01/07/2010 - 0:00
“No momento em que pisei nos primeiros pomares, me apaixonei pela noz” José Eduardo Mendes Camargo, produtor e exportador
Dois Córregos, no interior de São Paulo, é uma cidadezinha pacata, onde as pessoas se orientam pela “rua que sobe” e a “rua que desce”, entremeadas pela praça da igreja. Já foi cenário de filme de Carlos Reichenbach, e tornou-se referência na literatura desde que passou a sediar o Festival Internacional da Poesia. Das janelas das casas, que dão na calçada, pode-se ver um dos “points” da cidade, a Sorveteria Ponto Chic, que nos fins de semana recebe clientes de toda a região. A especialidade? Sorvete de macadâmia. A iguaria tornou-se o carro-chefe do lugar e une todos os pontos desta história: a poesia, o cinema e a rentável produção de macadâmias, que deu a Dois Córregos o título de maior produtor brasileiro da noz. O responsável por esta estrofe de sucesso é um ex-usineiro, poeta, um pouco ator (ele fez figuração no filme), mestre em artes marciais e ex-professor de administração rural da Fundação Getulio Vargas (FGV), que descobriu no Havaí a nobreza da macadâmia e a transformou numa rentável alternativa agrícola. A produção, que tem demanda garantida no exterior, pode ser boa substituta para áreas de cana que estão prestes a ser abandonadas com a mecanização obrigatória da lavoura até 2017.
Mercado certo: de Dois Córregos, as amêndoas seguem para EUA, Europa, Ásia e América do Sul
José Eduardo Mendes Camargo é um doiscorreguense de 60 anos e produtor rural dos mais exóticos já vistos na praça. Está sempre entabulando ideias novas. Saiu cedo da cidade para estudar (foi o primeiro garotinho da cidade a aprender inglês, por vontade própria), mas nunca rompeu os laços com suas origens. De volta à terrinha, iniciou sua incursão pelo agronegócio nos anos 80 ao assumir a direção da usina da família, a Santa Adelaide, hoje arrendada para um grupo sucroenergético. “Por muitos anos, procurei uma alternativa para consorciar os canaviais. Tentei tudo: nectarina, abacaxi, limão tahiti… Um dia, um amigo me falou sobre as macadâmias e me interessei pelo tema”, diz o poeta, que desembarcou no Havaí em 1989 em busca de informações sobre a rainha das nozes. “Foi amor à primeira vista. De imediato, senti que daria certo aqui no Brasil.” Do Havaí, partiu para a Austrália (país de origem da macadâmia), Nova Zelândia e África do Sul, poderosos polos produtores. Na bagagem, trouxe dez mudas que deram origem às atuais 80 mil árvores que cultiva nos 415 hectares e que rendem até US$ 1,6 milhão por safra. “Estas árvores são nosso terceiro filho”, destaca Maria Teresa Egreja Camargo, esposa de José Eduardo. Ela, também descendente de uma tradicional família canavieira, trocou a vida de dona de casa (“Eu fazia geleias em casa para vender por aí”) para ser a cabeça financeira do negócio. “Estou aqui fazendo a folha de pagamento dos nossos 150 funcionários, conversando com a DINHEIRO RURAL e organizando uma viagem à China, para o Congresso Mundial de Macadâmias. É uma loucura.”
A macadâmia é o único produto agrícola australiano conhecido internacionalmente.
Árvores da família: Maria Teresa coordena os negócios como quem cuida de um filho
Do plantio à primeira safra, são quatro anos de espera. Isso quer dizer que, de 1989 a 1993, José Eduardo ficou matutando planos para a primeira colheita. Chamou Pedro Toledo Piza, engenheiro agrônomo, e montou a QueenNut Macadâmia, fábrica que processa e industrializa a amêndoa em padrões de exportação. “O mercado doméstico ainda não conhece a macadâmia, no entanto, no exterior, temos uma grande visibilidade e demanda garantida”, relata Piza, gerente industrial da fábrica.
A QueenNut é responsável por 35% de toda a produção brasileira, que neste ano deve chegar a 3.444 toneladas, e por 67% da produção paulista, de 1.639 toneladas. Com estes números, representa 1% da produção mundial, estimada em 100 mil toneladas.
R$ 1,6 milhão é o rendimento médio de um pomar de macadâmias
De Dois Córregos, a noz vai para os Estados Unidos, Canadá, Argentina, Inglaterra, Suíça, Alemanha, Rússia, Emirados Árabes, Turquia, China e Japão. Em 2010, abriram-se ainda os mercados da Colômbia, Tailândia, do Chile e da Bélgica. E o mundo paga bem por ela: US$ 5 por quilo de amêndoa ou US$ 1,20 por quilo de noz em casca. “As exportações brasileiras só não são maiores porque não há produção. A demanda é muito grande”, enfatiza.
No Brasil, a macadâmia é utilizada na indústria de chocolates e sorvetes, em pequena escala. As amêndoas fora de padrão internacional, cerca de 4%, vão para a cosmetologia. Até o final do ano, os Camargo finalizam o investimento de R$ 60 mil numa fábrica de óleo. “Agregar valor ao produto é fundamental para a sua valorização no mercado”, destaca José Eduardo, que crê na expansão da cultura ao longo dos próximos anos em determinadas regiões. “Com a mecanização das lavouras de cana, obrigatória até 2017, algumas regiões impossíveis de se mecanizar vão ter que abandonar a cana e partir para outras culturas.” E ele tem razão. Isso é um fato, não é previsão, muito menos prosa ou poesia.