Não é nenhuma novidade saber que hoje no mundo e no Brasil, a demanda por produtos orgânicos vem crescendo. Este crescimento reflete uma maior conscientização por parte do consumidor na busca por produtos cada vez mais saudáveis, menos industrializados, produtos que no processo de produção minimize o impacto ambiental e que tenham a garantia de ser seguros, que façam bem para a saúde e que possam ser adotados em programas de prevenção para se obter uma vida mais longa e saudável.

Neste cenário, os produtos orgânicos estão nos principais mercados desde à década de 70, período na qual tivemos mudanças comportamentais radicais na sociedade, primeiramente com o banimento de defensivos agrícolas industrias como o DDT, que surgiram na década de 40, e que no século XXI estão sendo substituídos por outros produtos, mais tecnológicos e “inovadores”, na medida em que se aumenta a produtividade e reduz aparentemente os custos diretos na produção, mas ainda não sabemos o seu impacto no ser humano e na sua saúde. Ainda se discute as vantagens econômicas que estes avanços trazem, mas o que se procura hoje, é garantir que possamos estar presentes no futuro, num planeta vivo, orgânico e saudável.

Apenas a partir de 2001 e 2002, que os atuais grandes mercados, Estados Unidos e Europa, se preocuparam em regulamentar e criar mecanismos de controle e garantia da qualidade e credibilidade junto ao consumidor final.  Não diferentemente, o Brasil também iniciou este processo em 2003, publicando a Lei 10.831, sob as asas da agroecologia e da agricultura familiar, desde então, ocupa espaço no mercado e no mundo em discussões dos critérios para se fazer valer os valores e os conceitos de seu processo e conformidade.

O Brasil, por sua extensão geográfica, diversidade da natureza de produtos, variedade do clima e biomas, optou-se por uma legislação mais inclusiva, diferentemente dos outros países, a qual o principal canal de produção baseia-se apenas na estrutura tradicional da agricultura e no processamento. No nosso país, este processo foi regulamentado apenas em 2011, com a criação do selo nacional obrigatório que hoje dá a credibilidade que o consumidor precisa.

Todo o processo de regulamentação possibilitou que o mercado se preparasse para este reconhecimento, na medida que o consumidor se conscientiza da necessidade de cada vez mais produtos seguros e produtos que fazem bem a saúde.  Este processo criou condições para que o mercado global de orgânicos hoje represente perto de US$80 bilhões de dólares de faturamento.  Um valor pequeno se comparado com os números de faturamento das grandes corporações do mundo do agronegócio.  Um valor que ainda posiciona os orgânicos como um mercado de nicho, mas quando passamos a avaliar pela forma como o consumidor constrói suas referências de qualidade no processo de compra, e também a partir dos hábitos que os consumidores vêm adotando na busca de produtos com melhor qualidade e mais seguros, os orgânicos têm se comportado como um mercado mainstream. No varejo, as grandes redes e as lojas especializadas e de pequeno porte, já observam esta demanda crescente, iniciando por produtos frescos como frutas e legumes, e passando em um segundo processo por produtos processados e de maior valor agregado. 

O mercado brasileiro, hoje, está na ordem de US$2,5 bilhões de reais, incluindo as exportações, e a expectativa é de que este mercado cresça 30-35% em 2016, e que expanda a cadeia para os produtos lácteos e de origem animal, de maior valor agregado e que os consumidores mais visualizam como determinantes no seu processo de validação, se forem orgânicos. O valor é relativamente tímido se comparado com o valor global do setor que está na ordem de US$80 bilhões, e mais irrelevante se formos considerar o valor de agronegócio no país que representa perto de 23% do PIB Nacional, que é responsável pelo emprego de 39% da população, por mais de 39% das exportações do país, e que tem apenas 30% de suas terras utilizadas.

Estes números mostram o potencial que temos para crescer neste segmento, mas também já impõe a dificuldade que teremos de admitir que seria impossível pensar que todo o agronegócio venha a ser orgânico. O importante é saber que há um mercado e que este mercado vem crescendo, e a sua estruturação será determinada pela demanda, produção e disponibilidade dos produtos. Desde 2011, após a regulamentação da Lei 10.831, temos acompanhado os dados que o Ministério da Agricultura coleta ano após ano. Depois da regulamentação, havia sido cadastrado cerca de 5.500 produtores orgânicos.  Atualmente, este número chegou a 11.478 em novembro de 2015. Regionalmente, a região Sul é a que tem maior adensamento com cerca de 36% do total, seguidos da região nordeste (32%) e sudeste (21%).  Rio Grande do Sul é o estado com maior número, tendo um total de 1.598 produtores orgânicos, seguido por Paraná e São Paulo, com 1.561 e 1.290 produtores, respectivamente.

Todo esse crescimento acontece pelo aumento da demanda, em parte dos consumidores, que faz com que tenhamos, hoje em dia, produtos orgânicos em praticamente todas as grandes redes de supermercados, além do aumento continuado do número de feiras orgânicas, que já são mais de 600 acontecendo semanalmente em todas as regiões do Brasil.

