O caminho dos grãos até se transformarem em um valioso pó

na maior e mais moderna fábrica de cafés finos da Europa

400 mil toneladas de café são processadas diariamente na fábrica de Settimo Torinese

Alguns dos melhores grãos de café produzidos no Brasil têm endereço certo na Itália. Adquiridos por uma das maiores companhias beneficiadoras do mundo, a Lavazza, eles são descarregados diariamente nos arredores de Turim, na Itália. Escondidos em sacas ou em caminhões-tanque, eles praticamente nem são vistos por lá.

Através de um sofisticado sistema industrial, são selecionados, torrados e embalados longe da vista e das mãos de qualquer ser humano na maior fábrica de cafés da Europa. Conhecida como Settimo Torinese, em referência ao nome da região de Turim em que está localizada, é ali que nosso cafezinho ganha status de spresso e, com passaporte italiano, visto de entrada para os mais sofisticados mercados do mundo. DINHEIRO RURAL visitou a fábrica, um complexo de 80 mil metros quadrados, acompanhou cada fase de produção da Lavazza e ouviu do presidente mundial da marca, Gaetano Mele, uma mensagem aos produtores brasileiros num momento de instabilidade: “Em períodos de crise é preciso manter altos padrões de produção e continuar procurando agregar valor ao produto”, afirmou A planta de Settimo Torinese é prova da ligação da Lavazza com os cafeicultores brasileiros. Todos os dias são descarregadas lá cerca de 400 toneladas de grãos. Cerca de 40% deles vêm do Brasil. Não é qualquer produto que corre nas esteiras rolantes da área de desembarque da companhia. Os compradores da Lavazza percorrem, durante o ano todo, propriedades rurais de 25 diferentes países, avaliando a qualidade de cada safra e se o resultado delas está em conformidade com os padrões da empresa. “O desafio de uma empresa como a nossa é encontrar um padrão em produtos agrícolas, influenciados por uma série de condições externas”, explica Massimo Locatelli, turinense que dirige a subsidiária brasileira. A seleção que começa na lavoura prossegue na fábrica. Só o ato de descarregar as sacas de café verde é feito manualmente.

LINHAS DE EMBALAGEM: na fase final da produção, 30 máquinas empacotam 120 unidades por minuto

A partir daí, homens somente no comando dos computadores que controlam cada passo da produção. A primeira etapa é a da seleção óptica dos grãos. Nas esteiras, eles são analisados por scanners computadorizados, regulados para aceitar apenas aqueles que apresentam a cor determinada para cada variedade. Nada menos que 134 qualidades diferentes de café passam por eles. Combinadas, vão resultar em 80 mesclas, ou blends. Tudo o que estiver fora dos padrões estabelecidos pela equipe do laboratório de qualidade é descartado. Enquanto isso, o laboratório trabalha numa análise paralela.

GRAVIDADE ZERO: a torrefação é feita em câmaras sem pressão atmosférica; os grãos flutuam e o calor é difundido com injeção de ar quente

Amostras são coletadas e levadas alguns andares acima, onde as características físico-químicas de cada lote são avaliadas antes de seguirem adiante, em direção à torrefação.

Grandes tubulações subterrâneas cruzam o pátio da planta. Verdadeiros “cafedutos”, eles transportam os grãos para a torrefação. É nesse momento que se obtém o aroma e o sabor desejados. Nos fornos, a Lavazza utiliza um sistema único. Dentro deles, os grãos flutuam enquanto são submetidos a temperaturas que chegam a 240 graus centígrados. O calor é difundido pelo ar quente injetado nas câmaras de torrefação, num processo planejado para evitar o contato do café com as paredes dos fornos. Cerca de 400 quilos de café são processados de cada vez. A temperatura e o tempo de permanência nos fornos dependem da variedade dos grãos e do tipo de blend que se pretende obter. Quanto mais torrados os grãos, mais encorpado e forte é o café.

Um agradável aroma de café se espalha pelo ar, enquanto os grãos se desidratam – eles perdem até 12% de seu peso ao serem torrados. Na saída das máquinas, passam por nova seleção, agora por gravidade. Tudo o que for mais pesado do que o previsto é jogado fora. Nos descartes, algumas surpresas. Os cafés que vêm do Vietnã, por exemplo, costumam apresentar como resíduos uma quantidade de ferro. “São resquícios das bombas da guerra que se misturaram ao solo e acabam sendo transportados junto com os grãos”, explica Alessandro Cocco, coordenador do centro de treinamento.

