Basta observar as prateleiras dos supermercados para notar uma mudança que vem ocorrendo gradativa, mas sustentavelmente nos últimos anos: o espaço cada vez mais reservado aos alimentos orgânicos, que não se restringem aos legumes, frutas e verduras que eram confinados à seção de hortifrúti. Hoje em dia, as gôndolas estão repletas das mais variadas guloseimas, como bolachas, chocolates, geleias, salgadinhos e refrigerantes, além de iogurtes e carnes. Mas, apesar dos progressos recentes, o setor ainda é um grão de areia no deserto. Estima-se que apenas 1% da produção agrícola do País seja orgânica e que a área ocupada não passe de 1,5 milhão de hectares cultivados e dois milhões de hectares em sistema extrativista. Muito pouco, ante os 50 milhões de hectares dedicados ao cultivo convencional de grãos e cereais. Agora, com um empurrãozinho do governo federal, o setor de orgânicos deve tomar fôlego para crescer de forma ordenada. Até o fim deste ano, será lançado o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que faz parte da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo). O decreto, assinado no fim de agosto pela presidenta Dilma Rousseff, vai definir estratégias e recursos a serem aplicados no setor em 2013. “O trabalho, que já vem sendo desenvolvido com entidades públicas e a sociedade civil deverá ser fortalecido pelo Planapo”, diz o ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro.

O produtor de hortaliças Roberto Hideki, da fazenda Direto da Serra, em Mogi das Cruzes, a 60 quilômetros da capital paulista, vem apostando nessez mercado desde 2002 e espera por mudanças. “Nós, agricultores, nunca encontramos crédito diferenciado para esse sistema de cultivo”, diz Hideki. Mesmo assim, nos últimos dois anos, sua produção aumentou 50% ao encontrar um caminho para escoar a produção. Hideki integra uma rede de 130 fornecedores do Grupo Pão de Açúcar, dono da maior rede varejista de alimentos do País, recebendo apoio técnico e garantia de compra de seus produtos. “Com entrega certa, foi possível investir na lavoura”, diz Hideki.

Nos últimos anos, o maior desafio para Hideki tem sido a incorporação de novas tecnologias para que os produtos orgânicos tenham mais vida útil de prateleira. Ele lembra que já chegou a perder 70% da produção. “A gente não sabia fazer o manejo correto de várias culturas”, diz. Por usar o solo respeitando a sazonalidade das plantas, o cultivo exige mais tempo. No caso da alface orgânica, a colheita pode demandar até 20 dias a mais, se comparada à produção convencional. Além disso, no início da atividade, Hideki tinha dificuldade para negociar a venda de sua produção. “Começamos com um distribuidor, antes do Pão de Açúcar, mas o preço era inviável”, diz. Em média, os orgânicos chegam ao consumidor custando 40% a mais que os alimentos convencionais. Alguns produtos, como o trigo e o açúcar, chegam a custar quase duas vezes mais. Hoje, com entrega garantida em 21 lojas do Pão de Açúcar, Hideki cultiva mais de 40 variedades de folhas, em 38 hectares. Além de alface, ele planta salsinha, couve, repolho, mostarda e salsão, entre outras. “Nos últimos tempos, estamos testando o cultivo de legumes”, diz. “Assim que o manejo for acertado vamos intensificar a produção.”

O Grupo Pão de Açúcar investe em produtos orgânicos há 20 anos. Nesse tempo, tornou-se o maior vendedor do País, oferecendo 750 itens da modalidade. Para Sandra Caires, gerente comercial de orgânicos da empresa, o que tem barrado o crescimento do setor é a pequena escala da produção, que ainda se ressente da inexistência de coordenação no País. “Falta articulação, mas estamos apostando que o setor vá crescer mais rapidamente daqui para a frente”, diz Sandra. “A organização da cadeia produtiva tem sido intensa nos últimos anos.” No Pão de Açúcar, a lição tem sido feita dentro de casa. Até o fim do ano, todas as 160 lojas da rede terão uma seção exclusiva para os produtos orgânicos. Antes, eles ocupavam prateleiras separadas, cada um em determinado setor da loja, principalmente os de mercearia, entre eles café, feijão, azeite, geleia e açúcar.

Em lojas de São Paulo, como o Pão de Açúcar da Vila Clementino, bairro de classe média alta, já é possível conferir a gôndola exclusiva para os orgânicos. “A partir do momento em que os produtos começaram a ficar mais sinalizados para o consumidor, as vendas aumentaram”, diz Sandra. Nos últimos anos, o crescimento do comércio de orgânicos na rede tem sido de 30% ao ano. Em 2012, a receita esperada é de R$ 100 milhões, uma quantia ainda irrisória quando comparada ao faturamento total do grupo em 2011, que foi de R$ 52 bilhões, mas que representa um crescimento superior a 16 vezes os R$ 6 milhões obtidos pelas vendas de orgânicos em 2002. “O consumidor ainda está aprendendo o que é o orgânico”, diz Sandra. Mas, segundo ela, esses produtos já deixaram de ser um modismo para se tornar uma tendência de mercado.

Por conta dessa percepção, começam a surgir empresas com foco exclusivo na produção de orgânicos. É o caso da Natumaker, de São Paulo, que no mês passado apresentou nas lojas do Pão de Açúcar o Wewí, o primeiro refrigerante orgânico do mundo à base de guaraná. Segundo a diretora executiva da Natumaker, Anna Carolina Coelho, a empresa iniciou a produção numa fábrica terceirizada em Sorocaba, no interior de São Paulo, com capacidade para envasar cinco milhões de garrafas de 250 mililitros por mês. “Não vamos parar por aí”, diz Anna Carolina. A Natumaker deve lançar outras bebidas, além da versão do guaraná sem açúcar. “Queremos industrializar produtos saudáveis, como vem ocorrendo em todo o mundo”, afirma. “Fora do Brasil o mercado está aquecido.”

A Natumaker não está sozinha nessa empreitada de conquista do mercado internacional. O projeto Organics Brasil, iniciativa do Instituto de Promoção do Desenvolvimento (IPD) e da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), tem promovido lá fora, desde 2005, 74 empresas associadas. Para o coordenador executivo do Organics Brasil, o paranaense Ming Liu, a diversidade brasileira é um diferencial. “Existe uma grande demanda por matérias-primas e as empresas precisam ficar atentas às oportunidades”, diz. Nos últimos cinco anos, o crescimento estimado das exportações foi de 20%, principalmente para países como Alemanha, Reino Unido, França, Estados Unidos, Canadá e Japão. Em 2011, as empresas associadas à Organics Brasil faturaram US $ 87 milhões.

Com o Planapo, o governo quer ligar todas as pontas que ainda hoje estão desconectadas – do produtor, passando pelo varejo e indo até a exportação. Segundo o coordenador de agroecologia do Ministério da Agricultura, Rogério Dias, há um entendimento no governo de que a agricultura sustentável precisa ser mais bem articulada no País. “O plano de agroecologia e produção orgânica vai fazer com que as ações do governo cheguem a quem precisa delas”, disse. “O objetivo é que se tenha maior oferta de produtos e, consequentemente, preços mais justos para o consumidor.” Esse plano político, que deve estar pronto até o fim do ano, vinha sendo discutido desde 2010. O governo pretende triplicar o número de famílias envolvidas no sistema agroecológico nas próximas safras agrícolas. Dos cerca de 90 mil produtores dedicados à atividade, no País, 85% são familiares. O plano que está sendo elaborado conta com a participação de 14 representantes do governo e com 14 do setor privado.