30/05/2017 - 20:00
Durante o mês de junho, cerca de 100 bezerros da raça angus devem chegar à central de genética bovina Seleon Biotecnologia, localizada no município de Itatinga, a 230 quilômetros da capital paulista. Mas não são bezerros quaisquer. São animais nascidos em rebanhos melhoradores, em importantes Estados criadores da raça, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, mais São Paulo. Todos eles estão inscritos no Programa de Melhoramento de Bovinos de Carne (Promebo), coordenado pela Associação Nacional de Criadores (ANC), no qual são medidas várias características de impacto econômico, entre elas o peso de nascimento, a capacidade de engorda, a conformação corporal, entre outras. Na Seleon, os dados continuarão a ser colhidos para o Promebo, mas as avaliações avançam. A partir de julho, pela primeira vez na Seleon, eles serão testados em prova de ganho de peso, suas carcaças serão analisadas por ultrassonografia para medir o índice de gordura e músculo, e o sêmen passará por provas de verificação de qualidade, em pesquisas que são pioneiras no Brasil e no mundo. O objetivo é identificar animais superiores que possam se tornar reprodutores de alta performance. Isso significa que a sua genética, ao ser utilizada em rebanhos comerciais, traz ao pecuarista de gado de corte destinado ao abate uma produção de carne mais eficiente. “Para produzir melhor, nós precisamos de um animal angus diferente para o Brasil, daquele que é comercializado em países como os Estados Unidos e a Argentina, principalmente para o mercado do Centro-Oeste”, diz Bruno Grubisich, 34 anos, dono e CEO da Seleon. “É fundamental que esses animais sejam bons na produção de sêmen, para o que chamamos de coleta de alta performance.” Não por acaso, o criador argentino Francisco Gutiérrez, diretor técnico e um dos herdeiros da cabanha Tres Marias, uma das mais famosas do país desde a década de 1960, já decidiu que na prova de 2018 da Seleon enviará bezerros para serem avaliados em Itatinga. Desde 2014, Grubisich, que é filho de José Carlos Grubisich, o CEO da Eldorado Celulose, investiu R$ 20 milhões em instalações na fazenda da família, a Bosque do Rio Novo, de 550 hectares, para construir a sua central de serviços genéticos. O projeto foi colocado de pé porque ele conseguiu investidores que acreditaram na sua proposta de trabalho com genética bovina e no futuro de suas investigações. Grubisich acessou uma linha de crédito de R$ 15 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública de fomento à ciência, tecnologia e inovação, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. O valor precisa ser quitado até 2022. “Não somos apenas uma central de genética, mas uma unidade de estudo, em busca de uma pecuária cada vez mais eficiente para o País”, afirma ele.
No Brasil não há nenhuma pesquisa oficial, ou de algum instituto público ou privado, que mostre o tamanho do mercado de serviços dessa natureza e o seu impacto econômico no setor, mesmo desconsiderando o valor dos animais. Isso porque um reprodutor ou uma matriz pode valer de poucos reais à casa do milhão. Mas, além desse passivo imensurável, são desconhecidos itens mais acessíveis de levantamento de dados, como o valor da venda de sêmen e dos serviços correlatos, entre eles a aplicação da Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF), da Fertilização in Vitro (FIV), e da assessoria de profissionais, como consultores, veterinários e técnicos. Também entra nessa conta o mercado de medicamentos para o rebanho, que utiliza tecnologias de reprodução, e a nutrição envolvida na sua manutenção. Convidados por DINHEIRO RURAL, um grupo de especialistas do setor pecuário topou a missão de colocar um pouco de luz nesse cenário. Embora não venha de levantamento estatístico e deva ser olhado com a devida reserva, eles chegaram a um valor que impressiona pelo impacto do custo-benefício do setor de serviços genéticos em um rebanho de 212 milhões de animais, o maior do mundo destinado à produção de carne. É um mercado estimado em R$ 1,4 bilhão por ano, valor que responde por 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) da pecuária. No ano passado, a receita do segmento foi de R$ 458,2 bilhões, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea Esalq/USP). Esse mercado bilionário, sustentado pela genética, deve crescer a taxas da ordem de até 3% nos próximos anos, embalado pela necessidade da pecuária bovina em ganhar eficiência na gestão do negócio.
