09/02/2021 - 12:02
No dia 17 de junho, diante de uma plateia majoritariamente virtual, a ministra Teresa Cristina anunciou o sempre tão aguardado Plano Safra. “Mais uma vez focado nos pequenos e médios produtores, que são os que mais precisam do suporte do Governo Federal, o Plano Safra 2020/2021 contará com R$ 236,3 bilhões, aumento de R$ 13,5 bilhões em relação a 2019/2020”, afirmou em solenidade. Do total, R$ 56,9 bilhões foram destinados para investimentos, 6% a mais do que a temporada anterior. Nove meses antes do fim da safra, no entanto, um comunicado do BNDES surpreendeu a todos ao anunciar a suspensão de novos pedidos para o Moderfrota, programa que abocanhou R$ 9 bilhões do bolo. O pleito inicial da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) para o programa era de R$ 14 bilhões. Nos dias que se seguiram, os programas Inovagro, Moderagro, e ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) também foram suspensos. Todos por falta de recursos. E mesmo a verba adicional de R$ 740 milhões anunciada para o Moderfrota, não satisfez o mercado. “O volume total foi significativo, mas insuficiente para atender à demanda por crédito que estava reprimida desde a safra passada, quando os recursos também acabaram prematuramente”, disse Gilson Farias, gerente do Sistema de Crédito Cooperativo (Sicredi). A alternativa do produtor foi recorrer a outras opções. A boa notícia é que ele as encontrou.
Principal fonte para o acesso aos recursos oficiais para investimentos, o BNDES é também um dos bancos que está se estruturando para ocupar o vácuo deixado com o fim prematuro dos programas equalizados. Em março de 2020, a entidade lançou o BNDES Crédito Rural. O produto oferece taxas pré-fixadas similares as do Plano Safra e conseguiu que os spreads cobrados pelo bancos seguissem a mesma regra sendo de 2,1% ao ano para máquinas e equipamentos e de 2,8% para investimentos gerais. “O produtor rural não opera bem com taxas pós-fixadas, ele gosta de ter a previsibilidade do fluxo de caixa, sabendo o quanto vai pagar no decorrer do contrato”, afirmou Tiago Peroba, chefe do Departamento de Clientes e Relacionamento Institucional da instituição. Do lançamento até novembro, o produto já havia financiado algo em torno de R$ 1,2 bilhão. A vantagem é que, como é constituído de recursos do próprio BNDES, e não do governo, seu teto não depende do orçamento do País. “Nossa ideia é não ter esgotamento deste recurso, assim o produtor poderá acessá-lo no momento da safra que melhor lhe convier”, disse Peroba. Ainda que atrativo, deve ser mais acessado após o fim dos recursos subsidiados, uma vez que seu custo é ligeiramente maior: no Moderfrota, por exemplo, a taxa estabelecida no Plano Safra é de 0,6% ao mês, no BNDES Rural é de 0,75% a.m. com prazos de 10 anos para pagamento.
ALTERNATIVAS O BNDES não é a única alternativa entre as instituições públicas para as quais o produtor pode correr em busca de crédito. No último mês de novembro, o Banco do Brasil anunciou a liberação de R$ 1 bilhão para reforçar suas linhas de crédito rural para investimentos. A contratação utilizará recursos próprios da Poupança ural, com taxa de 7,5% ao ano e prazo de seis anos. De olho no potencial do setor, a iniciativa privada também se volta para o campo. “No banco, o agro é uma ilha de prosperidade”, disse Carlos Aguiar, diretor de Agronegócio do Santander, cuja participação no financiamento rural passou de 2,29%, em 2015, para 6,03%, em 2019. Nos 10 primeiros meses de 2020, chegou a 6,26%. Entre as soluções, além de intermediário para as linhas oficiais, oferece crédito rural para custeio, investimento, comercialização e cooperativas; Financiamento MultiAgro; capital de giro; Consórcio Agro; e títulos (CDCA, CPR e LCA). Com uma carteira de R$ 21,49 bilhões e baixo nível de inadimplência dos clientes, os planos são promissores: “Para este ano, teremos crédito abundante no mercado, com juros baixos e rentabilidade na operação”, disse.