“É HORA DE INVESTIR NA QUALIDADE”

Em entrevista à DINHEIRO RURAL, o presidente mundial da Lavazza, Gaetano Mele, comenta a crise internacional e manda um recado aos produtores brasileiros

DINHEIRO RURAL – Quais são suas expectativas em relação ao mercado mundial de café? Ele será afetado pela crise global? GAETANO MELE – Nossas receitas devem crescer este ano 7% em relação a 2007. Esse crescimento pode ser considerado robusto, diante da estabilidade do mercado italiano e de um crescimento de 20% no exterior. É claro que a turbulência financeira nos afeta e é difícil fazer qualquer previsão em uma situação como esta.

O TRIO DE FERRO: Mele, entre Giuseppe Lavazza, vice-presidente, e Alberto Lavazza, presidente do conselho de administração

RURAL – Que mercados devem ser os mais afetados?

MELE – Todos podem sofrer de alguma maneira. Entretanto, estamos mais preocupados com os mercados mais maduros.

RURAL – Qual o impacto das mudanças no mercado de commodities nos resultados da companhia?

MELE – O aumento do preço dos café verde em 2008 reduziu significativamente as margens da indústria. A redução que houve nos últimos meses ainda não foi suficiente para permitir um novo aumento na rentabilidade.

RURAL – É possível prever o que vai acontecer com os preços internacionais do café em 2009?

MELE – O que vimos recentemente é uma tendência de volatilidade nos preços, muito em função da especulação, e isso dificulta qualquer previsão para um futuro próximo. Para 2009, não há um cenário de alta de preços no café verde. Entretanto, os últimos eventos ensinam que fatores exógenos podem mudar significativamente qualquer tendência.

RURAL – O que o sr. tem a dizer aos produtores brasileiros nesse momento? É hora de investir?

MELE – A recomendação de uma empresa como a Lavazza, sempre focada em estratégias de desenvolvimento com base na qualidade, é manter altos padrões de produção mesmo nos momentos de crise e continuar buscando agregar valor ao seu produto.

RURAL – Recentemente a Lavazza adquiriu duas empresas no Brasil. Há planos para novas aquisições? Os investimentos vão continuar crescendo no País?

MELE – A empresa sempre teve uma ligação muito estreita com o Brasil. Cerca de 50% do café importado pela Lavazza vem do País, que nós conhecemos muito bem. Por isso, na década de 90 começamos a vender nossos produtos lá, primeiro através de distribuidores e a partir de 2005 com nossa própria subsidiária. Agora, em 2008, finalizamos duas aquisições: a Café Grão Nobre, no Rio, e a Café terra Brasil, em São Paulo, que são parte de um programa de investimento de 30 milhões de eurios em três anos. Entretanto, se novas oportunidades de crescimento surgirem, a Lavazza pode abraçá-las.

RURAL – Como o sr. avalia o mercado brasileiro para as marcas da Lavazza?

MELE – Como já disse, o Brasil é um mercado estratégico para a companhia e pretendemos crescer e fazer investimentos no País. Também acreditamos que nosso produto, o espresso italiano, pode ser muito bem recebido pelos consumidores brasileiros.

LOGÍSTICA EXPRESSA: no armazém do centro de distribuição, com capacidade para sete toneladas, todo o trabalho é automatizado

Na Lavazza, são produzidos 120 pacotes por minuto e 1,7 milhão de embalagens de café por dia. O controle de peso tem tolerância mínima: apenas 3 gramas nos sacos de 250 gramas. É ali que o café volta a ser visto e começa a ganhar seu destino final. Antes de chegar às casas e cafeterias, porém, fará uma escala em um dos maiores armazéns do gênero na Europa. No centro de distribuição de Settimo Torinese, sete toneladas de pó e grãos prontos para virar espresso aguardam pelo embarque em um gigantesco prédio com espaço para 11 mil pallets de dois metros de altura.

O movimento é intenso, mas não há viva alma lá dentro, apenas o trânsito de robôs-empilhadeiras que, comandados por computador, guardam e retiram os lotes num vai-evem permanente, expresso.