Eram 8h da manhã quando o bimotor pilotado por Hermínio Ometto Neto tocou o solo da Fazenda São Francisco no início do mês passado, em Quirinópolis (GO). Próximo à pista de pouso, máquinas faziam a colheita da cana de uma forma quase compulsiva, enquanto o empresário observava todo o trabalho no trajeto rumo à sede da usina. A unidade é a maior de Goiás, um colosso capaz de moer cinco milhões de toneladas e está à frente de plantas de empresas como ETH, do grupo Odebrecht, e da própria Archer Daniels Midland (ADM) em parceria com o grupo Cabrera naquele Estado.

R$ 876 milhões é o investimento da Usina São Francisco em Quirinópolis (GO)

R$ 152 milhões é o desembolso na unidade de Cachoeira Dourada (GO)

R$ 4 milhões foram gastos na refinaria de açúcar no interior paulista

Oriundo de uma família cujas ligações são quase sanguíneas com o setor sucroenergético, o empresário carrega o nome do fundador da lendária Usina São João, que viveu seu auge a partir da década de 40 até os anos 90, quando ingressou numa profunda crise. Ometto Neto é um primo distante do imperador do etanol, Rubens Ometto. Em comum, os dois nutrem uma paixão quase obsessiva pelo mundo do álcool e açúcar. Rubens, o primo que ganhou o mundo, possui um estilo de gestão agressivo e para fazer sua empresa crescer chegou até a romper relações com parentes próximos. Conciliador, Hermínio mantém debaixo de suas asas duas irmãs e um primo.

E com esse jeitão quase paternal de administrar ele tem sido considerado um “sobrevivente” no setor, visto que conseguiu reerguer uma usina em situação quase falimentar e a alçou à condição de cobiçada noiva do setor sucroenergético. Hoje, ele se candidata a ingressar no hall dos cinco maiores usineiros do País. Desde que assumiu os negócios em 1994, aos 30 anos, ele não se associou a grupos estrangeiros, tampouco vendeu o patrimônio para pagar dívidas. Sua fórmula se baseou no que dizem os manuais mais básicos de administração: corte de custos, receita maior do que as despesas e um programa de investimentos sustentado por uma forte geração de caixa. Hoje, Ometto Neto caminha na contramão do mercado. Enquanto muitas empresas familiares do setor sofrem com dívidas pesadas e problemas de caixa, o empresário aguarda a conclusão de projetos.

Só na Fazenda São Francisco foram R$ 876 milhões.Nos últimos quatro anos, enquanto grandes grupos sofriam para pagar em dia seus fornecedores, ele desembolsou R$ 1,6 bilhão e até 2011 algumas centenas de milhares de reais serão aplicadas para inaugurar uma nova usina em Cachoeira Dourada, também em Goiás e com capacidade de moer outros cinco milhões de toneladas. “O Grupo USJ é um exemplo não só porque modernas usinas do País, mas porque mostra que uma empresa familiar pode, sim, ser gerida com profissionalismo”, disse o exministro da Agricultura Reinhold Stephanes em entrevista à DINHEIRO RURAL.

“Temos vínculos com os produtores”

Decidido a olhar para o horizonte dos negócios, Hermínio Ometto Neto projetou em Goiás um investimento bilionário que está sendo visto como o modelo ideal de usina do futuro. Alta tecnologia na indústria e no campo deu a ele o poder de caminhar paralelo às gigantes do setor.

A São Francisco é apontada como o modelo ideal para uma usina nos dias de hoje. Quais seus diferenciais?

Optamos por criar em Goiás dois greenfields, a São Francisco e a Cachoeira Dourada, ainda em obras. Investimos em alta tecnologia porque é impossível acompanhar o mercado sem ela. Na indústria, as unidades usam o difusor no lugar do esmagador e caldeiras de alta pressão para a cogeração de energia. No campo, já atingimos 100% de mecanização da colheita e 70% no plantio.

O plantio não será 100% mecanizado?

Não. Temos fortes vínculos com nossos fornecedores e temos um compromisso com eles. As duas usinas, juntas, concentram grande geração de empregos na região e os fornecedores fazem parte desta cadeia, que não vamos quebrar. Temos muito respeito por quem faz a agricultura acontecer.

Os dois greenfields foram construídos de forma modular. O que isso representa?

Representa competitividade e redução de custos. O modelo permite à unidade expandir-se conforme a demanda, com custos menores que em um brownfield. Comparativamente, se fôssemos expandir um módulo da São Francisco, investiríamos cerca de R$ 100 milhões, enquanto no brownfield o retrofit nos custaria R$ 250 milhões.

Assim que as duas novas unidades estiverem em pleno funcionamento, em 2011, Ometto Neto terá em mãos um grupo com uma capacidade de moagem de 13 milhões de toneladas – o mesmo tamanho do Grupo Moema, comprado recentemente pela Bunge por US$ 1,5 bilhão. Ometto Neto não nega que tenha sido sondado muitas vezes por grupos estrangeiros, mas, depois de tantos anos trabalhando duro para acertar a casa, ele não vai vender barato o suor do seu esforço. “Telefone, internet e capital estrangeiro são inevitáveis”, disse à DINHEIRO RURAL. “Mas antes vamos provar que uma empresa familiar pode ser bem administrada.”

