O presidente da ABMR&A está à frente de um projeto que pretende construir uma nova imagem do agronegócio brasileiro e blindar o País contra os ataques internacionais

À frente de uma das mais respeitadas consultorias do agronegócio brasileiro, a AgraFNP, o empresário Mauricio Mendes sempre esteve atento às mudanças econômicas que envolvem o setor. Mas desde o início do ano, quando ele assumiu a presidência da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócios (ABMR&A), ele vem dedicando boa parte do seu tempo a um importante desafio: ajudar a construir uma nova imagem do agronegócio brasileiro. Mendes vem coordenando um plano que pretende redefinir a maneira como o mundo vê os produtores brasileiros. Em entrevista exclusiva à DINHEIRO RURAL , ele fala dos principais pontos que envolvem esse plano.

Dinheiro Rural – Como o sr. avalia o uso do marketing no agronegócio hoje?

Mauricio Mendes – O marketing, para todos os mercados, é uma ferramenta muito importante e valorizada. Atualmente se investe muito nisso, não tenho dúvida. Mas no agronegócio ainda há uma abordagem que considero um pouco limitada. Isso porque o grande foco da comunicação está direcionado das indústrias para o produtor.

Rural – Então o sr. acredita que o produtor precisa participar mais das ações de marketing?

Mendes – O fato é que cada vez mais o produtor vem sendo responsabilizado por questões delicadas para a sociedade, como meio ambiente e o uso de produtos que sejam benéficos para a saúde do consumidor final. Então, essa ligação entre consumidor final e produtor já existe. Nós, como participantes da cadeia produtiva do agronegócio, devemos melhorar essa comunicação. É preciso mostrar para a sociedade, claramente, como todo o processo acontece. Acho que estamos passando por um momento histórico em que o setor deve assumir essas questões e tornar mais transparente a maneira como se desenvolve a questão operacional.

Rural – O produtor brasileiro precisa trabalhar melhor sua imagem?

Mendes – É importante pensar nos motivos pelos quais essas questões são levadas até o produtor e consideradas de responsabilidade dele. Atualmente não existe uma informação que seja levada corretamente para a sociedade. É muito fácil acusar ou criticar algo ou alguém que você desconhece. Esse é o cerne da questão, a meu ver. É importante não nos restringirmos apenas a uma comunicação publicitária, que foque apenas na venda de produtos e serviços. É preciso ir além e mostrar a responsabilidade social e ambiental que o setor possui.

 

 

“O exemplo da pecuária do Pará mostra bem a importância de se investir na construção da imagem”

Rural – Por que a sociedade ainda não conhece os produtores agrícolas?

Mendes – O problema é que até hoje se relaciona muito o marketing com o produto que você tem para vender. E o que um grande produtor tem para vender? Commodities. E elas não precisam de diferenciação e propaganda. O milho ou a soja que saem de um pequeno produtor ou do maior produtor do mundo não fazem diferença para quem lá na ponta vai comprar um frango.

Rural – Mas então por que um produtor precisaria investir em marketing?

Mendes – Não existe a necessidade quanto ao produto. Mas existe a necessidade em relação à imagem. Os produtores precisam entender que não é apenas o produto que eles vendem. Eles vendem uma imagem e isso sim precisa ser bem trabalhado. Ele produz uma commodity e isso fica escondido, mas existe todo o entorno sobre o produto que faz diferença. Essa é a nova abordagem do marketing.

Rural – Basicamente, a questão não é o que se produz, mas como se produz?

Mendes – Exatamente. Um exemplo é a pecuária do Pará. Não havia uma preocupação com o boi que se estava vendendo, até que começou a surgir a questão do gado e do desmatamento da Amazônia. É nesse momento que um produtor que está naquela região e se mantém dentro da lei, com todos os parâmetros ambientais respeitados, vê que o problema diz respeito a ele e não ao produto. Ele precisa se diferenciar.

Rural – Que tipo de ações a ABMR&A propõe para mudar essa dinâmica?

