil algo em torno de 2,5 milhões de toneladas do cereal, a metade do embarcado em 2012, o que forçou as empresas brasileiras a abastecer-se na América Central, nos Estados Unidos e no Canadá. a mudança trouxe, além de valores mais elevados para matéria-prima e transporte, a obrigação de um calendário de compras alinhado com os estoques – afinal, o prazo de entrega passou de 15 dias, para as compras feitas da Argentina, para até mais de 40 dias, dos Estados Unidos.
“Antes, não tínhamos a necessidade de estocar trigo”, diz Saigh. “agora temos de nos programar, torcer por um preço bom e por um câmbio favorável, além de comprar em maiores quantidades. Segundo João Carlos Veríssimo, conselheiro da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), desde o bloqueio argentino, os Estados Unidos, que vendiam 54 mil toneladas de trigo ao Brasil por ano, passaram a exportar quatro milhões de toneladas, assumindo a ?liderança nas vendas ao País. Mas até então, como os americanos tinham colhido uma boa safra do cereal, os preços não chegaram a causar problemas aos moinhos brasileiros, que compravam a matéria-prima a US$ 300 a tonelada. Neste ano, os preços se mantinham no mesmo patamar de 2013, durante o mês de janeiro. No entanto, em março os valores chegaram a US$ 360 a tonelada. “A seca, que afeta as lavouras de trigo dos estados unidos, trouxe uma grande insegurança para o mercado mundial, e os preços subiram”, diz Veríssimo. “Não podemos esquecer que os moinhos não pagam só o valor cotado na bolsa, mas também o transporte e os impostos.”
É justamente no transporte e nos impostos que o calo aperta, garante Laurence Pih, presidente do maior moinho da américa latina, o Pacífico, que processa mais de 350 mil toneladas da matéria-prima por ano. Segundo ele, se os valores fossem apenas os US$ 360 por tonelada, estariam parecidos com a cotação da produção nacional, que chegou a 1,8 milhão no ano passado, algo em torno de R$ 900 a tonelada. Entretanto, incluindo-se o frete marítimo, os impostos de entrada no País e o transporte até o moinho, o valor salta para mais de uS$ 485 a tonelada. “Não temos outra saída a não ser comprar dos americanos”, diz Pih. “Se os produtores brasileiros melhorassem a qualidade do seu trigo, eles, nós e os consumidores ganharíamos.”
Para Saigh, diante do atual cenário, os produtores brasileiros, principalmente os do Rio Grande do Sul, que produzem apenas 30% de trigo pão, considerado de alta qualidade na utilização da produção de pães e massas finas, deveriam repensar o plano de produção e deixar a quantidade de lado e apostar em qualidade. o próprio Ministério da Agricultura já tomou providência para que isso aconteça, com a implantação das novas normas para o trigo brasileiro, que entraram em vigor em julho do ano passado. As novas regras fazem diferença, principalmente, na área de comercialização, garantindo ao produtor de trigo de alta qualidade um preço justo pela sua produção. No entanto, a realidade mostra que o dia da autossuficiência está ainda distante: na melhor das hipóteses, o País deverá colher 2,2 milhões de toneladas de trigo na safra deste ano, pouco mais de um quinto do consumo total. “O pouco de trigo que tínhamos aqui já acabou, e nem deu para o cheiro”, diz Saigh. “o produtor tem de acordar, senão vai ter de mudar de setor.”