Uma paisagem viva e verde faz a caatinga nordestina brilhar no inverno. Pés de mandacarus se levantam por entre frestas de solos empedrados anunciando o milagre da sobrevivência no semiárido. É o recomeço de bons tempos, de fartura e de esperanças. Rebanhos de ovinos pastam tranquilos por entre as pastagens abundantes desta época do ano e, por vezes, parecem até agradecer à natureza, em preces individualizadas e gemidas, por tamanha riqueza. Estes animais carregam em seu DNA o instinto de luta pela vida. Adaptaram-se a enfrentar longas estiagens, evoluíram criando uma raça genuinamente nordestina, a santa inês, e multiplicaram-se gerando grandes riquezas para pecuaristas locais e compondo a economia da região. No semiárido da Bahia, o criador Ricardo Falcão escreve uma história de sucesso, criando uma das melhores linhagens de ovinos Santa Inês e Dorper do Estado e levando o seu Rebanho Do Tinguí aos destaques do setor no Brasil. A dedicação à atividade ele herdou de seu pai, Antônio da Costa Falcão, um dos desbravadores deste importante ramo da pecuária nordestina. “A solução das regiões semi-áridas do Nordeste e de todo o mundo passa obrigatoriamente pela pecuária de animais de pequeno porte”, dizia o sábio pecuarista, falecido em 2005.

 

Crias de ouro: a Santa Inês Do Tinguí Escandalosa e a Dorper Do Tinguí FIV 142 são os xodós de Falcão e grandes campeãs nacionais das raças

Encravado no minúsculo vilarejo Bravo, em Serra Preta, município distante 160 quilômetros de Feira de Santana, o Rebanho Do Tinguí representa o novo perfil da ovinocultura baiana: tradição cultural e tecnologia de ponta. Ali, cerca de 1,5 mil animais da raça santa inês, criados para o mercado de corte, pastam livres nos 750 hectares de vegetação rasteira, enquanto outros 500 animais das raças santa inês, dorper e white dorper são selecionados e melhorados geneticamente através de técnicas de fertilização in vitro (FIV) e transferência de embriões (TE ). “Utilizamos tudo o que há de tecnologia para melhorar os animais e fortalecer o setor, o que inclui dizer que a tecnologia também está aplicada nas pastagens. Mas, em épocas de seca, os animais a pasto encontram fonte de alimentação nos mandacarus, o que mostra sua rusticidade e adaptação”, explica Falcão, que começou a investir em genética há quatro anos, sentindo os resultados sólidos desses investimentos na Feinco – Feira Internacional de Caprinos e Ovinos de 2009 e 2010. “Essas duas preciosidades são grandes campeãs, com um futuro muito próspero”, diz ele, apresentando os seus dois xodós, a Santa Inês Do Tinguí Escandalosa e a Dorper Do Tinguí FIV 142. Pelas qualidades excepcionais herdadas, estes animais atingiram no mercado valores que chegam a R$ 100 mil e R$ 50 mil, respectivamente. “Para mim, elas não têm preço não.”

 

O relacionamento afetuoso que Falcão mantém com as crias é o meio de campo entre os investimentos, tecnologia e a sua própria cultura. Ele mesmo, ainda estudante de engenharia mecânica, não simpatizava muito com a criação, e batia o pé dizendo que seria um criador de gado charolês e cavalos mangalarga, mas não de ovinos. “Meu pai era um sábio e nos falava sobre as excepcionais qualidades da ovinocultura para a economia nordestina e, em contrapartida, o que a natureza fazia pelos animais, gerando exemplares robustos, fortes e rústicos, fáceis de lidar. Eu não trabalhava com os ovinos, mas quando comecei, vi que ele (pai) estava certo. Hoje, está aí o resultado”, lembra o pecuarista, analisando detalhadamente cada carneirinho recém-nascido na maternidade da fazenda, a maioria descendente de reprodutores ícones do santa inês como Camará – um divisor de águas na seleção da raça –, Bola de Fogo, Escanto ou Buria 783, Ilha das Lages e Ponta Negra 005. No Tinguí, a atividade é contrária ao que se vê pelo resto do País. “É uma fazenda de ovinocultura que diversifica suas atividades com a bovinocultura e a equinocultura, e não ao contrário, como todo mundo faz.” Falcão chegou realmente a investir na criação do francês charolês em pleno sertão com muito sucesso, mas há alguns anos optou pelo nelore. “Mas os cavalos mangalargas eu não deixo de jeito nenhum.”

Rústicos e dóceis: o rebanho de corte pasta livremente nos 750 hectares da Fazenda Do Tinguí e adaptou-se às mais diferentes adversidades da região semiárida da Bahia

Para especialistas, a excelência do rebanho da Bahia deve-se à seriedade de criadores como Costa Falcão, que acreditaram na ovinocultura há décadas. “O Nordeste é o grande responsável pelo salto que a ovinocultura deu, sobretudo pelo trabalho intenso de pecuaristas que investiram, selecionando animais, quando estes não valiam nada mais do que o seu próprio peso e superaram secas e adversidades do sertão”, analisa Thiago Inojosa de Andrade, presidente da Associação Brasileira de Santa Inês. Nas exposições nacionais, a presença de ovinos baianos é cada vez maior, assim como premiações. “A ovinocultura baiana conquistou um lugar de destaque devido a grandes investimentos em tecnologia e criadores sérios. Hoje, nosso plantel é o segundo em número de animais, e o primeiro em número de animais de raças deslanadas. Sua importância para o plantel nacional é incontestável”, reflete Almir Lins Rocha Júnior, presidente da Associação dos Criadores de Caprinos e Ovinos da Bahia, Accoba. Esta importância se fez refletir na formação de outros fortes rebanhos, como o paulista, hoje com 550 mil animais. “São Paulo é um Estado exportador de genética, que só alcançou a excelência devido ao árduo trabalho dos ovinocultores baianos. Eles são os grandes responsáveis pelo rebanho santa inês”, diz Arnaldo Vieira dos Santos, presidente da Associação Paulista de Criadores de Ovinos, com sede em São Manoel (SP).

“Sem o trabalho dos baianos, nada teria chegado aonde chegou.”