A Corte Especial do Superio Tribunal de Justiça decidiu nesta quinta-feira, 11, colocar no banco dos réus a desembargadora Maria da Graça Osório, do Tribunal de Justiça da Bahia, o empresário Adailton Maturino dos Santos e mais três investigados por suposto esquema de venda de decisão judicial apurado no bojo da Operação Faroeste. Os ministros viram indícios de autoria e materialidade dos delitos narrados pelo Ministério Público Federal, determinando a abertura de ação penal sobre crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Também foi mantido o afastamento da desembargadora, ex-2.ª vice-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, até o julgamento de mérito da acusação. Segundo o relator, ministro Og Fernandes, a medida se dá em respeito à Lei Orgânica da Magistratura, que exige ‘comportamento assertivo com a respeitabilidade e exercício isento da função judiciária’.

A desembargadora completa, em cinco dias, 75 anos de idade, o que implica em sua aposentadoria compulsória, com os respectivos proventos pela Corte baiana.

Também foram colocados no banco dos réus a advogada Geciane Souza Maturino dos Santos, mulher de Adailton, o empresário Dirceu Di Domênico, suposto financiador do grupo investigado, e Karla Janayna Leal Vieira, sobrinha de Maria da Graça. A denúncia agora recebida pelo STJ foi oferecida em junho de 2020.

Os ministros afastaram alegações da defesa sobre ‘falta de justa causa’ para abertura da ação penal. A defesa de Maria da Graça sustentou que trechos da denúncia do Ministério Público Federal configurariam ‘litigância de má-fé’.

A ação agora aberta pelo STJ diz respeito ao caso de suposta venda de decisão com o objetivo de regularizar área de 43 mil hectares do oeste baiano, próxima ao Piauí, em nome de um borracheiro que se transformou em um ‘grande latifundiário, com irreal composição patrimonial de 366 mil hectares de terras, avaliadas em R$ 1 bilhão’.

Segundo o Ministério Público Federal, o borracheiro teria consentido com o plano de Adailton Maturino – o ‘cônsul’ de Guiné-Bissau, apontado como idealizador do esquema de venda de decisões judiciais revelado na Faroeste – e sua mulher Geciane para convalidar registros de imóveis em seu nome.

No caso das terras com 43 mil hectares, o plano era desmembrar o imóvel e ‘negociar frações para ganho espúrio’, indicou a subprocuradora-geral da República Ana Borges Coelho.

A Procuradoria indica que o cartório de registro de imóveis levantou dúvida sobre a possibilidade de tal desmembramento. O caso foi judicializado e, em primeiro grau, foi declarada a impossibilidade de tal divisão. Depois, em liminar, a desembargadora denunciada, Maria da Graça Osório, determinou a abertura de 17 matrículas.

Para o MPF, a denúncia demonstra com ‘clareza’ os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, sendo abastecida por dados telefônicos, informações bancárias e provas apreendidas durante as fases ostensivas da Faroeste.

Durante o julgamento, a subprocuradora-geral da República Ana Borges Coelho destacou que, entre julho de 2013 e abril de 2014, Adailton e a desembargadora mantiveram 54 contatos telefônicos, 27 deles após o início do trâmite da ação na qual foi concedida a liminar sob suspeita. Teria ocorrido uma outra chamada no dia seguinte à decisão.

A subprocuradora Ana Borges Coelho ressaltou que Adailton disse não conhecer Maria da Graça Osório. Também sustentou que o zelador do prédio da desembargadora disse ter visto o investigado entrando no local mais de uma vez, indo para o apartamento da magistrada.

O empresário ainda teria tratado, com a sobrinha da desembargadora, sobre a organização de uma festa de aniversário para Maria da Graça. Segundo a Procuradoria, a sobrinha da magistrada era a operadora de propinas, pagas de forma ‘quase mensal’. A denúncia narrou que Adailton ou Geciane faziam saques elevados com a respectiva entrega para a parente de Maria da Graça.

O documento aponta, entre agosto de 2013 e fevereiro de 2019, 53 saques com os respectivos depósitos nas contas da sobrinha, totalizando R$ 271.115,91. As propinas também se davam por meio do custeio de contas pessoais, pagamento de jantares e ingressos para eventos artísticos, indicou ainda a subprocuradora Ana Borges Coelho.

Com relação aos crimes de lavagem de dinheiro, a Procuradoria narrou que Maria da Graça, com auxílio da sobrinha, entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2019, teria ‘lavado’ 662.505,41. A desembargadora movimentou mais de R$ 13 milhões em 57 contas bancarias, sendo que apenas 22% de tal valor corresponde aos salários por ela recebidos do Tribunal de Justiça da Bahia. A subprocuradora-geral da República Ana Borges Coelho indicou ainda que a magistrada ‘pegou 25 empréstimos, com agiotas’.

‘Dilaceração dos pilares da justiça’

A subprocuradora-geral da República Ana Borges Coelho pediu que os denunciados fossem colocados no banco dos réus ressaltando como a Operação Faroeste revelou a ‘dilaceração dos pilares do sistema de justiça baiano colocando em xeque a imparcialidade e moralidade que devem nortear a judicatura em uma verdadeira batalha por captação de divisas criminosas pelos julgadores investigados’.

Segundo o Ministério Público Federal, já foram apresentadas mais de dez denúncias na esteira da investigação, além da abertura de uma série de braços da investigação. A Faroeste apura supostos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa, desvelando um esquema de venda de decisões judiciais para legitimação de terras griladas no oeste baiano.

A Procuradoria diz ter identificado, no bojo da operação, quatro núcleos da suposta quadrilha: o judicial, composto por desembargadores, magistrados e servidores; o causídico, formado por advogados que intermediavam a venda das decisões; o econômico, integrado por produtores rurais que ‘queriam negociar decisões’ para legitimar a grilagem de terras; e o de defesa social, que visava a blindagem dos demais núcleos.

A subprocuradora lembrou de borracheiro que teria anuído com o plano de Adailton Maturino e sua mulher Geciane para convalidar registros de imóveis em seu nome, de modo que ele se transformou em um ‘grande latifundiário, com irreal composição patrimonial de 366 mil hectares de terras, avaliadas em R$ 1 bilhão’.