Ao lado dos bancos de varejo, os de montadoras também vivem momento de expansão, devido a uma conjuntura externa favorável, mesmo em tempos de pandemia. “Com as condições atuais da economia e do campo, as instituições podem oferecer produtos bastante competitivos, mesmo quando comparados ao Moderfrota”, disse Márcio Contreras, diretor das áreas Comercial, de Marketing e Seguros do Banco CNH Industrial. Com unidades instaladas dentro das concessionárias do grupo, a instituição sofreu no começo da pandemia devido ao isolamento social, mas com a normalização da proximidade do cliente na hora da compra e graças, em parte, às linhas subsidias disponíveis no início da safra, projeta crescer entre 5% e 10% no segmento. “O programa é de extrema importância porque, em um mercado tão demandante de recursos como este, o plano não sofre com a volatilidade da economia, o que dá uma segurança ao consumidor”, afirmou. Em uma iniciativa bem mais recente, Romário Alves, fundou a Sonhagro, uma franquia de crédito rural que quer criar uma rede de capilaridade para ajudar o pequeno e médio produtor – justamente aqueles que deveriam contar com o Plano Safra – a resolver a burocracia para solicitar financiamento. “Crédito existe, mas os processos complexos e a falta de informação, desestimulam o agricultor a acessarem outras alternativas além das oficiais”, disse.
Independente da necessidade de quem produz, as perspectivas indicam que os recursos oficiais não terão como acompanhar o ritmo do desenvolvimento do agronegócio. “A briga em Brasília pelo Orçamento está atrapalhando os negócios”, disse Bastos, da Abimaq. Além disso, com o avanço da tecnologia, a aprovação dos empréstimos está mais rápida. O processo que levava semanas no BNDES, passou a ser feito em minutos, o que acelerou o tempo do esgotamento do dinheiro. Quem aproveitar o início do Plano Safra, se beneficiará. Quem deixar para depois terá que recorrer a opções menos atrativas.“Ou o produtor vai enfrentar um custo maior, o que reduzirá sua rentabilidade, ou acabará usando recursos próprios. Uma terceira via é desenhar alternativas via cooperativas”, disse Luciano Ribeiro, superintendente do Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (Sicoob). Ainda assim, o custo tende a ser mais alto. “Captamos bem na Poupança Rural, mas não conseguimos atender a demanda com a mesma taxa e prazo do BNDES”, afirmou Farias, do Sicredi. Para atender a safra em vigor, a instituição recebeu 20% a mais de recursos do que na anterior, somando R$ 9 bilhões, sendo R$ 1,8 bilhão para investimento.
ALTERNATIVAS Dentre as novas opções de crédito que o mercado ganhou estão os Títulos Verdes para a Agricultura Sustentável. O recurso vem do mercado de capitais. Acessá-lo, no entanto, é caro e complexo, mas é uma fonte de dinheiro antes não disponível, sem limites e que traz vantagens no longo prazo. Quem recorrer ao produto, só poderá financiar projetos considerados sustentáveis pelos critérios da Climate Bond Initiative (CBI), mas conseguirá prazo e condições que melhoram em captações futuras, além do ganho reputacional por estarem dentro de critérios rígidos relacionados à manutenção da biodiversidade. O capital internacional também passou a olhar o campo com mais ambição. “Fundos e bancos europeus estão cada vez mais interessados no agro brasileiro e sã
o alternativas que entendem as peculiaridades do agronegócio sem a burocracia das opções nacionais”, afirma Alexander Ruszkay, sócio da Urca Capital, empresa de assessoria financeira. O problema é que esse caminho só é possível para empresas exportadoras, que precisam de alto volume de recursos e são bem capitalizadas, já que o crédito financia somente algo entre 60% a 80% do total da operação e o custo no processo de captação gira em torno de US$ 3 milhões.
PERFIL Além da vasta demanda, um dos aspectos que justifica o crescimento do interesse dos agentes fornecedores de crédito para o segmento rural é a fama de bom pagador do produtor. “Mesmo com a quebra de safras na região, a inadimplência ficou próxima do zero, comportamento já considerado tradicional no setor”, afirma Divanir Higino, presidente da Cocamar, cooperativa do Paraná com mais de 15 mil associados. A região, de acordo com a cooperativa, não sofreu com a falta de crédito. Diante da demanda aquecida e com a vontade do agricultor de investir em máquinas mais modernas para aumentar a rentabilidade, a cooperativa está antecipando o plano de investimento de R$ 300 milhões que estava previsto para os próximos dois anos. Crédito, não faltará, mas a realidade mostra que a fonte principal não deverá ser mais o governo federal.