26/09/2022 - 5:10
Antes de virar rei nos celulares de adolescentes de todo o mundo, o TikTok passou por um longo desenvolvimento de erros e acertos dentro e fora da ByteDance, gigante chinesa dona da plataforma. O caminho envolveu testes com música, notícias e memes. Mas foi o formato de vídeo curto que garantiu a popularidade.
No livro TikTok Boom, lançado em abril no Brasil, o jornalista britânico Chris Stokel-Walker conta a trajetória da rede social, dos primeiros dias apenas na China à fusão com o Musical.ly. No livro, também é possível entender como a chegada de um app chinês fez barulho no governo americano, resultando em uma batalha que quase fez o app ser banido no país.
Em entrevista ao Estadão, Stokel-Walker reconhece que o TikTok tem desafios no futuro. Porém, ele crava que o TikTok permanecerá no topo dos downloads de apps por muito tempo. Além da potência do algoritmo para entender tudo aquilo que os usuários gostam, a ByteDance aprendeu com erros de rivais, como o Facebook.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
O TikTok parece ter seus passos bem divulgados na internet. O que mais surpreendeu sobre a empresa durante o livro?
Uma das coisas que mais me deixaram surpreso é que as pessoas ainda pensam que o sucesso do TikTok aconteceu do dia para a noite. Elas acreditam que não existia a plataforma até o começo de 2020 – e que, de repente, se tornou um aplicativo com mais de 1 bilhão de usuários no mundo. O que as pessoas pensam que foi sorte foi, na verdade, um movimento de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, desenvolvendo o sucesso do aplicativo a partir de seus predecessores.
Desde o ano passado, empresas como o Facebook já falaram abertamente sobre como o TikTok é uma ameaça aos seus negócios. O quanto a ameaça é real?
Passamos os últimos 25 anos online seguindo regras que eram ditadas por poucas empresas do Vale do Silício, nos EUA. Vivemos nossas vidas pelas lentes do Facebook e do Instagram. Consumimos notícia pelo Twitter, com a empresa decidindo o que é importante. O que preocupa algumas pessoas é a ideia de um app de fora dos EUA se tornar popular e a ideia de quem vai ter o controle da internet no futuro.
O TikTok pode vencer a batalha com o Facebook mesmo com as mudanças de ferramentas das plataformas para se tornarem mais semelhantes?
Acho que o que é significativo sobre o TikTok é que ele tem esse elemento intangível por trás. O Facebook já teve um app parecido, o Lasso, uma primeira tentativa de derrubar o TikTok, mas não funcionou. O TikTok tem esse algoritmo que nos conhece melhor que nós mesmos e estamos vendo uma mudança no poder das empresas. O TikTok aprendeu com os erros das outras redes sociais, como o Facebook, e isso faz com que eles evitem ao máximo repeti-los.
Por que o Vale do Silício está tão preocupado com o TikTok?
Talvez o que assuste as outras empresas de tecnologia é que elas passaram anos construindo a posição que elas ocupam na nossa vida. E, de repente, o TikTok conseguiu entrar pela porta dos fundos, com esse formato de vídeo curto, e deixou todo mundo viciado. A ideia de o TikTok virar um superapp no futuro, como o WeChat na China, pode acontecer. A ByteDance nunca planejou ser apenas mais uma empresa chinesa. Eles investem no formato.
Nas últimas semanas o TikTok lançou uma versão do app similar ao BeReal, rede francesa de fotos ‘espontâneas’. Isso pode significar um esforço menos voltado para o foco do usuário e mais para acompanhar o mercado?
É muito interessante ver os paralelos entre os dois apps. O TikTok é muito consciente dos problemas de seus antecessores. Ao copiar o BeReal, e colocar outro recurso no aplicativo, isso prejudicaria a reputação do TikTok entre os usuários? Partindo do princípio de que ele está ciente de como o Facebook colocou vários recursos diferentes em seu aplicativo e acabou assustando todo mundo, talvez haja uma razão por trás disso e pode ser que o TikTok seja bem-sucedido.
No livro, o sr. comenta sobre o TikTok desenvolver formas próprias de atrair usuários. Com a popularidade, existe chance de a empresa ser menos criativa daqui para frente?
Uma das questões-chave ainda desconhecidas é como as pessoas vão continuar olhando para o aplicativo. Análises da empresa de monitoramento SensorTower identificaram, pela primeira vez, que o crescimento do TikTok está ficando mais lento. Isso foi visto como uma grande questão para eles. Como vão resolver esse problema? Esse é um risco constante quando um aplicativo se torna maduro. Esse é o risco que o TikTok corre em cada nova ferramenta que eles adicionam, de diluir o que os tornou populares.
Os EUA lideram a discussão sobre coleta e armazenamento de dados de usuários no TikTok, afirmando uma possível ligação com o governo chinês. Essa preocupação faz sentido?
O TikTok tem consciência sobre os dados que recolhe. Eles precisam ser muito cuidadosos na forma em que lidam com isso. Mesmo que a gente tenha identificado problemas com o TikTok, existe o argumento de que eles são mais observados do que qualquer outra empresa por conta de suas origens. Além disso, vivemos em um mundo pós escândalo da Cambridge Analytica, no qual passamos a ver mais o que empresas de tecnologia fazem com os dados que armazenam.
Então, o TikTok não apresenta evidências de compartilhamento de dados?
Eles não enviam sistematicamente os dados para a China. Mas o TikTok agrega os dados, extraem padrões gerais e enviam esses padrões para o time de engenharia que está baseado na China, porque a maioria dos engenheiros da empresa trabalha lá. A empresa afirma que eles nunca compartilharam dados com o governo chinês e que nunca irão. Eu não sou o melhor jornalista do mundo, mas também não sou o pior. Se eu tivesse evidências de que o governo chinês tem acesso aos dados, eu reportaria. Isso não significa, no entanto, que isso não aconteça. Não posso afirmar com 100% de certeza.
Estamos em ano de eleição aqui no Brasil, e desinformação é um assunto relevante nas plataformas. O TikTok tem interesse em moderar esse conteúdo?
Nenhuma plataforma de tecnologia quer moderar conteúdo político porque, não importa o que façam, vão desagradar à metade dos usuários. Então, historicamente, nós vemos as plataformas fugirem dessas questões sensíveis desesperadamente. O TikTok, e as redes em geral, sempre podem se “livrar” desse questionamento político dizendo “vamos permitir conteúdos em contas pessoais, mas não vamos permitir que exista publicidade paga”. Quando há dinheiro envolvido, as coisas começam a se tornar um problema.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.