Por isso, a Seleon não está sozinha como investidora do setor. Nos últimos tempos, várias centrais têm destinado recursos para dar musculatura ao seu potencial de atuação no campo. Entre os exemplos estão as maiores do setor. Uma delas é o grupo belgo-holandês CRV, cooperativa internacional de melhoramento genético que pertence a 28 mil produtores da Bélgica e da Holanda, e que no Brasil detém o controle da CRV Lagoa, em Sertãozinho (SP). A outra é a ABS Pecplan, de Uberaba (MG), subsidiária da americana Genus PLC, que conta com centrais genéticas em 26 países e é a única companhia do setor com capital aberto. No ano passado, a receita global foi de US$ 500 milhões. O grupo CRV também está investindo R$ 20 milhões, mas de recursos próprios, para inaugurar neste mês a nova Central Bela Vista, empresa que atua há 15 anos no País e que foi comprada em 2011. A unidade prestadora de serviços de coleta e de armazenamento de sêmen a pecuaristas e a empresas que não possuem uma central, está saindo do município de Pardinho (SP), onde atuava em uma área arrendada, para Botucatu, a 30 quilômetros. A DINHEIRO RURAL esteve na nova central 20 dias antes de sua inauguração, em uma visita exclusiva. O imenso complexo de 130 hectares pode abrigar até 450 touros, conta com moderníssimos laboratórios e uma área para cultivos de grãos e capim. “Nós acreditamos no mercado da genética, porque é ela que muda a pecuária”, diz Gerson Sanches, diretor da Bela Vista, que há 30 anos trabalha nesse mercado. Já a ABS concluiu no mês passado a compra da In Vitro Brasil, especializada em tecnologias de Fertilização In Vitro (FIV) de embriões bovinos, presente também no México, Estados Unidos, Colômbia, África e Rússia. A primeira parte da aquisição, pela qual pagou R$ 49 milhões, ocorreu em 2015, por 51% da empresa brasileira criada em 2002. A segunda parte, prevista para ser negociada em 2018, foi antecipada para o mês passado e seu valor não é público. “A genética é o único insumo no campo que deixa um residual para as próximas gerações, afirma Márcio Nery, diretor da ABS Pecplan. “Quem usa gado melhorado vai ter sua influência nas próximas safras. Alimento e nutrição são os coadjuvantes para que essa genética se expresse, mas não há herança deixada.”
Para Sérgio de Brito Pietro Saud, presidente da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia) e diretor executivo da CRI Genética, de São Carlos (SP), empresa que utiliza as centrais de serviços, o mercado da inseminação artificial, que enfrentou três safras ruins, tende a reagir. O impacto se deu, primeiro em função do mercado internacional do leite e depois por causa da estiagem no período pré-estação de monta dos touros em 2016, que vai de outubro a janeiro. Sem pasto, a vacada
magra não estava pronta para a inseminação (leia mais na pág. 8). “Mas a tendência é de crescimento desse mercado, porque a inseminação é uma tecnologia barata para o produtor de gado”, diz Saud. “Representa apenas 2% dos investimentos que uma propriedade faz em tecnologia.” O preço de uma dose de sêmen começa ao redor de R$ 20 e pode ir até acima de R$ 100, dependendo do valor da sua genética. Já os protocolos de IATF, que chegaram a custar R$ 60, hoje estão na faixa de R$ 18, graças ao avanço das tecnologias de preparação do sêmen.
Fazem parte da Asbia 32 empresas de inseminação. A produção de sêmen tem sido de cerca de 12 milhões de doses nas últimas safras de bois, oito milhões de doses no gado de corte e cerca de quatro milhões no gado de leite. Isso representa não mais que 12% do rebanho bovino. Mas, com um crescimento estimado em cerca de 5% ao ano, em uma década seriam 20 milhões de doses de sêmen processadas. O que ainda assim daria para inseminar cerca de 25% do atual rebanho de fêmeas. Está aí o interesse das empresas. É aqui que o mercado pode deslanchar. Os Estados Unidos já inseminam 80% de suas fêmeas, equivalente a 23,2 milhões de animais. Na Holanda, a inseminação chega a 90%. O mercado brasileiro vai competir com a Índia, por exemplo. O país, que possui um rebanho de 330 milhões de animais e tem trabalhado para desbancar o Brasil da posição de maior exportador mundial de carne bovina, utiliza 70 milhões de doses de sêmen.
Grubisich, que também é diretor de marketing da Asbia, diz não ter dúvida sobre o potencial de crescimento do setor. A Seleon, que no ano passado produziu 960 mil doses de sêmen, deve fechar a conta deste ano com dois milhões de doses coletadas de 330 touros que passaram pela central. “O pecuarista que começa a utilizar a inseminação não volta atrás”, afirma Grubisich.
“Há um público vanguardista, esperando por tecnologias para aprimorar o trabalho nas fazendas.” Na Seleon, por exemplo, as pesquisas conduzidas pelo veterinário José Roberto Potiens, que estuda reprodução há 35 anos, deve apresentar até o final de deste mês a conclusão de um estudo sobre qualidade do sêmen e a sua relação com a condição ovulatória das vacas. Os dados foram colhidos em dois programas de IATF, do qual participaram 15 mil fêmeas. “A biologia não é matemática, mas estamos tentando responder por que as vacas respondem de modo diferente a um determinado touro. Qual o motivo de haver diferentes performances na IATF”, afirma Potiens. “Esse é desafio que todas as centrais enfrentam. Elas liberam, segundo os seus controles de qualidade, partidas de doses de sêmen dentro de um mesmo critério, e esses touros dão resultados muito diferentes lá no campo.” De acordo com o pesquisador, os estudos buscam determinar qual sêmen é mais adequado para uma categoria de fêmeas, entre vacas, novilhas de primeira ou segunda cria, a partir de sua condição ovariana no momento da inseminação. Os estudos estão sendo feitos em parceria com a unidade da Embrapa de Corumbá (MS) e com a Universidade Estadual de Londrina.
