Em meados do ano passado, a advogada Grace Benayon precisou fazer uma sustentação oral no Tribunal Regional do Trabalho do Amazonas em defesa de uma colega que estava sendo impedida de entrar no fórum por causa de um vestido com alças.

“Este ano isso mudou. Hoje o TRT daqui é dirigido por três mulheres: presidente, vice-presidente e corregedora”, conta.

A partir de 1º de janeiro, ela própria assume um cargo de direção com ares de ‘virada’ feminina: na presidência da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Amazonas. O mandato vai até o final do mesmo ano.

O cargo ficou vago depois que o titular, o advogado Marco Aurélio Choy, anunciou afastamento para assumir a vaga de procurador-geral do município de Manaus. Com a renúncia, ela – que era vice na chapa – será a primeira mulher a ocupar a presidência da entidade em seu Estado e a terceira a presidir uma seccional da OAB no Brasil nos últimos 90 anos.

Apesar do pioneirismo, a transição será discreta em razão da pandemia de covid-19. “Não vai ter posse. A gente está vivendo um momento delicado, provavelmente teremos um novo lockdown no nosso Estado”, lamenta.

Grace assume em um ano em que a advocacia feminina conseguiu aprovar junto ao Conselho Superior da OAB a paridade de gênero para o preenchimento dos cargos da entidade já a partir das próximas eleições internas, previstas para novembro de 2021. Ela liderou a articulação no Amazonas.

“Eu tenho convicção de que esse momento é um momento de muita representatividade feminina. É uma conquista histórica”, avalia. “Quero encorajar outras mulheres a ocuparem os espaços de poder”, acrescenta.

Para o próximo ano, a expectativa da nova presidente é a de investir em estratégias para ampliar as oportunidades aos colegas em mais um ano de pandemia.

“Eu sou uma advogada militante. Quero trabalhar para buscar oportunidades para os advogados. O mundo inteiro está vivendo essa pandemia e nós precisamos buscar na crise, nesse momento de dificuldade, dar oportunidade e melhores condições para a advocacia”, defende.

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Como é ser a primeira mulher vice-presidente e agora presidente eleita da OAB-AM?

Não tenho palavras para descrever a alegria que é representar a advocacia feminina em um momento tão emblemático como este. Estou encarando a missão com muita responsabilidade. A conquista é importante para a advocacia feminina, porque o tempo e o destino cuidaram para que eu pudesse assumir justamente em um ano em que as mulheres advogadas fizeram o movimento pela paridade nas eleições internas da OAB. Hoje nós somos 19 vice-presidentes, mas eu vou ser a única mulher advogada presidente de uma seccional. Eu tenho convicção de que esse momento é um momento de muita representatividade feminina. É uma conquista histórica: eu sou a terceira mulher presidente da história da OAB. Eu me sinto muito honrada de poder representar as mais de 600 mil mulheres advogadas. Não apenas para as minhas filhas eu quero deixar esse exemplo, mas para todas as mulheres que tiveram interesse de ocupar espaços de liderança no sistema da Ordem.

Ser a única mulher presidente de uma seccional da OAB é uma dificuldade? Na avaliação da sra., o que isso representa?

Quero encorajar outras mulheres a ocuparem os espaços de poder. Eu sou mãe de três meninas e sempre fui movida a desafios. As mulheres precisam mostrar o seu valor e dar a sua contribuição. A gente precisa quebrar paradigmas e mostrar que nós somos capazes de ocupar os espaços de poder. Eu me sinto uma representante de todas as mulheres advogadas a nível nacional.

A sra. considera a OAB um ambiente machista?

Ao longo dos 90 anos de história da Ordem, os principais cargos foram predominantemente ocupados por homens. Mas essa realidade vem sendo repaginada. Pragmaticamente ainda temos que evoluir muito, mas é perceptível que os ventos femininos já são irreversíveis nos quadros da OAB. Nós temos hoje 19 vice-presidentes, além de muitas mulheres presidentes de Caixa de Assistência, da Escola Superior da Advocacia, diretoras, conselheiras federais. Mulheres importantes, empoderadas, valorosas.

O que podemos esperar da sua gestão?

Eu sou uma advogada militante. Eu conheço as dores, os anseios, as alegrias e as agruras do advogado militante. Eu quero trabalhar para buscar oportunidades para os advogados. O mundo inteiro está vivendo essa pandemia e nós precisamos buscar na crise, nesse momento de dificuldade, dar oportunidade e melhores condições para a advocacia.

Está prevista alguma medida ou projeto relacionado a direitos das minorias ou mulheres?

Eu recebo um legado importante do presidente Marco Aurélio de Lima Choy. A OAB conta com 77 comissões: das mulheres advogadas, das mulheres negras, dos portadores com deficiência… Nós construímos uma gestão muito participativa com olhares para esses diversos movimentos e pretendo dar continuidade.

Esse mês o Conselho Federal da OAB aprovou paridade de gênero e cota racial para os cargos da entidade. A sra. participou dessa mobilização?

Eu liderei esse movimento aqui no nosso Estado justamente para encorajar as mulheres advogadas a integrarem o sistema OAB e principalmente a estarem conosco garantindo o espaço das mulheres. Nós fizemos uma mobilização a nível nacional com as nossas conselheiras federais e presidentes de comissão da Mulher Advogada. Eu arregimentei todas as mulheres do sistema OAB na nossa seccional. Foi uma conquista importante para a advocacia feminina.

Como foi o processo de disputar uma vaga de desembargadora no Tribunal de Justiça do Estado em 2018?

Foi uma das melhores experiências profissionais da minha vida. Eu fui recepcionada por colegas renomados, iniciantes, de diferentes realidades e que viram em mim uma representantes. Eu tive a grata alegria de ter sido a mulher mais votada nessa eleição para desembargadora. E nessa oportunidade levar a força da mulher advogada para este próximo nível. Nós não tínhamos muitas mulheres concorrendo.

A sra. tem uma longa carreira. Na sua avaliação, o que mudou na advocacia desde que começou a trabalhar?

Eu sou da época da datilografia (risos). Me formei com 21 anos, entrei na faculdade com 16. Estamos vivendo um novo momento: de peticionamento eletrônico, audiências virtuais… É uma nova era em que precisamos capacitar os colegas advogados: do veterano ao jovem. Nós precisamos estar atualizados e fazendo a diferença.

Quais são as prerrogativas dos advogados que a senhora considera mais necessárias defender hoje?

Na pandemia, os advogados estão tendo dificuldade de prestar o serviço. O advogado tem inúmeras dificuldades desde o momento em que ele vai fazer um parlatório para atender o cliente preso, por exemplo, quando às vezes ele é impedido de entrar no sistema prisional ou na Polícia Federal. Há ainda o fato de ter tribunais fechados. Os atendimentos são virtuais, as pessoas estão trabalhando de home office. A gente precisa garantir principalmente que o advogado seja atendido. Sem advogado, não há Justiça. Sem Justiça, não há democracia.

Vai ter cerimônia de posse?

Não vai ter posse. A gente está vivendo um momento delicado, provavelmente teremos um novo lockdown no nosso Estado. O momento é de muita seriedade para enfrentar os desafios que virão. Em 2020, 80% da nossa atividade profissional foi virtual. Nós tivemos que nos reinventar. Nós não sabemos o que virá, mas eu sou otimista e acredito que na crise podemos criar oportunidades. Eu quero fazer essa transição com muita tranquilidade.