01/01/2010 - 0:00
“Fazer uma agricultura sustentável e lucrativa é totalmente possível”
Frederico Krakauer produtor e ecologista
Nas mãos de Frederico Ribeiro Krakauer, 34 anos, pode estar a solução para os problemas ambientais do agronegócio brasileiro. Fazendeiro de terceira geração, ele cresceu ouvindo as heroicas histórias de como seus ancestrais ajudaram a colonizar Mato Grosso e da luta para transformar um punhado de terra em produtivas fazendas.
Muito antes de o assunto entrar em moda, sua família já conhecia o conceito de sustentabilidade. Seu avô, José Aparecido Ribeiro, falecido em 1994, foi o grande idealizador da Riviera de São Lourenço, na cidade praiana de Bertioga, no litoral paulista.
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Na época, ele contratou a construtora Só Bloco para executar seu sonho, que consistia em condomínios harmonizados com o meio ambiente, conceito pouco conhecido no País àquela época. Por causa do apelo ecológico, a velha fazenda à beira-mar se tornou um dos metros quadrados mais caros de São Paulo.
Hoje, a família ainda é dona dos empreendimentos e vem acumulando experiências no cotidiano corporativo que faz toda a diferença no mundo rural. Ao todo, Krakauer responde por cerca de 50 mil hectares, a maior parte deles em Nova Mutum (MT), o segundo polo mais produtivo do Estado, atrás apenas de Sorriso.
Em suas terras, as reservas legais sempre estiveram acima dos 35% exigidos por lei e todas as normas trabalhistas são cumpridas à risca. Mas toda vez que abria os jornais, o fazendeiro lia ataques dirigidos principalmente aos produtores de Mato Grosso.
Assim como seu avô ajudou a colonizar o Estado, e dar origem à revolução agrícola que transformaria o Brasil décadas mais tarde em uma potência mundial, Krakauer decidiu que chegara o tempo de ser senhor de sua própria história e radicalizou idealizando um projeto que, se replicado para o resto do País, pode ser a resposta aos questionamentos que o mundo faz.
Ele quer ser o primeiro produtor a contabilizar suas pegadas de carbono em seu plano de negócio e, com isso, aumentar os lucros de sua empresa rural. Hoje, as terras produzem R$ 20 milhões em resultados operacionais, número que deve subir significativamente nos próximos anos.
Contudo, graças a um minucioso estudo, em um ano ele deve estar confinando 30 mil cabeças, em menos da metade de suas terras e dedicando todo o resto à sojicultura e cultivo de outros grãos.
“Vou manter intactas minhas reservas e provar que sequestro carbono”, diz. Suas propriedades estão no final do processo de aprovação de certificação do sistema GlobalGap, selo do varejo europeu que dá a chancela de produtor “limpo” e socialmente correto.
A iniciativa repercutiu e a prefeitura da cidade abraçou a causa. E, a exemplo de países como China e Japão, o município criou o selo Mutum Gap, um braço auditado pela Global Gap. “Vamos certificar 100% do município e quem quiser que tente nos copiar”, explica o prefeito Lírio Lautenschlager. A estratégia faz sentido.
No mês passado, em meio à COP-15, o agronegócio brasileiro se viu alvo de uma série de notícias negativas. Um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) determinou que 50% das emissões nacionais têm origem no desmatamento e os outros 50% da produção pecuária.
A notícia caiu como uma bomba no meio rural, atraindo os holofotes para o campo. Hoje, o País é líder em diversas áreas como pecuária, aves, soja, milho, entre outros. “É claro que o Brasil está incomodando e, por isso, os países ricos estão reagindo”, explica Alcidez Torres Jr., da Scot Consultoria. Isso porque, nos bastidores de Copenhague, circulou a possibilidade da criação de uma “taxa de carbono”.
Na prática isso seria uma licença para que os países ricos taxassem as nações que não provarem que estão cumprindo suas metas de corte de emissões do gás. Para o Brasil, isso seria um verdadeiro tiro no pé. Segundo especialistas, o País já é refém de sua própria legislação.
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A cada denúncia de aumento do desflorestamento, teríamos de provar que estamos agindo dentro das conformidades legais.
Numa rápida analogia, ficaríamos tão vulneráveis como no episódio em que a União Europeia descredenciou todas as 16 mil fazendas aptas a exportar para aquele continente.
Quando confrontado com dados dos comissários europeus, que provavam que o sistema de rastreabilidade nacional de fato não funcionava, o governo brasileiro pouco pôde fazer. É interessante notar, que países exportadores de carne, como Argentina e Uruguai, nem sequer possuem reservas legais.
“As reservas legais não podem servir como barreira para o País exportar”, diz a senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil. Alheio a essas discussões, o fato é que Krakauer, em seu projeto-piloto já está muito além do que pretendem os inimigos do agronegócio brasileiro.