As pesquisas também estão na base do trabalho da ABS Global, a sede da Genus. Junto com os Estados Unidos e a Inglaterra, o Brasil forma a trinca de países chave para a companhia que investe US$ 260 milhões por ano em estudos. Nery diz que o Brasil tem contribuído com valor de inteligência nos trabalhos. No ano passado, do total de 17 milhões de doses de sêmen comercializadas no mundo, 2,7 milhões foram no Brasil. “Nós temos desenvolvido pesquisas conjuntas para determinar o peso da nutrição no processo de inseminação, e também de qualidade de sêmen”, afirma Nery. Estudos dessa natureza interessam a empresas desse setor, como a Trow Nutrition, uma das maiores do País na área de nutrição animal. “A genética adequada, em um rebanho sadio e alimentado, é a base da pecuária forte”, diz Stefan Mihailov, atual CEO da Trow, que até março era o presidente da Phibro Saúde Animal, empresa que, por duas vezes, já ganhou o prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL em sua categoria.
Marco Balsalobre, diretor técnico da área de Ruminantes da Trow, doutor em ciência animal e pastagem, afirma que hoje as empresas de inseminação e as correlatas desse universo da genética, precisam estar no campo o tempo todo, mostrando ao pecuarista as vantagens da incorporação de tecnologias. “Faz todo o sentido a indústria assumir esse trabalho”, afirma Balsalobre. “É também o acesso à informação técnica de qualidade que vai fazer esse mercado andar.” No caso da Trow, por exemplo, são 15 técnicos, dos quais seis doutores, que realizam 2,5 mil visitas por ano a fazendas em todo o Brasil.
Na Central Bela Vista, o caminho tem sido de apoio aos pecuaristas que buscam pela prestação de serviços. “É importante que o produtor sinta segurança de que o serviço utilizado por ele tem qualidade”, afirma Sanches. No ano passado, a central coletou 1,5 milhão de doses e neste ano a previsão são dois milhões. O criador de nelore Adir do Carmo Leonel e seu filho Paulo Leonel, com fazendas em Ribeirão Preto (SP) e Nova Crixás (GO), são clientes da Bela Vista há 14 anos.
Na central, ele mantém uma média de dez animais permanentemente em coleta. Nelorista dos mais respeitados no País, Leonel conta um rebanho de 330 fêmeas puras, que vêm sendo melhoradas há três décadas, e 10 mil vacas comerciais. Os criadores têm foco na venda de touros superiores e algumas matrizes, mas o sêmen representa um pedaço importante do negócio. “É no gado de corte que a nossa genética se manifesta, porque o que importa é produzir carne”, afirma Paulo.
Não por acaso, no vale do rio Araguaia, em Goiás, a região mais importante de produção de gado de corte no País, Leonel é um grande vendedor de sêmen. Ele comercializa diretamente cerca de 80 mil doses por ano e acredita em um crescimento de 15% ao ano para o seu negócio. Isso porque a fazenda tem 15 projetos de parceria em andamento, para uso do sêmen de seus touros. O mais conhecido no setor é o projeto de inseminação de 60 mil vacas do grupo Nova Piratininga, iniciado em 2012 na fazenda de 160 mil hectares que pertence aos empresários João Alves de Queiroz Filho, controlador do grupo Hypermarcas, mais Marcelo Limírio Gonçalves Filho, ex-dono do laboratório de medicamentos genéricos Neo Química, e Igor Nogueira Alves de Melo, ex-dono da farmacêutica Teuto. O mais novo super projeto de Leonel foi fechado neste ano com o empresário Alexandre Funari Negrão, da fazenda Conforto, também em Nova Crixás. Xandy Negrão, como é chamado o ex-dono dos laboratórios Medley, confina 120 mil bois, um dos maiores projeto de engorda do País na mão de um produtor. Até 2021, ele quer todo o gado engordado em seu confinamento com base na genética desenvolvida pela família Leonel. Por isso, começou a pagar um ágio de 20% sobre o preço Cepea/USP, para o pecuarista que entregar a ele esse tipo de bezerro. “Vamos ter que produzir mais sêmen e as centrais estão aí para nos prestar esse serviço”, diz Paulo Leonel. “Porque o resultado vem em forma de mais carne e vamos crescer juntos.” Além do sêmen vendido no mercado interno, há dois anos a central Bela Vista vem ajudando o produtor a montar um ponto de venda de sêmen no Panamá, visando o mercado da América Central e, por que não, o americano. “Já mandamos seis mil doses de sêmen nelore para lá”, afirma Leonel. “Toda a parte burocrática ficou por conta da Bela Vista, a nós cabe produzir a melhor genética para mandar ao mercado.”