Nos últimos tempos, as indústrias do agronegócio têm enfrentado algumas perdas preocupantes em ações na justiça trabalhista brasileira. Recentes decisões judiciais avaliaram que contratos de compra e venda, firmados com pequenos e médios produtores, caracterizariam uma terceirização dos negócios dessas empresas. As decisões tiveram por base um entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), segundo o qual somente podem ser terceirizados os serviços especializados, sem relação direta com a atividade principal da empresa contratante e, ainda, desde que não haja características que indiquem uma relação trabalhista, como a subordinação direta, por exemplo.

A primeira dessas decisões, contra as maiores processadoras de suco de laranja do País, entendeu que o plantio, o cultivo e a colheita da fruta estão entre as atividades principais dessa indústria, razão pela qual as empresas deverão ter empregados próprios envolvidos em todas as etapas da produção. Além da imposição dessa obrigação, a decisão determinou o pagamento de milionárias indenizações pelos 
danos coletivos decorrentes da terceirização – supostamente irregular – praticada até então. Na segunda decisão, uma indústria do setor sucroalcooleiro foi condenada, também, a ter empregados próprios 
envolvidos nas diversas etapas de produção de cana-deaçúcar e do seu transporte às usinas. 

Sem contar as questões relativas à garantia de condições adequadas de produção e de remuneração dos produtores, que estão sempre presentes nos fundamentos de casos dessa natureza, essas decisões representam perigosos precedentes ao agronegócio no Brasil. Isso porque, além das indústrias processadoras de suco de laranja e sucroalcooleiras, diversas outras empresas também ligadas ao agronegócio mantêm contratos de compra e venda de produtos em sistema integrado, ou de parceria com pequenos e médios produtores. São vários os exemplos, entre eles a indústria de processamento de carne e derivados, que compra bovinos, suínos e aves, a indústria de tabaco, que adquire as folhas da planta diretamente dos produtores, a indústria da soja, que busca sua matériaprima no campo e os laticínios que adquirem leite. 

Ao considerar que a indústria deve estar à frente da produção da matéria-prima, impedindo-a de simplesmente adquirir o produto, tais decisões judiciais ameaçam as diversas formas de contratação, que há décadas são praticadas. Não se pode confundir situações específicas, como as que se observam nos diversos setores da agroindústria, com aquelas que normalmente circulam pela Justiça do Trabalho. Em lugar da intervenção do Estado, por meio de decisões judiciais que engessam a produção e desrespeitam a livre iniciativa, poderia haver o reforço positivo em parcerias no campo, nas quais as associações e os sindicatos pudessem negociar os contratos de compra e venda, dando garantias mínimas aos pequenos e médios produtores. Esse é o caminho para combater as mazelas que, infelizmente, ainda são identificadas no campo, como o uso de mão-de-obra infantil, jornadas extenuantes e ausência de orientação e controle de medidas de saúde e segurança. Nesse campo, há experiências positivas no País, de parcerias firmadas entre o Ministério Público do Trabalho, sindicatos, associações e empresa, que poderiam ser replicadas. 

O fato é que as recentes decisões judiciais são precedentes que causam arrepios aos demais setores da indústria, que dependem de contratos de compra e venda com pequenos e médios produtores rurais. Elas levam o agronegócio a algumas reflexões importantes que devem ser expostas à sociedade. Por exemplo, seria a indústria capaz de absorver toda a mão-de-obra hoje ocupada no cultivo do campo? E mais: até que ponto é positivo ao produtor perder a opção de decidir o que fazer com a sua produção, tornando-se um mero arrendatário de terra? Seria um avanço para o setor rural se essas perguntas fossem respondidas.