No radar: Mauricio Manduca, da Marfrig, afirma que a demanda por critérios de qualidade é uma tendência (Crédito:MONICA ZANON)

Todos os anos, no mês de agosto, bovinos criados em propriedades do Espírito Santo são reunidos na fazenda Paraíso, no município de Vila Velha. A propriedade pertence à família de Dalton Dias Heringer, fundador de um dos maiores grupos de fertilizantes do País, o Heringer, que, no ano passado, faturou R$ 4,8 bilhões. Daí, depois de engordados em confinamento, em vez de seguirem para um frigorífico escolhido por eles, o gado é abatido em uma unidade determinada pela Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB), entidade que representa cerca de mil pecuaristas da raça que se dedicam à criação de animais de genética superior. Isso acontece há 17 anos na Heringer. Os animais abatidos são comerciais, filhos ou netos de gado superior. É justamente nesses rebanhos comerciais que a ACNB vem acompanhando o quanto de genética nelore tem sido transferida. E também quais os impactos no negócio, percebidos pelos pecuaristas que participam do chamado Circuito Boi Verde de Julgamento de Carcaça. No ano passado, o projeto completou 18 anos. “Nosso gado não tinha projeção, mas hoje a bezerrada da marca Nelore Heringer é muito procurada”, diz Victor Paulo Miranda, 46 anos, diretor de pecuária e sobrinho de Heringer. “A participação no circuito tem feito a diferença, porque a ACNB divulga os resultados.” O grupo Heringer, além de criar gado puro, tem um rebanho de 20 mil animais para abate, distribuídos também por fazendas em Minas Gerais e no Tocantins.

Um norte: para André Locateli, gerente executivo da ACNB, o circuito tem cumprido um papel didático na pecuária (Crédito:Divulgação)

Desde que foi criado, em 1999, o Circuito Boi Verde já avaliou a produção de cerca de 500 fazendas. Nesse tempo, tornou-se uma referência para o gado criado de forma sustentável, a pasto ou terminado em confinamento. O circuito, que é uma agenda de abates programados pela ACNB, serve para avaliar as qualidades mínimas de um animal atrativo para a indústria frigorífica. Entre elas estão, por exemplo, o peso da carcaça, característica que mede a produção de carne. Outro item é a idade, para medir a precocidade do gado, e também o acabamento de gordura da carcaça, uma exigência da indústria para que a carne não endureça além da conta no processo de resfriamento. Desde 2001, os técnicos treinados pela ACBN já avaliaram 112,4 mil animais. É quase nada, se comparado à capacidade de abate da Marfrig Global Foods, controlada pelo empresário Marcos Molina. O grupo, que no ano passado faturou R$ 19 bilhões, abate 170 mil animais por dia. Mas, para a empresa, a conta é outra. Não por acaso, a Marfrig está no projeto há 15 anos, viabilizando as avaliações dos técnicos. “A demanda por critérios relativos à qualidade do produto final tem sido uma tendência constante e isso nos interessa”, diz Mauricio Manduca, gerente corporativo de compra de gado da Marfrig. Além dela, participam dos abates monitorados a JBS e o Frisa, com sede em Colatina (ES). Para os frigoríficos, o Circuito Boi Verde funciona como um mapeamento que indica em quais regiões do País pode ser comprado gado de qualidade, em geral para abastecer a demanda de suas marcas de carne e para exportação. E pagam mais por isso. Na Marfrig, as bonificações vão de R$ 2 por arroba, até R$ 5. Isso significa que uma fêmea nelore, criada no Sul do Pará, por exemplo, com peso acima de 16 arrobas e comde gordura uniforme, valia no fim do mês passado R$ 80 a mais do que uma não bonificada. Está aí o potencial. Só para registro, o Produto Interno Bruto da pecuária foi de R$ 433 bilhões no ano passado, de acordo com o Cepea/USP.


Para o zootecnista André Locateli, 42 anos, gerente executivo da ACNB, que acompanha o projeto Boi Verde desde a sua criação, o circuito tem cumprido um papel didático na pecuária. “O pecuarista tende a medir o status de sua produção, onde está acertando ou errando para entregar um animal ao abate”, afirma Locateli. “Parece um discurso velho, mas a valorização pela qualidade é uma busca que vai permanecer no radar do setor.” A qualidade do gado levado ao abate é uma fronteira ainda a ser vencida, embora se tenha avançado muito nas duas últimas décadas. O resultado das avaliações do circuito é um exemplo. Os animais com gordura mediana na carcaça, que vai de três milímetros a seis milímetros, passaram de 54% em 1999, para 65,4% no ano passado. Enquanto aqueles com pouca gordura caíram de 39% para 25%. O fato é que melhorar o nelore significa elevar a qualidade do gado brasileiro, já que em 80% do rebanho de 212 milhões de animais há algum grau de sangue da raça. “Cada vez mais a indústria frigorífica tende a pagar por qualidade”, diz Locateli. “Isso significa produzir com eficiência e rentabilidade.” No caso da Heringer, em busca de acertos, desde 2001, a empresa já mandou para serem avaliados no circuito Boi Verde 17 mil animais nelore.