Mendes – A ABMR&A nasceu há 30 anos pela necessidade de pessoas que trabalhavam com marketing na indústria de insumos conversar entre si e discutir questões comuns. Naquela época havia apenas uma ou duas revistas especializadas e inexistiam canais de tevê voltados para o setor. Durante um logo período, a associação auxiliou muito na construção da comunicação entre a indústria e o produtor. Mas agora sentimos que temos uma responsabilidade maior como associação. Nosso desafio é criar uma comunicação que ligue todo o setor com a sociedade e o consumidor final.

 

“A experiência do café gourmet brasileiro é um modelo de marketing que deve ser seguido”

Rural – Hoje o Brasil é o maior exportador mundial de café, mas o mundo conhece mais o café colombiano. Também é assim nas carnes e outros produtos. Como o sr. avalia essa questão?

Mendes – Essa é uma necessidade premente, porque percebemos que o Brasil até hoje foi um produtor de grandes volumes de commodities, independentemente de esse produto ter uma boa qualidade. Somos os maiores produtores de suco de laranja e grandes exportadores de café, mas as pessoas tomam essas bebidas sem saber se são brasileiras. Em alguns casos, isso foi importante para se galgar um volume de produção. Mas alguns produtos já superaram esse estágio e agora precisam de diferenciação. No caso das carnes, temos uma boa qualidade, mas vendemos lá fora por quantidade, enquanto os argentinos e os uruguaios vendem por qualidade e conseguem preços mais altos.

Rural – Podemos dizer que nessa questão dos preços esteja a grande perda do Brasil por não investir em marketing?

Mendes – Quando você tem uma commodity, sempre há uma limitação de lucratividade, porque você não põe preço nela, quem o determina é o mercado. A partir do momento em que você consegue se diferenciar, como é o caso de sucesso do café gourmet, por exemplo, você distingue seu produto e tem uma ação mais decisiva na formação do preço.

Rural – Mas como se muda isso?

Mendes – Esse movimento solicita investimento em marketing. E aí voltamos ao início de nossa conversa. Para a commodity não é necessário propaganda, mas para um produto diferenciado ela é essencial. Acho que isso é uma evolução natural que já está ocorrendo. Basta notar a evolução dos cafés gourmet brasileiros.

Rural – A ABMR&A acaba de divulgar uma ampla pesquisa sobre o perfil do produtor brasileiro. O que esse levantamento mostra?

Mendes – A primeira coisa que nós notamos é em relação às maneiras que o produtor se informa. O curioso é que, à medida que o tempo vai passando, a quantidade de pontos de contato para ele se informar aumenta. Se há 20 anos você tinha televisão e rádio, hoje, além disso, você tem internet, palestras, dias de campo, etc.

Rural – E qual o reflexo disso na prática?

Mendes – Isso mostra que existe uma percepção maior de que a informação é importante para o agricultor e ele está buscando isso de todas as formas. Fazendo uma comparação grosseira, o conhecimento que era passado do avô para o pai e para o filho, não basta mais. Hoje ele vai buscar informações nos meios tecnologicamente mais avançados, como acontece em qualquer outro setor. Ele está se modernizando como todos os outros empresários.

 

Rural – Então há uma mudança de postura dos produtores brasileiros?

Mendes – Eu acredito que sim. Um ponto que a pesquisa mostra bem é o fato de o produtor se ver com uma responsabilidade importante pela sustentabilidade e pelo meio ambiente. Na pesquisa, 58% deles acham que o produtor e as instituições devem ser responsáveis por essa questão. Ou seja, ele não joga a responsabilidade para terceiros, ele se coloca como agente importante desse trabalho e um ator importante na preservação do meio ambiente e da sustentabilidade do negócio.

Rural – O sr. acredita que o produtor já enxergue o marketing como um investimento e não como um custo para o negócio?

Mendes – Eu acredito que sim e isso é crescente. E acho que o Brasil como produtor agrícola, pecuário e florestal tem tudo para conquistar o respeito internacional e fazer com que o mundo perceba que ele é responsável e que está trabalhando por uma agropecuária em prol de uma sociedade e de um meio ambiente melhores.