A especialista em agricultura Sara Eyal diz que o Brasil tem muito a aprender com Israel no aproveitamento dos recursos hídricos, um bem cada vez mais escasso no planeta

A brasileira Sara Eyal deixou o Brasil aos oito anos de idade para morar em Israel. Hoje no Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural daquele país, a economista, que se tornou uma especialista em agropecuária, é a chefe de duas regiões produtoras israelenses. Com uma agricultura altamente desenvolvida e como grande exportador de frutas e verduras – além de líder mundial em produtividade leiteira –, Sara acredita que Israel pode contribuir com o Brasil, repassando sua experiência bem-sucedida na área de irrigação e sua tecnologia para o tratamento da água. “Em Israel, o deserto é verde”, afirmou à DINHEIRO RURAL , durante visita ao Brasil, no mês passado.

DINHEIRO RURAL – O que levou a sra. a viver em um país distante 10,3 mil quilômetros de onde nasceu?

SARA EYAL – Sou gaúcha e era ainda menina, em 1964, quando meus pais, que são descendentes de judeus, decidiram ir para Israel. Comecei a estudar num kibutz da cidade de Haifa, as comunidades que por princípio dividem em comum tudo o que produzem. Eu queria ser matemática, mas fui estudar engenharia eletrônica por decisão dos líderes do kibutz. Até 1986 trabalhei em uma fábrica. Só em 1991 me formei em economia e fui para o Ministério da Agricultura. Hoje sou uma cidadã israelense.

RURAL – E o que a trouxe de volta ao Brasil?

SARA – Vim conversar. Brasil e Israel podem se aproximar de um modo muito salutar para os dois países. O que aconteceu em Israel é muito interessante. A evolução da agricultura irrigada foi muito intensa. Israel é um Estado diferente porque terra e água são bens públicos. Isso influencia o modo de os agricultores planejarem suas atividades.

RURAL – O que a sra. espera do Brasil?

SARA – Espero que as conversas evoluam para acordos de cooperação. Poderíamos ter com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária o mesmo tipo de acordo que o País fez com a Alemanha, ao criar um laboratório virtual (Labex). Israel e Brasil poderiam ter algo parecido ou mesmo construir laboratórios. O Brasil nos interessa como parceiro.

RURAL – É possível a troca de tecnologia entre os dois países?

SARA – Não só a troca de tecnologia. Os países poderiam fazer projetos conjuntos. Nós temos muitos projetos com Holanda, Índia e Estados Unidos. Com o Brasil poderia acontecer o mesmo. Por exemplo, na bacia do rio São Francisco, em projetos de fruticultura. Essa região é muito parecida com o deserto israelense.

 

“Conseguimos produzir no deserto e exportar. Em Israel, o deserto é verde”

FRUTICULTURA: produtora colhe morangos próximo à Faixa de Gaza, em território israelense

 

RURAL – Qual a visão que o Ministério da Agricultura de Israel tem sobre o Brasil?

SARA – O Brasil tem hoje muita força no agronegócio, e o mundo o reconhece como potência. Israel, por outro lado, é muito pequeno, mas possui terras que vão de férteis a desérticas. Isso obrigou o país a procurar soluções para os seus problemas por meio da intensificação do uso da tecnologia.

RURAL – Mas o uso de tecnologia requer qualificação e hoje esse é um dos gargalos da economia brasileira.

SARA – Acho que a tecnologia simplifica processos. Hoje, a qualificação da mão de obra é mais rápida que no passado. Claro que é necessário um grupo um pouco mais especializado, mas antes também era necessário, por exemplo, para mexer em um computador.

RURAL – Qual é sua avaliação da agropecuária de Israel?

SARA – Nós temos uma produção com receita de US$ 2,1 bilhões, para um Produto Interno Bruto de US$ 235 bilhões. Mas essa agropecuária pequena é cheia de ilhas de excelência, como é o caso do gado leiteiro. A produção média anual de leite por vaca no país é de 11,6 mil quilos, a maior do mundo. Tudo é computadorizado e, nos últimos anos, robotizamos a produção.

RURAL – Esse modelo poderia ser adotado no Brasil?

SARA – Tenho certeza de que sim. Mas, mais que usar tecnologias, é preciso adaptá-las à realidade de cada país. No caso do leite, Israel utilizou um maquinário desenvolvido na Holanda e soube torná-lo extremamente eficiente. Hoje, produzimos mais leite que a Holanda.

