FUNCIONAL: em áreas alagadas, os animais chegam a prender a respiração para pastar o capim submerso

 

Todos os anos, de janeiro a março, as planícies no Pantanal de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul permanecem alagadas. Mesmo entre abril e julho, período em que as águas começam a baixar, o acesso às propriedades rurais continua sendo uma odisseia. Nem as valentes picapes 4×4 chegam a alguns lugares. Mas, mesmo com as cheias, o trabalho nas fazendas não pode parar. Na tentativa de manter o rebanho de gado em segurança, peões, montados em seus cavalos, tocam bravamente a boiada na travessia de rios e pastos inundados. Resistentes e bastante adaptados à realidade climática da região, os cavalos pantaneiros reinam absolutos. Nenhuma outra raça equina se adaptou tão bem ao clima quente e úmido do Pantanal como essa. Rústicos e fortes até debaixo d’água, são indispensáveis na lida do homem pantaneiro. “Eles conseguem prender a respiração, quando submersos, e buscar comida nos pastos inundados”, diz José Luís Paes de Barros, criador da raça, que presidiu até julho a Associação Brasileira dos Criadores de Cavalo Pantaneiro (ABCCP).

Estudo: Sandra Santos, da Embrapa, está montando um banco genético vivo da raça pantaneira. “A participação dos criadores é fundamental”, diz.

A história do cavalo pantaneiro começa durante o período de colonização do Brasil. A raça tem origem nos cavalos ibéricos, trazidos por espanhóis à região Sul do País. A partir daí os animais se espalharam também por Argentina, Paraguai e Bolívia. Os primeiros exemplares chegaram ao Pantanal por volta de 1543, quando Álvar Núñes Cabeza de Vaca, então nomeado governador do Rio da Prata pela coroa espanhola, passava pela região com destino a Assunção, no Paraguai. No meio do caminho, a comitiva foi atacada por índios guaicurus, que roubaram os animais e foram responsáveis por iniciar a criação da raça no Pantanal. Aos poucos, esses animais foram cruzados com outras raças e um processo de seleção natural ocorreu até chegar aos padrões atuais.

Graças a essa seleção, o cavalo pantaneiro sobrevive às intempéries da região. A altura mediana, por volta de um metro e meio, o fez mais robusto, principalmente na parte dianteira, já que o animal é obrigado a nadar durante as cheias, sempre carregando alguém no lombo. Além disso, o casco, menor e mais duro do que o de outras raças, resiste tanto no período das águas quanto no da seca. “Outros não sobreviveriam nessas condições”, diz Paes de Barros. Ele conta que muitos criadores já perderam animais de outras raças por falta de adaptação. “Não tem jeito; para a lida no Pantanal, só o pantaneiro”, diz o criador Ayrton Bacchi de Araújo Netto. Ele e o irmão, Fernando José Bacchi de Araújo, são a terceira geração da família a criar cavalos pantaneiros. Juntos, os dois irmãos e o pai possuem 300 animais em três fazendas em Mato Grosso do Sul.

Nas propriedades de Araújo Netto, os animais são utilizados na lida com o gado e no transporte de cargas. Para isso, um rigoroso trabalho de seleção busca fazer cruzamentos para melhorar características como agilidade, força, docilidade, rusticidade e gosto pelo gado.

Para ajudar a preservar toda essa tradição regional e contribuir com o melhoramento genético da raça, desde 1988 a Embrapa Pantanal, em Corumbá (MS ), desenvolve um projeto de pesquisa sobre a raça no Núcleo do Cavalo Pantaneiro, na fazenda Inhumirim, em Nhecolândia, distante 100 km da sede da Embrapa. “Começamos adquirindo animais de diversas regiões para garantir variação genética e racial”, diz Sandra Aparecida Santos, responsável pelo projeto. Segundo a pesquisadora, a ideia é manter um banco genético vivo da raça, com o máximo de diversidade, para a realização de estudos que ajudem a melhorar o manejo e os índices reprodutivos. “Para isso, a participação dos criadores é fundamental, já que eles nos fornecem as informações de seus plantéis”, afirma Sandra.

Há cerca de quatro décadas, a raça quase desapareceu em virtude de uma epidemia de anemia infecciosa e da peste da cadeira, doença que atacava o sistema nervoso e paralisava a parte dianteira do animal, levando-o à morte. Com isso, o plantel na região foi reduzido drasticamente. Em 1972, o número de animais da raça chegou a 100. Hoje, são 13 mil animais registrados na ABCCP. “A associação tem feito um trabalho importante para o registro da raça dentro e fora do Brasil”, diz Paes de Barros. Com isso, as exposições e provas vêm crescendo e levando o pantaneiro para todos os cantos. “Um grupo do Canadá mostrou interesse em importar sêmen de garanhões da raça”, diz Barros. Mas a relação do homem pantaneiro com os cavalos vai muito além do comércio. Pelo menos para Barros. “O que o homem separou, o cavalo mantém unido. Em 1977, dividiram o Estado em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Mas essa raça nos uniu novamente, pelo Pantanal”.