01/10/2010 - 0:00
Lambayeque: área que será irrigada. A expectativa é atrair produtores de frutas, aspargos e cana-de-açúcar
O tempo costuma deixar marcas permanentes no rosto daqueles que trabalham no campo. No caso de Juan Soto de Pino não é diferente. De estatura baixa, olhar cansado e caminhar lento, mas firme, o agricultor transmite uma fragilidade que não combina com a realidade do lugar onde vive. Juan é um dos poucos produtores que tiveram a sorte de encontrar poços artesianos com água de boa qualidade nas proximidades da cidade de Olmos, na região de Lambayeque, localizada a 900 quilômetros ao norte de Lima, no Peru.
Considerada a mais pobre do Peru, a região de Lambayeque conta com um solo de boa qualidade, o problema é que não há água. Culpa da Cordilheira dos Andes, a maior cadeia de montanhas do mundo.
A saída para a região é arrumar uma maneira de trazer a água do rio Huancabamba, que corre o ano inteiro no lado oriental, para o lado ocidental da cadeia de montanhas. Para isso, é preciso escavar um túnel de 20 quilômetros sob os 2,5 mil metros de rocha pura da cordilheira. Juan Soto alimenta essa esperança faz tempo. Data de 1925 a primeira tentativa de cortar os Andes de leste a oeste.
Projeto: túnel sob a cordilheira vai levar água para uma região deserta de 43 mil hectares em Lambayeque, no norte do Peru
Agora, quem está prestes a concluir o o primeiro túnel transandino é a empreiteira brasileira Odebrecht. Pronto, o enorme buraco vai transportar anualmente 400 milhões de metros cúbicos de água – o equivalente a duas represas Guarapiranga, localizada na Grande São Paulo – de um lado a outro da cordilheira.
Essa água vai servir para irrigar uma área de 43,5 mil hectares, incluindo os pouco mais de dez hectares de propriedade de Juan Soto.
Mas, apesar de fazer a alegria dos pequenos produtores, o faraônico projeto não é voltado para eles. Os outros 38,5 mil hectares pertencem ao governo peruano e serão vendidos para grandes produtores internacionais.
O projeto contempla duas concessões: a primeira, obtida pela Odebrecht por meio de licitação em 2006, diz respeito à transposição do rio Huancabamba utilizando o túnel sob a cordilheira. Nesta obra, a construtora brasileira vai investir US$ 200 milhões e terá direito a operar o sistema por 20 anos.
Só falta água: solo da região é próprio para o cultivo de frutas
Condomínio agrícola: serão vendidos 41 lotes de 500 a mil hectares para produtores estrangeiros
A segunda concessão, obtida sem a necessidade de licitação, é para construir, manter e operar o sistema de irrigação. Uma nova empresa, a H2Olmos, foi criada para ser a concessionária do projeto de irrigação. Sem água, as terras que serão beneficiadas valem cerca de US$ 200 por hectare. Com água, o preço sobe para US$ 4,25 mil. Assim, ficou decidido que a H2Olmos, juntamente com o governo regional de Lambayeque, fará um leilão para a venda de lotes nessa região ao preço de terra irrigada, sendo que o governo receberá o equivalente ao valor das terras sem água, ficando o restante destinado ao pagamento das obras.
A ideia de propor esse modelo ao governo peruano surgiu, segundo o brasileiro Jorge Barata, presidente da empresa no país, da preocupação com a possibilidade de concluir as obras do túnel transandino sem que ele tenha grande utilidade para a região. O leilão das terras acontecerá em dezembro. A ideia é atrair, principalmente, empresas da Ásia e do Brasil. Serão 41 lotes ao todo, seis lotes de 500 hectares e mil lotes de mil hectares. A tarifa pelo serviço de irrigação será de US$ 0,07 por metro cúbico de água. O acesso às terras por parte dos ganhadores do leilão está previsto para março do próximo ano. A água, no entanto, só chega dois anos depois. Isso porque as obras só vão começar após a venda das terras.
A expectativa, segundo Alfonso Pinillos Moncloa, gerente comercial da H2Olmos, é de que a região atraia, primordialmente, produtores de frutas. “A falta de chuva, desde que haja água, favorece esse tipo de cultura”, explica Moncloa. O aspargo é outro produto que deve fazer parte do leque de opções dos novos fazendeiros da área. O Peru é o maior exportador mundial de aspargos.
Existe também um plano para atrair produtores de cana-de-açúcar brasileiros para a região, juntamente com usinas de etanol. Moncloa está, no momento, levantando dados sobre as empresas brasileiras do setor para apresentar o projeto.
Jorge Barata: a Odebrecht corria o risco de ver sua grande obra não servir para muita coisa
Juan Soto: demora em viabilizar o projeto quase acabou com a esperança do povo local
Uma das facilidades da região é o escoamento da produção, que poderá ser feito por meio do porto de Paita, a 200 quilômetros de distância. É por conta desse porto que os peruanos esperam atrair as empresas asiáticas para a região.
Ao final dessa empreitada, a paisagem em Lambayeque deve mudar radicalmente. Se tudo der certo, a terra seca e arenosa deve dar lugar ao colorido das plantações. Empregos serão criados, disputas comerciais serão travadas e, espera-se, uma nova perspectiva de desenvolvimento tomará conta da pobre região. Já as marcas no rosto de Juan Soto de Pino, e tantos outros agricultores que esperam pela água há quase um século, infelizmente, continuarão no mesmo lugar. Lembranças de um passado sofrido e seco, que quase acabou com a esperança dos moradores.