O Grupo USJ não possui profissionais de mercado em sua diretoria a exemplo do que fazem outras companhias de mesmo porte. A sala de reunião do presidente é o seu próprio avião e as reuniões acontecem enquanto pilota a aeronave entre uma unidade e outra. Antes de assumir os negócios da família, Ometto Neto era piloto comercial e chegou a comandar grandes aviões como o Boeing 747.

“É uma boa hora para conversar, porque estamos todos juntos”, explica. Sua diretoria é composta pelas irmãs Carolina e Virgínia, além do primo Ricardo, e as contas são levadas com muito rigor.Em 1994, quando assumiu a empresa durante um período de problemas financeiros, ele teve de promover uma difícil reestruturação. Dos oito mil funcionários, sobrou menos da metade. A empresa diminuiu de tamanho e se manteve assim por anos até voltar a crescer de forma sustentável. O período, segundo conta o empresário, foi extremamente duro.

3,5 bilhões de litros de eta nol é o contrat o com a green energy, empresa de capita l britânico e interessada no combustível

Rubens Ometto: o parente mais próspero da família é referência no setor

Ele não revela o valor total das dívidas quando assumiu, mas explica que em diversos momentos chegou a duvidar da capacidade de recuperação da Usina São João. Entre os anos de 1998 e 2001, o setor viveu tempos difíceis, com uma sobreoferta de etanol e poucas perspectivas de crescimento. Mas a partir de 2002, com as contas mais equilibradas e com a entrada dos carros flexfuel, a sorte de Ometto Neto começou a mudar. “Só começamos a investir mesmo em 2006, depois de um longo trabalho de recuperação e quando passamos a ter acesso a linhas do BNDES.”

Do R$ 1,2 bilhão investido em Goiás, R$ 876 milhões foram para a São Francisco, R$ 152 milhões para a Cachoeira Dourada, R$ 310 milhões para a área agrícola e R$ 718 milhões para a indústria. Com isso, ele aumentou em 30% as vendas externas, tendo como principal cliente a Grã- Bretanha, através da Green Energy.A meta é exportar 3,5 bilhões de litros de etanol em 2010 e já fechou contratos de dois anos para a venda de energia elétrica cogerada a partir do bagaço da cana para a Celg (Companhia Elétrica de Goiás), e travou laços mais fortes com os fornecedores locais.

 

“Os greenfields formam um importante centro gerador de renda na região, com 2,5 mil funcionários.” Não é só isso, mas a localização dos greenfields também foi uma estratégia bem pensada, já que por ali possivelmente passará o Uniduto, alcoolduto projetado pelo Consórcio Alicom (USJ/São Martinho/Santa Cruz). “O Brasil é carente de infraestrutura logística. O Uniduto é um projeto arrojado”, diz o executivo, enxergando lá longe um nicho de mercado pouco explorado.

Depois de tantos anos de espera e gerando fluxo de caixa, os irmãos-primos decidiram que era a hora de expandir. “Voei 25 mil quilômetros por este país todo para encontrar esta localização (o sudoeste goiano)”, conta o executivo. “Nos três primeiros anos, nossos investimentos foram maiores que a receita, mas a aplicação da tecnologia na unidade possibilitou a flexibilização da produção no momento da crise.” Um ano antes, o grupo havia injetado R$ 4 milhões na refinaria de açúcar do brownfield São João. Após um ano, com a quebra da safra indiana, a demanda mundial pela commoditie aumentou. “Foi uma visão antecipada do mercado.”

As reuniões de negócios do Grupo USJ não deixam de ser também encontros de família. A história dos Ometto no mundo da cana é ancestral. Em 1906, os irmãos Pedro, Caterina e Girolamo compraram 144 hectares de terra no interior paulista, que se multiplicaram nas mãos dos netos Pedro, Hermínio (avô de Hermínio Neto), Narciso e Iracema. Os netos de Pedro levantaram a Cosan, os de Iracema, o grupo São Martinho, e os de Hermínio, o USJ.

À frente de cada um deles estão Rubens, na Cosan, João Guilherme, na São Martinho, e o próprio Ometto Neto no USJ. Nos anos 2000, o USJ, a São Martinho e a Santa Cruz formaram o Consórcio Alicom, que projeta construir o alcoolduto Uniduto. “Nossos antepassados criaram essas empresas num tempo em que não era possível fazer ideia do gigante que se tornaria esse mercado. Hoje, cabe a nós dar continuidade a esse crescimento e, cada um ao seu modo, escrever a sua própria história de sucesso”, diz Hermínio Ometto Neto.

Há espaço para todos os grupos

Dois especialistas do setor sucroenergético dizem que o sucesso de Hermínio Ometto Neto está relacionado a um mercado que ainda possui espaço para grandes, médias e pequenas usinas. A questão é saber administrar

“O Grupo USJ é um dos exemplos de usinas que permanecem nas mãos das famílias e mesmo assim conseguem se destacar entre tantas operações que vêm acontecendo”

Marcos jank, presidente da Unica

“A verdade é que o bom administrador não precisa ter um sobrenome de peso, e sim competência para gerenciar os seus negócios”

Maurílio Biagi Filho, Usineiro