RURAL – Israel é autossuficiente em alimentos?

SARA – Nós produzimos de tudo, mas, por ter apenas 20% das terras aráveis é quase impossível ser autossuficiente. Em Israel, 40% são desertos e o resto está no meio termo. Por isso investimos em tecnologia e já evoluímos bastante. Em 1955, a produção de um fazendeiro alimentava 15 pessoas, em Israel. Hoje, o mesmo fazendeiro alimenta 100 pessoas. Só para comparação, lembro que nos países em desenvolvimento a relação por fazendeiro é de 2 a 20 pessoas, e nos desenvolvidos vai de 90 a 120.

 

RURAL – É possível comparar o Brasil com Israel?

SARA – Fazer comparações é muito difícil, porque o Brasil tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados e Israel tem apenas 22 mil quilômetros quadrados. A população de Israel é de 7,8 milhões de habitantes, enquanto que no Brasil são 190 milhões. O que comparar eu não sei, mas, assim como o Brasil, nós também temos terras que podem ser incorporadas à produção. Ainda contamos com 137 mil hectares de terras que não são cultivadas. Como o nosso problema é a falta de água, tratamos o tempo todo de desenvolver tecnologia para ter mais água. Por isso conseguimos produzir no deserto e exportamos. O deserto hoje é verde em Israel.

RURAL – É verde porque tem água de sobra para o sistema de produção?

SARA – Não temos água sobrando, e os produtores pagam muito pelo seu uso. Por isso, os agricultores estão interessados no uso das águas marginais. Essas águas são as de esgotos, principalmente. Israel tem três recursos hídricos: o mar da Galileia, e os aquíferos litorâneo e serrano. Mas o uso dessa água doce, monitorado desde 1985, tem diminuído, enquanto o uso da água de esgoto tratada e da água dessalinizada tem aumentado em Israel.

RURAL – Como é distribuída a água em seu país?

SARA – Cada produtor possui uma cota de água natural que é determinada em função das chuvas. Quando o produtor usa até 50% da cota, ele paga um determinado preço por ela. Para os 30% seguintes, o preço do metro cúbico sobe duas vezes e para os 20% restantes, o preço é igual ao da água urbana.

 

“Podemos fazer parcerias em projetos de fruticultura na bacia do rio São Francisco”

 

Velho chico: trecho do rio São Francisco, ainda em área agrícola. No sertão, o verde dá lugar à aridez

 

RURAL – O governo israelense tem pressionado os produtores a utilizar menos água em suas plantações?

SARA – O que aconteceu nos últimos anos é que temos mais água tratada, e os fazendeiros vêm sendo obrigados a trocar as cotas de água potável por cotas de água tratada dos efluentes urbanos. Atualmente, mais de 70% da água recuperada é utilizada.

RURAL – A sra. é a favor da cobrança do uso de água como uma política mundial?

SARA – A água é um problema mundial e deve ser tratada a partir dessa perspectiva. Os produtores devem pagar pelo seu uso, mas devem também receber algo em troca. Em 2010, Israel entrou na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico e, por isso, o governo deixou de dar subsídios à agricultura. Então, a cada ano, o preço da água tem se tornado mais elevado. Mas o que o agricultor paga a mais pela água tem retornado ao campo por meio de investimentos em tecnologia.

RURAL – A sra. compartilha da ideia de que a agricultura é a culpada pela escassez de água?

SARA – Ao contrário. A falta de água é um problema mundial também causado pelas cidades. Em Israel, a chave do sucesso tem sido ligar cidade e campo para produzir o máximo com cada metro cúbico de água. A cooperação dos agricultores na pesquisa tem sido fundamental para desenvolver tecnologias.

RURAL – Qual foi o salto mais importante da agricultura nesse setor?

SARA – Não tenho dúvidas de que foi a dessalinização da água na agricultura. Em 2004 não havia um único metro cúbico dessalinizado em Israel. Mas, graças à tecnologia, que hoje tem um custo de US$ 0,75 por metro cúbico, a partir de 2014 não vai mais faltar água para a agricultura. Em 2013 serão destinados às lavouras mais de 505 milhões de metros cúbicos de água dessalinizada. O Nordeste brasileiro também poderia dessalinizar suas águas para a agricultura. Essa é uma tecnologia viável ao Brasil.