Mas, adaptar a fazenda não é tarefa fácil e custou não só vultosos investimentos em reformas de pastagens convertidas à agricultura como em treinamento para o seu pessoal. “Para fazer as adaptações, tivemos de recuar em muitas frentes e implantar um rigoroso sistema de gestão”, diz o produtor. Esse, aliás, é um dos gargalos para uma agricultura sustentável.
“Implantar processos e novos pro cedimentos de gestão em um ambiente que nunca teve essa cultura exige muito treinamento”, explica o analista José Vicente de Ferraz, da AgraFNP. “Não é possível ser sustentável se o fazendeiro não tem controle sobre os processos de sua propriedade”, crava Ferraz.
Para tanto, existem novas tecnologias que podem auxiliar no processo, como sistemas que documentam cada passo da operação, o que evita falhas e ajuda a corrigir erros. “No início, houve resistência por parte dos funcionários, mas logo vieram os ganhos operacionais, a redução de custos”, conta Krakauer.
A caminho: Michel Leplus, fornecedor do suco de uva da rede Carrefour, também aderiu à certificação total
Mas não é só na gestão do dia a dia das fazendas que o grupo é pioneiro. Tudo é georreferenciado e a aplicação de adubo e defensivos é exatamente o que aquele pedacinho de terra precisa. “Isso nos proporcionou uma economia de 40% já no primeiro ano”, diz Krakauer.
“A sustentabilidade também é econômica, senão tudo fica inviabilizado”, explica. Indústrias como BR Foods, o frigorífico de suínos Excelência, Bunge e Tauá Biodiesel manifestaram interesse no Mutum Gap, justamente por seu apelo sustentável. Replicar um projeto de sucesso, que seja possível em todo o País, é um dos desafios para o agronegócio brasileiro.
Nos últimos anos, alguns avanços puderam ser observados. Um deles está no próprio governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, que de troféu Motossera de Ouro do Greenpeace passou a ser conhecido como um dos mais influentes ecoconvertidos. Durante a própria COP-15, Maggi defendeu alguns pontos que são caros ao País. O principal deles está alinhado ao que pretende a CNA .
De acordo com a proposta, para cada hectare de mata nativa mantido além do que determina a lei, o agricultor receberia uma compensação financeira. Mas iniciativas como a do produtor revolucionário em Nova Mutum já valem pelo seu pioneirismo.
“Chegamos a pensar em derrubar uma área maior, mas notamos que seria importante manter a vegetação intacta, mesmo que isso representasse algum prejuízo”, diz o produtor. A possibilidade de certificar uma cidade ou até mesmo um país é algo viável, desde que sejam cumpridas todas as exigências das entidades certificadoras.
O problema é que pelas dimensões encontradas ao longo dos oito milhões de quilômetros quadrados no Brasil tal pretensão é improvável. Mas iniciativas como a de nova Mutum podem, sim, se multiplicar pelo País, conforme explica Anderson Figueiredo, diretor da Mundial Foods, empresa de soluções sustentáveis para o agronegócio.
“O Brasil tem que ser mais ativo e menos reativo”, diz. “E falar a mesma língua do cliente, como está fazendo Nova Mutum, independentemente do custo”, pondera. Ou seja, o barato hoje é ser ambientalmente correto. E com dinheiro no bolso.
Uvas, bolsas e lixo
Franceses de origem e brasileiros por adoção, os irmãos Michel Henri Leplus e Alain Leplus trouxeram a tradição do cultivo das uvas para o interior de Mato Grosso. Lá, eles produzem um suco de uva pronto para beber que, coincidentemente, se tornou uma das marcas da também francesa rede de supermercados Carrefour, da qual possuem o selo qualidade de origem. Contudo, a dupla se interessou pelo Mutum Gap e nos próximos meses deve certificar a pequena fazenda. Para eles, a chancela vai agregar ainda mais ao produto final.
Um dos pilares da sustentabilidade está justamente em dar a correta destinação a certos resíduos, como embalagens de defensivos e, também, as sacarias de sementes que formam montanhas intermináveis de sacos muitas vezes esfarrapados, que são queimados e geram um passivo ambiental ainda maior. Hoje, tais “tecidos”, viram matéria-prima nas mãos de Jean Carlos Oliveira, que transforma o lixo em bolsas e mochilas ecológicas. Na parte social, os projetos também vão de vento em popa. A novidade é um conservatório de música que atende 60 crianças que não teriam condições de pagar por isso. Por enquanto, a maior parte dos recursos vem da família Krakauer, mas, à medida que as empresas forem aderindo ao Mutum Gap, o plano é que o conservatório ganhe mais parceiros.