07/07/2014 - 12:43
Há um marco na agricultura familiar que a livra do sentimento de ser identificada como um setor menor na economia do País?
Até o início dos anos 2000, a única política estruturada para esse setor era o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Hoje, há 15 políticas no governo federal voltadas para subsidiar o setor. O Plano Agrícola Familiar, criado há 12 anos, também ajudou bastante. Na próxima safra, serão alocados R$ 24,1 bilhões para o setor, ante R$ 2 bilhões em 2001-2002. Também está sendo criada uma agência nacional para a assistência técnica e a extensão rural, com R$ 1 bilhão nesta safra. Isso tudo representa um conjunto de ações por deliberação política, porque de tudo o que o brasileiro põe na mesa 70% ou mais vem da pequena propriedade agrícola.
O que mudou, de fato, além do dinheiro a mais para o setor?
Atualmente, há uma visão horizontal da agricultura familiar. Nesse modelo de processo produtivo questiona-se a ideia de que agricultor não sabe nada, o cientista sabe tudo e o extensionista só transfere conhecimento. Existe saber no agricultor familiar, há saber na academia. É preciso qualificar essa transição de conhecimento de um lado a outro.
É possível aumentar a autoestima do agricultor familiar, sempre tão distante do padrão do grande empresário rural?
O setor já vive uma outra realidade. Até pouco tempo atrás, o produtor tinha vergonha de ser agricultor familiar porque era a visão do atraso. Hoje é chique, é importante, tem política pública voltada para ele. O agricultor familiar passou a ser um ator econômico-social importante.
Mas ainda há muitas reivindicações no campo…
Sim, apanhamos muito, ainda, mas no interior de um processo participativo. Quando apanhamos, há a seguinte mensagem: “avançamos, mas queremos mais”. O Plano Agrícola, por exemplo, foi construído ouvindo as associações de classe.
Para o agricultor ter mais renda é melhor estar em todo o processo produtivo, indo até o consumidor, ou se aliar a outros elos da cadeia?
Depende da cadeia. No leite, por exemplo, a maior parte da produção vem da agricultura familiar. Mas, pela sua complexidade, a indústria é importante porque o produtor não consegue fazer todo o processo sozinho. Nela, a formação de preços passa a ter muitos atores. Mas, nas cadeias em que domina todo o processo, o agricultor familiar está indo até o fim. E quem determina o preço é ele, na sua relação com o mercado.
A política de preços mínimos do governo federal tem sustentado essas cadeias?
As compras públicas colocaram um elemento novo para a formação de preços no mercado de alimentos como um todo. Com elas se eliminam os atravessadores, não é sustentação. O agricultor familiar produz e entrega o alimento para a Conab, ou no local de consumo, processado ou in natura. Os preços mínimos se baseiam em metodologias de mercado para o arroz, o feijão, etc.
Mas essas políticas públicas podem afetar o preço de mercado?
Os preços não são tabelados, estatizados ou governamentais, são de mercado. Um Estado responsável não pode estimular a produção sem preço mínimo. O preço mínimo é uma garantia. O produtorsabe que, se o mercado ficar desfavorável, haverá uma saída.
Há outros estímulos de mercado, além do preço mínimo?
Um dos mais importantes programas é o Mais Gestão, criado há cinco anos com viés gerencial da propriedade e que ensina o produtor a ser um homem de negócio. Hoje, de 1,1 mil cooperativas com a DAP Jurídica, a Declaração de Aptidão ao Pronaf, 457 estão recebendo o Mais Gestão. Nessas cooperativas estão 455 mil famílias.
Há cadeias produtivas mais abertas a receber esse tipo de assistência?
Não é novidade para ninguém a diversidade do Brasil. Não dá para comparar um agricultor familiar do oeste do Paraná ou sudoeste de Santa Catarina, com um agricultor da Amazônia ou do Semiárido. São culturas completamente diferentes. No Sul, o associativismo e o cooperativismo fazem parte da cultura, enquanto no Norte e Nordeste não. Por isso, são necessárias as políticas públicas. Depois eles vão com as próprias pernas. Mudam-se posturas.
As mudanças passam, necessariamente, pelo bolso do produtor?
Quando não é cultural, completamente. Porque o produtor não só vende coletivamente, ele compra coletivamente. Uma coisa é comprar um saco de milho semente, outra coisa é comprar mil sacos. Ganhos de escala servem para todo mundo.