O crescimento do mercado traz um desafio ao setor que é de se estruturar, ter produtos em todos os segmentos de alimentos e bebidas, e atender esta demanda, alinhado com o crescimento econômico do setor.  Fazer tudo isso, e ao mesmo tempo garantir os mecanismos de controle da qualidade e credibilidade. Hoje, podemos prever que da mesma forma como aconteceu o desenvolvimento do setor nos Estados Unidos e na Europa onde as grandes empresas acabaram se adaptando para ter suas linhas orgânicas de produtos, o mesmo deve ocorrer no Brasil.  Precisamos nos preparar para atender a esta demanda, e que falta ainda, além da estruturação da cadeia produtiva primária, ter empresas de processamento capacitadas, um processo logístico eficiente, e processos que garantam a conformidade dos produtos. Esta é a garantia que os mecanismos de controle funcionem na escala dos grandes mercados e que se desenvolva. 

Em termos de empreendedorismo, atualmente temos poucas empresas com faturamento na ordem de dezenas de milhões de dólares e nenhuma ainda na casa das centenas. Enquanto que nos Estados Unidos, já temos empresas com faturamento na casa do bilhão de dólares, há de se pensar em como se estruturar e garantir sua credibilidade nestes volumes. Muitas vezes, ouvi comentários de que queremos que o mundo vire 100% orgânico.  A pergunta que faço é: nós estamos preparados? Seria mesmo viável?  E como se preparar sob todos os aspectos de ter uma cadeia apta a produzir, fornecer e garantir a sua credibilidade?  

O MAPA tem feito esforços de garantir este processo de conformidade e apenas um dado que foi divulgado recentemente, segundo o Ministério da Agricultura, de 2013 para cá, foram excluídos cerca de 2.451 produtores e, temos atualmente, 166 produtores suspensos, seja por que possa ter havido mistura de produtos convencionais aos orgânicos, seja por que possa ter a contaminação com substâncias não permitidas. Este fato é importante para que possamos saber que nos orgânicos, como em qualquer mercado, há os bons produtores e os maus intencionados e cabe a regulamentação fazer este controle. A credibilidade que um consumidor hoje tem ao se deparar com um produto com o selo de “Orgânico” é respeitosamente positiva e cabe a todo o setor manter esta credibilidade. A responsabilidade é de toda a cadeia.

Neste sentido, vivemos uma economia de escala de números, e se estamos falando de negócios corporativos dentro da realidade no setor de orgânicos, aponto uma interessante comparação de números apresentada pelo Prof. Otto Scharmer, da área de inovação de governança de empresas do MIT, na qual questiona até onde precisamos mudar o modelo de capitalismo atual para que possamos continuar a sobreviver.  Nesta abordagem, ele denomina o capitalismo sob três grandes números, que tem relação com o nosso segmento. 1,5 – 2,5 – 3.0.  Vivemos uma realidade que o nosso ritmo de utilização dos recursos naturais para o estilo de vida utiliza-se 1,5 vezes o que o planeta Terra nos oferece de seus recursos. Há cerca de 2,5 bilhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza. Temos um modelo de sustentabilidade nos negócios na qual as empresas buscam considerar a base de sua missão social como intrínseco ao seu negócio (3.0). Há ainda muita banalização para os atributos de sustentabilidade que uma empresa adota e quer se ver junto aos seus consumidores. Neste aspecto, as grandes empresas de orgânicos têm demonstrado este lado em não ser apenas um instrumento de vitrine de práticas sustentáveis.

Pensando nesta condição, acredito que o Brasil está no início deste processo, com a estruturação de uma ordem de trabalho se organizando em cadeias.  Cadeias primárias, com sua pulverização de pequenos e micro produtores, agroecológicos e da agricultura familiar, empreendimentos que se estruturam formando os primórdios da cadeia secundária, com empreendedores pequenos e inovadores até as grandes processadoras e indústrias que enxergam no segmento dos orgânicos, uma alternativa comercial viável, e por que não uma mudança de comportamento na sua organização, e tratando-a como se fosse um organismo vivo. 

Para o futuro, apesar de nos encontrarmos num cenário não muito positivo, podemos prever que com a mudança de parâmetros com que os consumidores vêm fazendo na escolha de seus produtos e serviços, o preço nem sempre vai se mostrar o mais favorável na sua decisão, e esperamos que cada vez mais, a racionalidade e o bom senso seja a diretriz para a sua decisão na busca produtos mais éticos, seguros e saudáveis para seu consumo e para o planeta.  

Não querendo assumir apenas uma visão romântica, foi proposto a criação do ORGANIS – Conselho Nacional da Produção Orgânica e Sustentável, que buscará construir uma plataforma unindo os integrantes da cadeia produtiva, para que possamos atender a uma demanda do mercado comum, que cresce a cada ano, e que ainda nos encontramos no estágio inicial de sua existência.